Realizado antes de Código preto, exibido aqui no mês passado, Presença é uma reunião anterior do diretor Steven Soderbergh com o roteirista David Koepp. Esta alteração, muitas vezes registrada devido a irregularidades comuns no mercado exibidor, permite que sejas constatada que a carreira do cineasta, além de não estar à altura das expectativas geradas pelo premiado Sexo, mentiras e videotape, é marcada também pela irregularidade. O cineasta não tem predileção por gêneros e investe em várias áreas, indo da comédia ao drama e até mesmo em biografias de figuras destacadas do mundo contemporâneo. Seu filme agora em cartaz é bem mais interessante do que o que viria a seguir. É uma incursão pelo cinema fantástico, sem os exageros visuais e sonoros que, nos últimos anos, só têm servido para abastardar uma forma de cinema que no passado permitiu o aparecimento de obras hoje clássicas. Além disso, Presença merece ser classificado como um filme que tem a pretensão de abandonar todos os recursos utilizados pela mediocridade dominante em tal forma de ficção cinematográfica. Nada de sustos e explosões sonoras. Além disso, os elementos não realistas são utilizados de forma a extrair da realidade significados importantes e despercebidos por observadores dominados pelo superficialismo. De certa forma, o filme lembra Os outros, realizado pelo chileno, radicado na Espanha, Alexandro Amenábar, no qual o gênero passava por um surpreendente final, que invertia o papel de figuras tradicionais do gênero, no qual fantasmas têm a função de aterrorizar espectadores.
Nada semelhante acontece agora. A casa onde a ação se desenrola está localizada numa zona movimentada, algo que os movimentos de câmera revelam já nas primeiras cenas, com a câmera, manejada pelo próprio Soderbergh, através das imagens vistas pelas janelas. A família que ali se instala parece não ter problemas maiores a ser resolvidos, mas logo a seguir se fica sabendo que a filha está traumatizada pela morte violenta de sua melhor amiga. O fantasma nunca aparece. Porém, devido ao uso da câmera, ele, de certa forma, é o próprio espectador, que acompanha o cotidiano da família protagonista. E ao interferir numa determinada cena, a fim de proteger a menina, este personagem invisível concretiza o desejo de quem está assistindo ao filme, ao interferir na ação. Outro aspecto interessante é que os problemas do casal, sejam os decorrentes de um longo convívio, sejam os causados por problemas burocráticos, não são abordados diretamente. Eles surgem nas conversas telefônicas nunca focalizadas por muito tempo e por vezes adiadas para que então assuntos importantes sejam resolvidos. Ou então no diálogo entre mãe e filho, edipiano e provável causa da hostilidade entre irmãos. A cena da despedida, antes de uma viagem, quando a filha é claramente vista como a favorita do pai e o filho permanece ausente, é também reveladora.
E o filme também aborda o tema da adolescência, tão discutido atualmente graças uma série (excelente) da televisão britânica. Acontecimentos recentes também terminam provando que a agressividade humana não espera a idade adulta para se manifestar de forma perigosa. Este parece ser o ponto que torna o filme uma peça a ser vista, mesmo que não tenha imagens da mesma força daquela em que o vampiro abandona o esconderijo no navio em Nosferatu, de F.W. Murnau, e que não alcance o mesmo nível do magnífico Os inocentes, de Jack Clayton. No primeiro caso, são as forças contidas que regressam à superfície: no segundo, fantasias geradas por repressões. Quando o agente da violência é revelado, não apenas um final inesperado é novamente colocado em cena, pois a revelação tem o claro objetivo de retirar o disfarce que geralmente oculta o perigo maior. No caso, o que é revelado num diálogo anterior, a causa está na retirada do protagonismo e a condenação a um marginalismo gerador de uma revolta causadora de um desequilíbrio gerador de uma agressividade capaz de derrubar barreiras construídas pela civilização.