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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 10 de Outubro de 2024 às 21:26

Coringa - Delírio a Dois, de Todd Phillips: O cárcere e a fantasia

Cena de 'Coringa - Delírio a Dois', de Todd Phillips

Cena de 'Coringa - Delírio a Dois', de Todd Phillips

/WARNER BROS/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
Nada de anormal que Coringa: delírio a dois, novo filme de Todd Phillips, tenha sido recebido com restrições por admiradores do que é chamado de franquia, pelos fiéis seguidores de séries construídas por necessidades de uma indústria de entretenimento cada vez mais medíocre, por adultos infantilizados por um processo conduzido por executivos hollywoodianos e mesmo por uma crítica movida por preconceitos. As continuações de sucessos de bilheteria - e Coringa foi merecidamente um deles - quase sempre são recebidas por restrições, mesmo antes de ser vistas, por aqueles que esquecem trilogias como as de Coppola, Ray, Kobayashi e alguns mais. E certamente pelos que ignoram o Teatro Grego e momentos da história da literatura, em que personagens passam de uma peça e de um romance para outro. Se há ambição de continuar um êxito de bilheteria, também por vezes é necessário mais tempo, no cinema, para que certos temas sejam aprofundados e enriquecidos por realizadores acima da pobreza reinante. O segundo filme de Phillips dedicado ao personagem criado por Bob Kane também tem sido atacado por ser um musical. As restrições vindas de tal setor são ridículas, como se as peças de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, como desde o Renascimento se sabe, não tivessem recorrido à música. E como se a Ópera não tivesse sido inventada. Claro que é possível fazer restrições a um filme, mas não por ser uma segunda parte ou recorrer à música. Mas é o que infelizmente tem acontecido.
Nada de anormal que Coringa: delírio a dois, novo filme de Todd Phillips, tenha sido recebido com restrições por admiradores do que é chamado de franquia, pelos fiéis seguidores de séries construídas por necessidades de uma indústria de entretenimento cada vez mais medíocre, por adultos infantilizados por um processo conduzido por executivos hollywoodianos e mesmo por uma crítica movida por preconceitos. As continuações de sucessos de bilheteria - e Coringa foi merecidamente um deles - quase sempre são recebidas por restrições, mesmo antes de ser vistas, por aqueles que esquecem trilogias como as de Coppola, Ray, Kobayashi e alguns mais. E certamente pelos que ignoram o Teatro Grego e momentos da história da literatura, em que personagens passam de uma peça e de um romance para outro. Se há ambição de continuar um êxito de bilheteria, também por vezes é necessário mais tempo, no cinema, para que certos temas sejam aprofundados e enriquecidos por realizadores acima da pobreza reinante. O segundo filme de Phillips dedicado ao personagem criado por Bob Kane também tem sido atacado por ser um musical. As restrições vindas de tal setor são ridículas, como se as peças de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, como desde o Renascimento se sabe, não tivessem recorrido à música. E como se a Ópera não tivesse sido inventada. Claro que é possível fazer restrições a um filme, mas não por ser uma segunda parte ou recorrer à música. Mas é o que infelizmente tem acontecido.
Todd Phillips não deixa de ser uma figura estranha no cinema americano. Antes de Coringa ele nada tinha realizado de significativo. Foi uma surpresa que o filme interpretado por Joaquin Phoenix, tenha sido selecionado para o Festival de Veneza. E surpresa maior quando o júri, presidido pela cineasta argentina Lucrecia Martel, tenha lhe conferido o Leão de Ouro. Independentemente de comparações, o filme merecia qualquer prêmio, pois era obra tão surpreendente quanto excepcional, mais uma prova que um grande orçamento nem sempre impede a criação de uma obra-prima. Poucas vezes se tinha visto, no cinema, uma visão tão poderosa sobre o conflito entre as necessidades da civilização e a força de elementos reprimidos. Mais do que isso, ao focalizar a vida de uma vítima de distorções quase sempre agressoras e criadoras de desequilíbrios, o fez de uma maneira poucas vezes alcançada. E, ao mostrar a vingança de uma figura reprimida e violentada, colocava na tela o retrato de um sistema que procura ignorar suas vítimas. A cena do trem, quando o protagonista inicia sua vingança, resume tudo, até pela origem dos agressores assassinados depois de humilharem e agredirem o personagem.
Agora, as situações não se repetem. O tema merece variações que completam o quadro. É a vez da justiça da civilização entrar em cena. E o cenário e a truculência de seus agentes colocam na tela uma visão impactante das forças empregadas pela civilização. As grades e a brutalidade se destacam nas imagens. E o corpo esquálido do protagonista expõe de forma eloquente a dureza dos métodos e a agressividade das normas. Resta a fantasia, externada pelas canções utilizadas, numa espécie de ópera dos reprimidos, composta por duetos, árias e coros que materializam na imaginação desejos não alcançados. Uma cena musical é a mais notável do filme, aquela na qual, usando o telefone, Phoenix canta uma versão americana da célebre Ne me quittes pas, de Jacque Brel, momento em que, na tela e na faixa sonora, o sentimento de perda inteiramente se revela. E o momento final, tão surpreendente quanto violento, externa de maneira contundente a denúncia maior. Não apenas os atos violentos são reprimidos. Os sonhos e as fantasias também têm o mesmo destino. Phillips e o roteirista Scott Silver conseguiram ver nas narrativas de Kane um resumo a ser ampliado e aprofundado. E para tanto tiveram a preciosa colaboração da compositora Hildur Guanadóttir, autora da partitura original, e do fotógrafo Lawrence Sher, que contribuem decisivamente para atmosfera deste filme por vários motivos fascinante.
 

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