Em que momento o Cinema passou a ser levado a sério, depois de ter atravessado a fase de atração de feira? Provavelmente tenha sido quando David W. Griffith realizou Nascimento de uma nação, em 1915, quase sempre visto como um manifesto racista e uma exaltação da Ku Klux Klan. Apesar disso, seu título poderia ser trocado para 'Nascimento do Cinema', pois é impossível negar que, por vários motivos, no filme a narrativa cinematográfica foi realmente tornada independente do Teatro. Tal constatação não tem impedido que o filme seja alvo de críticas pesadas e colocado no limbo e Griffith tido como um defensor da escravidão, isso antes de seu filme seguinte, Intolerância, realizado um ano depois, ser colocado entre os monumentos a serem cultuados como um marco decisivo. Mas Nascimento de uma nação, sem qualquer dúvida, permanecerá, do ponto de vista formal, um farol cuja luz ilumina a tela cinematográfica, imbatível como ponto de partida. Diz a lenda que Sergei Eisenstein, à frente dos jovens que, na década de 1920, também deixaram valiosa e indestrutível contribuição à nossa arte, costumava dizer que "Griffith é o nosso pai". Verdade é que o filme, causando manifestações e conflitos, terminou por expor o fato de que a guerra civil, que havia terminado com a escravidão, aceitou normas legais que permitiam uma discriminação racista, só resolvida na segunda metade do século passado, e que pouco fizeram para combater linchamentos e outros crimes como várias vezes o cinema registrou.
No ano de 1935, Charles Chaplin realizou Tempos Modernos. Porém, quatro anos antes, René Clair havia dirigido A nós a liberdade, uma sátira à mecanização do ser humano em forma de opereta. Essa antecipação fez com que Chaplin fosse acusado de plágio, mas Clair interrompeu o processo afirmando que para ele era um orgulho ter servido de inspiração a um cineasta a quem todos deviam muito. Tempos modernos é também quase uma previsão dos tempos atuais, quando a tecnologia vai aos poucos transformando pessoas em peças de uma engrenagem. Realizado numa época em que ainda eram visíveis as consequências da grande depressão, o filme de Chaplin é até hoje obra indispensável para o conhecimento de um mundo em que aumenta o poder da tecnologia e técnicas de manipulação são cada vez mais usadas para controlar manifestações marcadas pela insatisfação diante da realidade. Há alguns anos, uma revista norte-americana dedicada à economia fez uma enquete entre economistas de vários países para a eleição de obras que melhor haviam focalizado problemas contemporâneos. Dois filmes integraram a relação. Um deles foi Tempos modernos.
O outro filme eleito pelos economistas consultados foi A grande ilusão, de Jean Renoir, realizado em 1936. A ação transcorre durante a Primeira Guerra Mundial e trata da desintegração da aristocracia, representada por um aristocrata oficial alemão, e da ascensão de novos protagonistas de cena mundial: o empresário e o trabalhador. A cena final, num cenário em que a neve apaga os sinais de fronteira entre os países, sinaliza para um mundo em que diferenças e conflitos, assim como aproximações, passarão a ser representados verticalmente e não de forma horizontal. Além de apontar para tal classificação, o filme antecipa a Segunda Guerra Mundial, onde mundos opostos se unem para combater a irracionalidade e a barbárie. O oficial alemão representa o passado e também um culto da obediência que será uma das raízes do nazismo; os oficiais franceses, indivíduos de classes diferentes, representam o futuro; e o Natal é uma visão otimista que ainda anima muitos. Renoir fez depois, em 1939, um filme que desfez o otimismo e no qual as sombras que se aproximavam dominavam o cenário.
Muitos outros filmes integram uma lista de obras que sintetizam e explicam uma época. É, portanto, desejável que a superficialidade e a atenção apenas para aspectos exteriores de um filme ocupem um lugar menor no processo de análise de obras cinematográficas, algumas delas merecedoras do silêncio ou daquele rigor atualmente quase ausente da crítica. Este é o tempo que estamos vivendo, no qual nem sempre merecem destaque os temas mais importantes, deslocados por interesses desprovidos de valor e importância.