A História do Cinema está repleta de filmes sobre personagens privados de sua liberdade, desde combatentes encarcerados depois de batalhas perdidas até praticantes de atos criminosos, passando por figuras vítimas de injustiça e participantes da luta contra ditaduras. Desde um clássico como Um condenado à morte escapou, realizado por Robert Bresson em 1960, ambientado durante a ocupação da França na Segunda Guerra Mundial, até um sucesso de bilheteria como Fugindo do inferno, de John Sturges, produzido em 1963, a tela foi muitas vezes ocupada pelo tema da privação da liberdade.
Seria injusto esquecer outros clássicos, como o que assinalou o último capítulo da filmografia de Jacques Becker, A um passo da liberdade, que o diretor concluiu pouco antes de sua morte, em 1960, e O inferno 17, um dos melhores de Billy Wilder, dirigido em 1952. Muitos outros poderiam ser citados, entre eles o nacional Carandiru, de Hector Babenco, em 2003, e aquele que talvez seja o maior filme brasileiro: Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos, que, em 1983, transformou em imagens o relato de Graciliano Ramos. A lista é grande e a citação desses títulos não esgota a relação de obras sobre o tema, pois nada mais é do que uma seleção integrada por obras que a memória tem colocado em lugar privilegiado.
As exibições de Sing Sing, de Greg Kwedar, fazem com que mais dois títulos sejam lembrados, até por anteciparem o que agora é visto na tela. O primeiro deles não é apenas um filme sobre prisioneiros: é um dos maiores em todos os tempos. Trata-se de A grande ilusão, que Jean Renoir realizou em 1937 e no qual um grupo de prisioneiros franceses se dedica a encenar um espetáculo para os carcereiros alemães. O espetáculo é interrompido quando chega a notícia de uma vitória francesa para que os "atores" cantem a Marselhesa diante de oficias alemães, cena que alguns anos mais tarde seria um modelo para Michael Curtiz em Casablanca.
Um antecessor bastante semelhante é César deve morrer, um filme dos Irmãos Taviani - Paolo e Vittorio - vencedor do Festival de Berlim de 2012. Aqui se trata de algo original. Os irmãos realizaram um filme no qual todos os intérpretes são, na verdade, prisioneiros encenando, sob a direção deles, uma versão de Júlio César, de Shakespeare. O resultado, de certa forma, é uma definição partindo do teatro do que é a criação de personagens em cinema, sempre a partir da realidade e nunca se submetendo a qualquer recurso exigido pelo palco, algo que, em 1953, o grande Joseph Mankiewicz já havia alcançado na sua versão da mesma peça, com atores e atrizes profissionais.
Em seu filme, Kwedar, trabalhando sobre um roteiro de John H. Richardson, Brew Buell e Clint Bentley, procurou de certa forma tornar mais conhecida uma iniciativa destinada a recuperar prisioneiros. Agora, não se trata de acompanhar personagens em alguma tentativa de fuga. Trata-se de algo diferente: recuperar a liberdade perdida - e, no caso do personagem principal, por um erro judicial - não é tentar a fuga, mas sim encontrar um caminho propiciado pelo autoconhecimento. O célebre solilóquio do príncipe em Hamlet é quase um motivo condutor. As hesitações e os assaltos da depressão são superados pelo olhar sobre o passado humano, uma espécie de reconstituição de épocas anteriores numa peça que não se afasta do dilema proposto por Shakespeare. E o filme não deixa de ser também um olhar sobre como a chamada interpretação pode ser vista como a configuração da realidade, o teatro da vida, como na cena da entrevista do protagonista que insinua uma funcionária do sistema.
E vale lembrar a queixa do ator Vittorio Gassman, que disse em entrevista ter apenas uma mágoa com relação à vida. É que na vida, disse ele, estamos sempre improvisando, nunca ensaiamos, quando estamos nesse palco imenso. Ele tinha razão: na falta de um autor e de um diretor, temos que escrever um texto com rapidez inimaginável, enfrentar novas situações, contracenar com o que há pouco era desconhecido. O filme de Kwedar é sobre figuras humanas colocando através da arte, no palco, suas deficiências, agressividades e esperanças. E o cárcere é um símbolo poderoso da opressão.