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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 20 de Junho de 2024 às 18:47

Sombras

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Hélio Nascimento
O pessimismo certamente sempre é algo a ser suportado, pois causador de desconforto. Mas o que tem sido visto, com as exceções de praxe, é algo que nos faz pensar em decadência ou então numa crise que certamente será difícil de ser superada. Ainda há excelentes cinemas em Porto Alegre, mas a pobreza da programação mais recente nos fez frequentar salas que há tempos não eram visitadas.
O pessimismo certamente sempre é algo a ser suportado, pois causador de desconforto. Mas o que tem sido visto, com as exceções de praxe, é algo que nos faz pensar em decadência ou então numa crise que certamente será difícil de ser superada. Ainda há excelentes cinemas em Porto Alegre, mas a pobreza da programação mais recente nos fez frequentar salas que há tempos não eram visitadas.
O que foi visto é profundamente lamentável, como se dizia antigamente. Pouco adianta se as poltronas são reclináveis, se o ar condicionado funciona, se os cinemas são localizados em centros comerciais modernos. Infelizmente, telas são escuras e mal se pode ver o rosto dos intérpretes. Numa época em que a tecnologia de projeção permite que sejam vistos filmes de forma perfeita, é triste ver telas de cinema dominadas pelas sombras, o que certamente expõe descaso e desrespeito com os espectadores.
É até compreensível que muitos espectadores tenham trocado os cinemas pelos recursos que permitem ver filmes em casa, onde, pelo menos, luz e nitidez não faltam nas imagens. Como se não bastasse o acúmulo de bobagens exibidas antes do filme principal - com exceção daqueles personagens que aparecem lembrando que o cinema não é a casa de cada um e que, portanto, deixar o celular ligado é uma forma de expor falta de educação - tudo é prejudicado pelas deficiências na projeção. Estão sendo anunciadas para breve novas e modernas salas de exibição, mas elas só merecerão tal adjetivação se a projeção for perfeita.
Além de tudo isso, a mediocridade do setor é exposta pela ausência de propostas inovadoras, que permanecem longe das telas daqui. Só raramente aparecem obras de importância, quase sempre exibidas por iniciativas de serviços culturais de países como a França e a Itália, que costumam organizar semanas dedicadas a filmes importantes, nas quais não faltam, por vezes, clássicos reeditados de forma perfeita. Os tempos áureos dos clubes de cinema voltados para a exibição de clássicos, de conhecimento indispensável por conterem inovações e visões marcadas pela lucidez sobre a sociedade e seus mecanismos, pertencem ao passado.
Há certamente grupos de resistentes, mas o interesse por eles parece ter claramente diminuído, substituído por algo que já foi definido como uma volta àquelas revistas interessadas na vida particular de atores e atrizes, uma volta ao que de mais ridículo existia nos anos 40 e 50 do século passado. Tudo isso dá razão aos críticos que advertiam sobre um processo de colonização que parece ter atingido o auge. O tão discutido Glauber Rocha tinha razão ao declarar que não era contra a presença do cinema norte-americano no mercado exibidor brasileiro, pois tal presença exercia importante papel dialético, mas sim a uma devoção que excluía qualquer forma de pensamento crítico. O que diria Paulo Emílio Salles Gomes se contemplasse, hoje, as atividades dos chamados influenciadores digitais falando sobre cinema?
Há excelentes cineastas atuando nos dias de hoje. Alguns concluindo suas carreiras, outros com um futuro pela frente. Filmes de valor continuam sendo feitos. Em algumas cidades do mundo já são feitas projeções a laser e inovações estão transformando o cinema em vencedor na batalha contra o streaming. Se o pessimismo impera, principalmente entre os que viveram uma época em que o cinema possuía o monopólio da imagem em movimento, como dizia Fellini, talvez seja possível reverter o processo deletério em curso. Na verdade, os elementos negativos, tão claros atualmente, não se restringem ao cinema. Mais uma vez, agora de forma involuntária, mas de qualquer forma relevante, a tela do cinema expõe uma realidade que coloca diante de todos uma mediocridade avassaladora. Sombras substituem pessoas e caricaturas de figuras reais tomam conta do espaço. E como ainda há lugar para os dissidentes, é melhor afastar o pessimismo, mesmo que tal tarefa seja de difícil execução. Para principiar, permanecendo em nosso setor, é necessário que as salas de projeção não sejam limitadas por cuidados com elementos exteriores e que as telas sejam enriquecidas pela luz e a nitidez.
 

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