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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 24 de Maio de 2024 às 00:40

Gerações

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Desde que a figura do Rei entrou em conflito com a imagem do súdito inconformado, como no início da Ilíada, que a relação da imagem paterna com a do descendente tem originado filmes admiráveis como o clássico Vidas amargas, que Elia Kazan (1909-2003) realizou em 1955, tendo por base a parte final do romance A leste do Éden, de John Steinbeck (1902-1968), e o mais recente e impactante O filho, de Florian Zeller. Logicamente não se trata apenas de um conflito entre gerações, tema não excluído de um ritual obrigatório e destinado a impor a disciplina exigida pela civilização. Trata-se também de uma ação destinada a impor novos valores e também da afirmação de uma personalidade diante da estátua colocada em seu caminho. Na história há vários exemplos, alguns muito conhecidos como o dos Dumas. O pai (1802-1870) é o autor de Os três mosqueteiros, e o filho (1824-1895) escreveu peças e romances e se tornou famoso com A dama das camélias, na qual utilizou recordações de sua ligação com Marie Duplessis, na ficção chamada Margarite Gautier. Mas o texto de Dumas não ficou restrito ao teatro, pois deu origem à ópera La traviata, de Giuseppe Verdi (1813-1901), sobre libreto de Francesco Maria Piave (1810-1876), recentemente filmada por Sofia Coppola e que já havia chegado ao cinema em um bom filme de Franco Zeffirelli (1923-2019), realizado em 1982. Na ópera, a protagonista passou a chamar-se Violeta Valéry.
Desde que a figura do Rei entrou em conflito com a imagem do súdito inconformado, como no início da Ilíada, que a relação da imagem paterna com a do descendente tem originado filmes admiráveis como o clássico Vidas amargas, que Elia Kazan (1909-2003) realizou em 1955, tendo por base a parte final do romance A leste do Éden, de John Steinbeck (1902-1968), e o mais recente e impactante O filho, de Florian Zeller. Logicamente não se trata apenas de um conflito entre gerações, tema não excluído de um ritual obrigatório e destinado a impor a disciplina exigida pela civilização. Trata-se também de uma ação destinada a impor novos valores e também da afirmação de uma personalidade diante da estátua colocada em seu caminho. Na história há vários exemplos, alguns muito conhecidos como o dos Dumas. O pai (1802-1870) é o autor de Os três mosqueteiros, e o filho (1824-1895) escreveu peças e romances e se tornou famoso com A dama das camélias, na qual utilizou recordações de sua ligação com Marie Duplessis, na ficção chamada Margarite Gautier. Mas o texto de Dumas não ficou restrito ao teatro, pois deu origem à ópera La traviata, de Giuseppe Verdi (1813-1901), sobre libreto de Francesco Maria Piave (1810-1876), recentemente filmada por Sofia Coppola e que já havia chegado ao cinema em um bom filme de Franco Zeffirelli (1923-2019), realizado em 1982. Na ópera, a protagonista passou a chamar-se Violeta Valéry.
Outro caso famoso é o dos Strauss, pai (1804-1849) e filho (1825-1899). O primeiro escreveu diversas operetas e teve seu prestígio na época, mas o filho o superou em fama e prestígio ao escrever também operetas e uma série de valsas que até hoje são ouvidas, principalmente depois que Stanley Kubrick transformou uma delas, O Danúbio Azul, em 2001: uma odisseia no espaço, como expressão sonora do rio que nunca é o mesmo, e do universo em movimento eterno e iluminado pela mesma cor. As valsas de Strauss, filho, foram elogiadas por Johannes Brahms (1833-1897) e uma de suas operetas, O morcego, foi uma das obras nas quais Carlos Kleiber (1930-2004), que é considerado por parte da crítica musical o maior regente de todos os tempos, expressou seu talento incomum. O maestro era filho de Erich Kleiber (1890-1956), outro nome célebre, que abandonou a Alemanha depois da tomada do poder pelos nazistas, indo morar na Argentina, quando então alterou nome do filho Karl. Diz a lenda que ao perceber o talento do filho ele teria dito ser uma pena "o garoto ter talento para a música". Kleiber, o filho, nunca deu entrevistas, recusou o convite para ser o maestro titular da Filarmônica de Berlim e deixou poucas gravações integrais. Algumas delas podem ser vistas no Youtube.
O que tudo isto, a ver com uma coluna dedicada ao cinema? É que o filme Maestro(s), que está chegando aos cinemas, dirigido por Bruno Chiche, trata do tema ao colocar em cena dois regentes, pai e filho. Trata-se de um exemplo de oportunidade perdida. Atores e atrizes mal escolhidos, cenas de regência ridículas e um final constrangedor. Talvez o diretor tenha pensado nos casos citados, mas suas variações sobre o tema do conflito em questão são pobres, ingênuas e superficiais. Fritz Lang (1890-1976) dizia que nunca se perde tempo num cinema, pois se o filme nos desagrada podemos imaginar como o faríamos. O cineasta falava como autor. O espectador por sua vez pode imaginar o filme que gostaria de ver. Recentemente em Tar e Maestro, Todd Field e Brian Cooper mostraram como se filma o cotidiano de músicos. Cooper foi assessorado pelo maestro canadense Yannick Nézet- Séguin. Agora o que parece é que Chiche não é frequentador do espaço musical e seus intérpretes em nada colaboram. Porém, não são eles os culpados. Foram mal escalados e ainda enfrentam cenas ridículas como aquela do bumbo na rua. Lang fez uma observação inteligente sobre o comportamento do espectador. Mas para que, de tal experiência, resulte algo benéfico é necessário que a irritação ceda espaço para a paciência. Eis um exemplo eloquente de como oportunidades são perdidas e de como o cinema pode ser levado para o vazio e para a inutilidade.
 

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