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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 24 de Abril de 2025 às 19:48

A mais preciosa das cargas, de Michel Hazanavicius: Um conto de horror

Animação 'A mais preciosa das cargas', de Michel Hazanavicius, está nos cinemas de Porto Alegre

Animação 'A mais preciosa das cargas', de Michel Hazanavicius, está nos cinemas de Porto Alegre

PARIS FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
O maior de todos os crimes foi várias vezes registrado pelo cinema. A primeira vez foi pelos próprios criminosos, que deixaram muitas imagens por eles registradas e que antecipavam o que aconteceria depois, numa fase em que acreditavam que suas teorias seriam comprovadas por uma vitória na Segunda Guerra Mundial. Com a derrota, não conseguiram impedir, embora os esforços para esconder seus atos, que os aliados chegassem a tempo de encontrar as provas do horror praticado nos campos de extermínio. Muitos desses documentários ficaram famosos, sobretudo aquele que a equipe dirigida por George Stevens realizou e que, depois de permanecer inédito por alguns anos, devido ao temor de que suas exibições pudessem causar preconceitos e agressividades, foi finalmente liberado para todo o público, causando espanto ao mostrar os efeitos da transformação de ações criminosas em práticas legais. As imagens registradas por Stevens e sua equipe foram editadas por Alfred Hitchcock e com o título de Memórias dos campos integram sua filmografia. São muitos os filmes encenados que abordaram o tema. Talvez o mais impressionante deles seja A lista de Schindler, de Steven Spielberg, em 1993. Mas não deve ser esquecido aquele que Stanley Kramer dirigiu em 1961, Julgamento em Nuremberg, recriando os dias em que sentaram no banco dos réus os juízes que permitiram a barbárie. Mas é um documentário de metragem média, Noite e nevoeiro, realizado por Alain Resnais em 1956 a partir de palavras de Jean Cayrol, que merece ser classificado como o maior realizado sobre o tema.
O maior de todos os crimes foi várias vezes registrado pelo cinema. A primeira vez foi pelos próprios criminosos, que deixaram muitas imagens por eles registradas e que antecipavam o que aconteceria depois, numa fase em que acreditavam que suas teorias seriam comprovadas por uma vitória na Segunda Guerra Mundial. Com a derrota, não conseguiram impedir, embora os esforços para esconder seus atos, que os aliados chegassem a tempo de encontrar as provas do horror praticado nos campos de extermínio. Muitos desses documentários ficaram famosos, sobretudo aquele que a equipe dirigida por George Stevens realizou e que, depois de permanecer inédito por alguns anos, devido ao temor de que suas exibições pudessem causar preconceitos e agressividades, foi finalmente liberado para todo o público, causando espanto ao mostrar os efeitos da transformação de ações criminosas em práticas legais. As imagens registradas por Stevens e sua equipe foram editadas por Alfred Hitchcock e com o título de Memórias dos campos integram sua filmografia. São muitos os filmes encenados que abordaram o tema. Talvez o mais impressionante deles seja A lista de Schindler, de Steven Spielberg, em 1993. Mas não deve ser esquecido aquele que Stanley Kramer dirigiu em 1961, Julgamento em Nuremberg, recriando os dias em que sentaram no banco dos réus os juízes que permitiram a barbárie. Mas é um documentário de metragem média, Noite e nevoeiro, realizado por Alain Resnais em 1956 a partir de palavras de Jean Cayrol, que merece ser classificado como o maior realizado sobre o tema.
O filme de Resnais e Cayrol não se limita a utilizar imagens que registram o horror praticado. Na sua sequência final, onde alguns réus repetem a frase "eu não sou responsável", recorrendo ao argumento de que haviam apenas cumprido ordens, o filme amplia a culpa, desde o interesse dos que fecharam os olhos quando ainda havia tempo para deter o mal, até os impulsos agressivos que terminaram aproximando indivíduos aparentemente normais de criminosos que se orgulhavam de suas atrocidades. Os tempos que atravessamos não apenas tornam atuais os filmes citados, pois são marcados pela utilização de símbolos bastante eloquentes até atitudes de uma violência cada vez maior, tanto na esfera política como no âmbito familiar. Basta acompanhar o noticiário para que seja constatada que aquelas obras - e muitas outras - se transformaram em filmes proféticos e, por isso, atuais. O diretor Michel Hazanavicius, muito conhecido e admirado pelo filme O artista, no qual utilizou os recursos do cinema silencioso, é outra vez original ao trazer para o desenho animado um tema tão difícil de ser desenvolvido. E, segundo suas próprias palavras, ao homenagear o Walt Disney de Branca de neve e os sete anões, filme lançado no Festival de Veneza de 1938, também quis demonstrar que essa forma de cinema não pode ter seu espaço limitado por narrativas geradas pela fantasia.
A mais preciosa das cargas não é um filme a ser apreciado apenas por adultos. Ao contrário, pois até poderia servir para que espectadores mais jovens soubessem o que significam certos símbolos e alguns gestos repetidos por figuras públicas nos dias de hoje. Além disso, ao revelar a ingenuidade e o rancor, causados por uma visão deformada da realidade, expõe de forma bem clara os malefícios e a violência que a desinformação é capaz de gerar. E nos momentos finais, ao mostrar os rostos das vítimas em imagens impressionantes, coloca o espectador diante de um cenário revelador. O epílogo é endereçado aos que, diante de tantas provas, ainda negam o ocorrido. Mas o diretor não esquece de lembrar, exaltando a resistência, valores que deveriam ser preservados. Esta é a importância do novo filme de Hazanavicius. O irracionalismo, uma ameaça que se repete, é portador de muitos males, entre eles a negação do direito à vida. Depois de Flow, A mais preciosa das cargas é outro a provar que o desenho animado ainda tem regiões inexploradas. E o filme nos lembra que o cinema, para ser valioso, necessita ter compromissos com seu tempo e pode exercer o papel de eloquente advertência.
 

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