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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 29 de Agosto de 2024 às 18:49

Complexidades

Filme O mal não existe, do diretor Ryusuke Hamaguchi

Filme O mal não existe, do diretor Ryusuke Hamaguchi

YOUTUBE/REPRODUÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
O diretor Ryusuke Hamaguchi, o mesmo do notável Drive my car, filme que em sua carreira internacional foi diversas vezes laureado, além de ter sido saudado como obra-prima de forma praticamente unânime, não tem causado o mesmo entusiasmo com O mal não existe, o que não é propriamente uma aferição justa. Assim como o anterior, o novo trabalho do cineasta não se deixa levar pelas facilidades e permanece fiel a uma observação rigorosa da realidade, observação esta que não é aprisionada por nenhuma forma de passividade diante do captado pela câmera. Em cada plano e em cada sequência, o cineasta sabe extrair dos acontecimentos filmados sua carga simbólica. Vale dizer que o filme expõe em cada cena o que os acontecimentos revelam.
O diretor Ryusuke Hamaguchi, o mesmo do notável Drive my car, filme que em sua carreira internacional foi diversas vezes laureado, além de ter sido saudado como obra-prima de forma praticamente unânime, não tem causado o mesmo entusiasmo com O mal não existe, o que não é propriamente uma aferição justa. Assim como o anterior, o novo trabalho do cineasta não se deixa levar pelas facilidades e permanece fiel a uma observação rigorosa da realidade, observação esta que não é aprisionada por nenhuma forma de passividade diante do captado pela câmera. Em cada plano e em cada sequência, o cineasta sabe extrair dos acontecimentos filmados sua carga simbólica. Vale dizer que o filme expõe em cada cena o que os acontecimentos revelam.
Na sequência de abertura, a câmera focaliza a natureza dominando a imagem. E o filme, que depois será conduzido por variações em torno do conflito que tem conduzido a humanidade no processo de adaptação do ser humano às condições decorrentes de descobertas destinadas a amoldar a vida da civilização no planeta, não abandonará tal posicionamento. Como o processo nem sempre é conduzido pelo respeito à natureza, dilemas e confrontos têm acontecido durante os séculos, e agravados a partir do ponto que a transformação de matérias-primas em produtos industrializados nem sempre é conduzida de forma racional e capaz de preservar uma harmonia tão necessária. Assim, o filme parece ser mais um a adotar um esquema maniqueísta no qual a natureza representa o bem e o ser humano, o mal.
O cineasta, porém, não é um adepto de superficialidades e nem de simplificações, além de se afastar de discursos e panfletos. Hamaguchi coloca em cena uma comunidade rural, que aparentemente vive em equilíbrio com a natureza e, a seguir, entra em conflito com uma empresa que obteve licença para criar uma área destinada ao campismo. É a situação clássica já vista em outros filmes. Numa audiência pública na qual a proposta será discutida com representantes da população local, o funcionário da cidade é apresentado como o tradicional burocrata citadino, capaz de ouvir críticas com tranquilidade, mas incapaz de responder a certas perguntas. Nesta sequência, Hamaguchi revela toda sua capacidade em recriar a realidade. Estamos vendo na tela um verdadeiro documentário, no qual os atores se transformam em personagens, que por vezes são dominados por uma agressividade nem sempre contida e tendo como causa a evidente e até desonesta ação dos interessados no empreendimento. O descaso com o equilíbrio natural e cuidados relativos com a higiene causam uma revolta natural, que tem raízes em algo tornado visível e ameaçador, antes de ser contido. É a partir deste momento que o filme passa a percorrer caminhos inéditos em tal gênero de relato.
Se a cena da reunião com a direção da empresa revela a essência de interesses, a da viagem de volta ao local dos funcionários revela sinais antes apenas sugeridos. Nada é tão fácil como parece. O tempo que sobra acentua contrastes e se encaminha para um final inesperado. É este epílogo que tem causado algum espanto nos que tanto elogiaram o filme anterior de Hamaguchi. É quando, de certa forma, o diretor repete o final do filme anterior, quando a realidade da cena coloca o espectador no mundo atual e a ele confere o direito de imaginar o que realmente aconteceu. Agora, a alegoria vem em primeiro lugar, mas o simbolismo é fácil de ser decifrado. A agressividade também se revela entre os protetores do equilíbrio ambiental, algo que o filme acentua claramente nas cenas em que vemos o "faz tudo" da aldeia rachando lenha, numa clara agressão à natureza, mesmo que ditada por necessidades humanas. A cena derradeira também pode ser vista como uma espécie de autopunição, pois o burocrata da capital, de alguma maneira, passa a ser um complemento do aldeão. E a presença do cervo, a vingança maior. É lícito discutir a cena derradeira, mas é inquestionável a coerência do realizador. Tudo parece desaparecer e um recomeço pode ser o caminho. O título do filme se justifica, pois a existência de uma agressividade não disciplinada pela civilização derruba os muros erguidos pelo maniqueísmo. Aquelas barreiras que impedem um olhar humano mais nítido e amplo.
 

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