Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora
Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 25 de Abril de 2024 às 18:51

Superficialidades

Compartilhe:
Hélio Nascimento
São tantos os filmes dedicados a desenvolver o tema da importância do jornalismo, uns dedicados a exaltar a coragem e a ética exercidas por profissionais, outros interessados em discutir o comportamento nada elogiável de figuras apenas interessadas em promoção pessoal, que seria ocupar quase todo o espaço aqui disponível para falar de cinema. Mas é claro que, ao propor uma meditação sobre tal assunto, seria impossível não mencionar um dos maiores momentos de nossa arte: Cidadão Kane, realizado por Orson Welles, cineasta que pagou caro por sua ousadia, quase viu seu filme destruído por pressão de quem se julgou biografado na obra e nunca mais - a não ser em projetos realizados fora da influência de Hollywood - conseguiu realizar uma obra que não fosse alterada na sala de montagem.
São tantos os filmes dedicados a desenvolver o tema da importância do jornalismo, uns dedicados a exaltar a coragem e a ética exercidas por profissionais, outros interessados em discutir o comportamento nada elogiável de figuras apenas interessadas em promoção pessoal, que seria ocupar quase todo o espaço aqui disponível para falar de cinema. Mas é claro que, ao propor uma meditação sobre tal assunto, seria impossível não mencionar um dos maiores momentos de nossa arte: Cidadão Kane, realizado por Orson Welles, cineasta que pagou caro por sua ousadia, quase viu seu filme destruído por pressão de quem se julgou biografado na obra e nunca mais - a não ser em projetos realizados fora da influência de Hollywood - conseguiu realizar uma obra que não fosse alterada na sala de montagem.
Uma delas, Soberba, teve até mesmo uma cena final filmada por outros e marcada pelo ridículo. Na época, Welles se encontrava no Rio de Janeiro e para ele teria sido enviada, antes do massacre de cortes e do lamentável acréscimo, uma cópia original, que até hoje não foi encontrada, embora ainda não tenham desistido de procurá-la pesquisadores interessados em tornar amplamente conhecido o que, a se julgar pelo que sobrou, teria sido um dos grandes filmes já realizados. Depois do jornalismo, uma visão do capital e uma abordagem do Édipo moderno. Mais recentemente, Todos os homens do presidente, de Alan J. Pakula, realizado em 1976, reconstituía o trabalho de dois jornalistas americanos decisivo para o afastamento de Richard Nixon da presidência. Steven Spielberg, em 2017, deixou sua contribuição com The Post - Guerra Secreta, destinado a exaltar o compromisso de divulgar a verdade escondida pelo poder.
Os interessados em narrar o argumento de filmes e os voltados para a análise da interpretação de atores, quase sempre deixando em segundo ou terceiro planos as intenções e as visões dos realizadores sobre os temas abordados e a realidade focalizada, estão transformando o britânico Alex Garland em cineasta importante por causa deste Guerra civil, que, sem dúvida, traz para a telas, mas de forma incompleta, alguns dos sinais de nossa época. O filme é barulhento e superficial, mais um interessado em efeitos sonoros e recursos digitais, numa tentativa de explorar de forma demagógica recursos hoje colocados à disposição de qualquer mediocridade que tenha acesso ao universo de produção de filmes.
O que se vê na tela são personagens que dispensam análise destinada a esclarecer seu comportamento. Sabe-se apena que uma figura é fotógrafa famosa por imagens de guerra e criatura amargurada pelo que testemunhou; outra, uma menina que ambiciona seguir seus passos; e o terceiro, um repórter apreciador da violência e interessado em entrevistar um presidente que, estando no terceiro mandato, certamente violou a constituição americana e que agora enfrenta uma rebelião prestes a ser vitoriosa. Há um quarto personagem, um veterano que a tudo olha com ceticismo. Pouco se sabe sobre as origens da revolta e as causas que obrigam nações a indivíduos a praticarem a violência extrema.
Num filme como este, é surpreendente a presença de uma cena realmente impactante. É aquela do encontro com um xenófobo enlouquecido, um retrato simbólico com o extremismo mais ameaçador. A América acima de tudo, certamente. Mas a do Norte. A cena é notável e aterrorizante e começa com a citação das covas coletivas nas quais os nazistas jogavam suas vítimas depois das execuções e antes do emprego do gás Zyklon. E segue com um interrogatório nacionalista e destinado a executar qualquer um que não se enquadre ou obedeça certas normas. Porém, jornalistas participando de ataques e até dando ordens a combatentes é algo difícil de aceitar. Uma foto como a de Mohammed Salem, recentemente divulgada, registrando o abraço de uma mulher em sua sobrinha de cinco anos morta em um dos ataques recentes na Faixa de Gaza, prova como uma imagem pode ser eloquente. Mas esta força, com exceção da cena citada, não aparece no filme de Garland.
 

Notícias relacionadas