O diretor chileno Pablo Larrain, que vem fazendo carreira internacional, assina a realização do novo filme sobre a soprano Maria Callas agora em cartaz. Antes, em 2002, Franco Zeffirelli havia realizado Callas forever, com Fanny Ardant no papel principal. Em todas as apreciações feitas sobre seu filme, Larrain é lembrado pela realização de dois trabalhos anteriores: um sobre Jacqueline Onassis, produzido em 2016, e outro sobre a princesa Diana, em 2021 - Jackie e Spencer, respectivamente. Assim, Maria tem sido classificado como a parte final de uma trilogia dedicada a mulheres célebres do século passado. A protagonista deste novo filme viveu entre os anos de 1923 e 1977. Era filha de imigrantes gregos que, devido a problemas, tiveram que deixar os Estados Unidos e voltar a seu país. Larrain, por sua vez, merece ser lembrado também por outros filmes, principalmente No, realizado em 2012 e no qual reconstitui o plebiscito que deveria decidir a permanência ou afastamento de Pinochet no Chile. Ele também realizou O conde, em 2023, no qual mesclou lendas vampirescas com a ditadura chilena, e também um filme sobre Pablo Neruda, em 2016, além de O clube, em 2015, sobre abusos em uma escola religiosa. É, portanto, um realizador ambicioso, voltado, para temas atuais, constatação que fez com seu novo filme, baseado num roteiro de Steven Knight, fosse aguardado com alguma expectativa, principalmente, é claro, pelos admiradores de Callas e por todos aqueles que percebem na ópera uma das artes precursoras do cinema, algo que Ingmar Bergman provou definitivamente com sua versão de A Flauta Mágica, algo que depois Joseph Losey iria confirmar com seu Don Giovanni.
Talvez seja necessário salientar que roteirista Knight acertou ao transformar os últimos dias da artista numa espécie de último ato de uma ópera. De certa maneira é o final da Tosca e de La traviata, nos quais a dor causada pela realidade causa o suicídio e a entrega à doença fatal. Mas Larrain, como cineasta que é, deveria ter lembrado a seu libretista (e o termo aqui vale como substituto de roteirista, até para aproximar as duas artes) que sua biografada trabalhou com Luchino Visconti no palco e com Pier Paolo Pasolini no cinema. Com o primeiro numa versão tida como insuperável de La traviata e com o segundo numa versão cinematográfica de Medéia, de Eurípedes. Em vez disso, deu ênfase à solidão da protagonista e às suas lembranças da época gloriosa, registrando a presença de figuras como John Kennedy. O filme, por outro lado, deixa de aprofundar o relacionamento com Onassis, bilionário que não era apreciador de óperas e nem do talento da companheira. E ao registrar um episódio constrangedor da juventude de Maria, Larrain faz referência à época pinochetista.
Ao ser comparado com outros filmes que se aproximaram da ópera, Maria, assim como Angelina Jolie, perde para Melodia Interrompida, filme realizado em 1955 pelo alemão Curtis Bernhardt e no qual Eleanor Parker, dublada por Eilen Farrel, interpretava a soprano australiana Marjorie Lawrence, numa interpretação candidata ao Oscar. E no filme Encontro com Vênus, dirigido em 1991 por Ivan Szabo, Glenn Close atingia a perfeição ao seguir a voz de Kiri Te Kanawa, numa encenação de Tannhäuser. Os reparos que podem ser feitos nas cenas dubladas no filme de Larrain podem ser corretos, mas o erro maior está em algumas figuras em cena, como a do repórter imaginário que entrevista a protagonista para um programa de televisão, algo que em alguns momentos beira o ridículo. Mas o filme, para compensar erros e omissões, tem uma faixa sonora de primeira qualidade, com utilização de árias conhecidas e amadas pelos cultores do gênero. E uma constatação, provavelmente do roteirista, de que a música expressa insatisfações e a procura de algo que traga aos seres humanos equilíbrio merece destaque. E até por trazer às telas uma artista do porte da Callas o filme merece alguma atenção. Pena é que não explore devidamente o dilema vivido por uma das heroínas interpretadas pela soprano, a Norma da ópera de Vincenzo Bellini. Mas a ária mais famosa da ópera, a Casta Diva, mantém sua capacidade de atração e faz parte da faixa sonora. Ignorá-la seria expor diretor e roteirista à ira dos que apreciam uma arte criada pelo Renascimento.