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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 20 de Março de 2025 às 19:04

Código preto, de Steven Soderbergh: Espiões

Thriller de espionagem 'Código Preto' segue em cartaz nos cinemas de Porto Alegre

Thriller de espionagem 'Código Preto' segue em cartaz nos cinemas de Porto Alegre

UNIVERSAL PICTURES/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
Há diretores empenhados em construir uma narrativa marcada pela clareza. São, não por acaso, os maiores. Mesmo quando trazem contribuições à narrativa cinematográfica, causando alguma dificuldade para espectadores acostumados com os recursos em uso, não recusam a construção de situações e diálogos que se caracterizam por trazerem sinais esclarecedores, ou então são praticantes de ações reveladoras. Há outros que procuram deliberadamente a obscuridade e a confusão, elementos empregados para ocultar deficiências. E há também os que sabem transformar a falta de afinidade com o cinema em propostas revolucionárias. O tempo tem julgado a todos.
Há diretores empenhados em construir uma narrativa marcada pela clareza. São, não por acaso, os maiores. Mesmo quando trazem contribuições à narrativa cinematográfica, causando alguma dificuldade para espectadores acostumados com os recursos em uso, não recusam a construção de situações e diálogos que se caracterizam por trazerem sinais esclarecedores, ou então são praticantes de ações reveladoras. Há outros que procuram deliberadamente a obscuridade e a confusão, elementos empregados para ocultar deficiências. E há também os que sabem transformar a falta de afinidade com o cinema em propostas revolucionárias. O tempo tem julgado a todos.
E só olhar o desfile das últimas décadas para que seja constatada a permanência de nomes que privilegiaram a clareza. Este talvez seja o principal motivo para que uma obra cinematográfica como Ainda estou aqui, de Walter Salles tenha obtido tanta repercussão, desde que foi exibida no Festival de Veneza, quando ficou com o prêmio de melhor roteiro, escrito por Murilo Hauser e Heitor Lorega, marco inicial de sua trajetória. Até os que insultam o filme, revelando seu apreço pela brutalidade e a opressão, compreendem o que significa o seu relato. Eis outra característica do cinema: ele é capaz de fazer com que certos disfarces sejam removidos e a verdadeira face apareça. Um filme como Código preto, de Steven Soderbergh, é daqueles que parecem interessados em expulsar espectadores das salas exibidoras.
Soderbergh, depois de ganhar a Palma de Ouro em Cannes com um de seus primeiros filmes, Sexo, mentiras e videotape, em 1989, passou a ser visto como um dos integrantes de um movimento que então renovava o cinema americano, uma voz importante entre a nova geração de cineastas. Mas o tempo terminou por colocá-lo no espaço ocupado pelos realizadores de pouco brilho. Ele ainda tentou obter repercussão com Kafka, em 1991, e com dois filmes sobre Guevara, em 2008. E realizou também muitos filmes médios, que não causaram qualquer entusiasmo. Seu novo trabalho traz de volta agentes secretos, desta vez empenhados em proteger os segredos que levaram à criação de Severus, um projeto que, em mãos inimigas, pode se transformar em algo capaz de causar a morte de milhões. Mas, além da preocupação com a segurança, há também algo muito grave a ser investigado: há um traidor no grupo. Entre os suspeitos está a esposa do principal integrante do projeto, o que faz que tudo se complique ainda mais. O cineasta, trabalhando sobre um roteiro escrito por David Koepp, tem a missão de acompanhar algumas figuras até que o principal investigador chegue ao culpado. Um dos recursos a ser destacado é fazer do personagem principal um pescador, empenhado em capturar o culpado. Essas imagens são o ponto destacado do filme, pois visualmente situam o drama do protagonista, na missão solitária de encontrar um resultado que também salve seu casamento.
É algo interessante, mas não aproveitado por Soderbergh, que se dedica, sem profundidade, a investigar o cotidiano dos casais envolvidos no projeto. Pouco ou nada se sabe sobre o passado de cada personagem, e a utilização de muitas siglas causa ainda maior confusão. Tudo é obscuro e as sessões de análise nada resolvem, pois são marcadas por doses de ironia. E como o cineasta é também o responsável pela fotografia, ele é culpado de repetir uma tendência de alguns filmes contemporâneos de criar casas onde o interior é mal iluminado, o que, somado à precariedade de alguns cinemas, contribui para que a obscuridade reine nas imagens.
Mas há algo que se aprende no filme: nem mesmo o banco de um jardim é seguro para certas conversas. Talvez sem o desejar, o cineasta e seu roteiristas abordam o tema do fim da individualidade, o ocaso da privacidade. E para comprovar que o passado ignorado pode ser revelador de deficiências, é só comparar Código preto com A conversação, de Francis Ford Coppola, para que o filme atual seja colocado no seu devido lugar, aquele reservado para a pretensão desprovida de significado relevante.
 

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