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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 03 de Outubro de 2024 às 19:33

O dia que te conheci, de André Novaes Oliveira: Realidade exaltada

 O Dia que Te Conheci está em cartaz nos cinemas de Porto Alegre

O Dia que Te Conheci está em cartaz nos cinemas de Porto Alegre

Ronaldo Dimer/Divulgação/JC
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Hélio Nascimento
A proposta do diretor André Novaes Oliveira é tão arriscada quanto comprometida com a essência do cinema. Seu novo filme, O dia que te conheci, recusa todo e qualquer artifício e se concentra a recriar de forma rigorosa o cotidiano de seus personagens, praticamente dois em todo o tempo em que decorre a ação. Ele não é o primeiro, mas não há dúvida alguma que concorre ao primeiro lugar entre os que disputam a posição mais radical entre os cineastas que recusam qualquer forma de artificialismo. Há, certamente, os que não aceitam percorrer tal caminho, até porque é possível pensar num cinema que opte pelo realismo sem abdicar da força do espetáculo e de elementos criadores de emoção. Mesmo o grande espetáculo, quando comandado por cineastas que merecem tal nome, não se recusa a se aproximar e mesmo exaltar a realidade captada por uma câmera cinematográfica. O filme de Oliveira é o próprio antiespetáculo, mas além disso é uma verdadeira lição, na medida em que exalta a criação de personagens como a primeira missão do cinema. Numa fase em que o cinema tem sido usado por alguns para transformar espectadores adultos em público incapaz de ultrapassar o terreno do filme dedicado a crianças - algo indispensável e que deverá para sempre ser produzido - não deve passar despercebido um filme que se mostra interessado em fazer o espectador contemplar sem intermediários o cotidiano de seres humanos.
A proposta do diretor André Novaes Oliveira é tão arriscada quanto comprometida com a essência do cinema. Seu novo filme, O dia que te conheci, recusa todo e qualquer artifício e se concentra a recriar de forma rigorosa o cotidiano de seus personagens, praticamente dois em todo o tempo em que decorre a ação. Ele não é o primeiro, mas não há dúvida alguma que concorre ao primeiro lugar entre os que disputam a posição mais radical entre os cineastas que recusam qualquer forma de artificialismo. Há, certamente, os que não aceitam percorrer tal caminho, até porque é possível pensar num cinema que opte pelo realismo sem abdicar da força do espetáculo e de elementos criadores de emoção. Mesmo o grande espetáculo, quando comandado por cineastas que merecem tal nome, não se recusa a se aproximar e mesmo exaltar a realidade captada por uma câmera cinematográfica. O filme de Oliveira é o próprio antiespetáculo, mas além disso é uma verdadeira lição, na medida em que exalta a criação de personagens como a primeira missão do cinema. Numa fase em que o cinema tem sido usado por alguns para transformar espectadores adultos em público incapaz de ultrapassar o terreno do filme dedicado a crianças - algo indispensável e que deverá para sempre ser produzido - não deve passar despercebido um filme que se mostra interessado em fazer o espectador contemplar sem intermediários o cotidiano de seres humanos.
Tal operação não é nada fácil. Provavelmente é essa a mais difícil para um cineasta. É fácil, quando há recursos disponíveis para que sejam utilizados métodos que fazem a realidade ser deformada, figuras humanas sejam transformadas em algo repugnante e o espectador seja agredido de várias formas. Difícil é recriar a existência de pessoas comuns. Não há maiores dificuldades em encenar discursos e ilustrar panfletos. Mas a recriação de um diálogo como aquele na frente de um muro coberto de retratos, filmado num só plano e à distância, além de ser uma espécie de exaltação à imagem, exige sensibilidade e competência. Tal plano não é o único no filme de Oliveira a revelar um mundo que também necessita da imagem para ser inteiramente revelado. Não é apenas o desalento do personagem, enfrentando uma crise e com dificuldades para o diálogo, que a imagem registra. Há também uma separação. É um mundo que então se mostra. Em outros momentos são acontecimentos que adquirem forma e registro de uma crise, momentos em que a situação revela o essencial.
O defeito num ônibus adquire a forma de registro de uma falha que paralisa a vida cotidiana. A corrida na elevada é, por outro lado, a expressão de uma luta diária pela sobrevivência. E depois, o conhecimento verdadeiro de uma colega de trabalho é também a descoberta do protagonista por ele mesmo. Na medida em que também para o espectador se revela a causa da resistência em encarar a realidade e procurar refúgio no sono. São necessários estímulos externos para manter a vida. Num cenário que também reflete, principalmente nos exteriores, um mundo longe da perfeição. E vale registrar algo que, talvez, não seja apenas uma coincidência: o filme, de certa maneira, começa de forma semelhante a Tudo azul, de Moacir Fenelon, o Rio 40 graus dos musicais brasileiros. Assim como aquele clássico de Nelson Pereira dos Santos, o filme de Oliveira mostra que não é necessário o afastamento da realidade mais próxima para que o fundamental seja alcançado. O realizador de O dia que te conheci também mostra que o mundo em que personagens se encontram não é habitado por qualquer gênero de festividade. O último plano do relato não mostra algo festivo, falta algo num cenário que surge vazio e que parece retirar o ser humano de sua imagem. Somente através de recursos visuais, mesmo não recusando a palavra, Oliveira faz com que a tela seja habitada por seres humanos tristes e solitários, submetidos por recursos destinados a adormecê-los e transformá-los em figuras desprovidas de inconformidade. Seu filme tem a força dos que não utilizam artificialismos e nem qualquer forma de otimismo ingênuo para construir um quadro povoado por poucos personagens, todos integrantes de um mundo imperfeito.
 

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