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A absolutização das ciências
No início, religião e ciências iam de mãos dadas. Fala-se de duas asas - a razão e a fé - que conduzem a Deus. Acontece, porém, que, a certa altura, restabeleceu-se um atrito, que se foi acentuando, até degenerar em mútua agressão. Não há necessidade de entrar em detalhes e apontar culpados. O problema está na perspectividade. Há pontos de vista substancialmente diferentes, porque o lugar de observação e o método são diversos.
A religião, com sua teologia, fala de Deus, a partir de uma revelação pela fé. As ciências, depois de se separar da filosofia, privilegiam a experiência imediata e limitam metodologicamente seu campo de pesquisa. A filosofia vê o ser enquanto ser. As ciências, ao invés, se concentram na realidade sensível. Foram-se especializando cada vez mais em determinadas realidades e sob pontos de vista ainda mais restritos. Assim, por exemplo, a filosofia estuda o homem em sua origem e destino últimos. A psicologia especializou-se no estudo de suas tendências e reações imediatas. Analisa o psiquismo. A sociologia vê o mesmo homem no seu contexto social. A antropologia situa-o no espaço e no tempo...
Há zonas limítrofes, onde as ciências se encontram com a filosofia e a religião. Ali costumam surgir divergências, ou porque a religião, com sua teologia, ou a filosofia, ou as ciências, ultrapassam seus limites e se intrometem no campo alheio. São exemplos contundentes a questão da evolução, que teve como protagonista Darwin; a questão do heliocentrismo, cujo corifeu foi o Cônego Copérnico e, depois, transformado em polêmica por Galileu e Kepler; e a questão do universo em expansão, proclamado solenemente por Laplace...
Sem nos determos na discussão destes problemas, basta acenar aqui para a posição assumida pelas ciências.
Passando por cima dos limites a que seu campo de especialização as restringia, pretenderam dar explicações últimas, invadindo o plano da religião e da filosofia. Arvoraram-se em instância última, pretendendo não propriamente substituir Deus, mas declarar a crença nele ultrapassada. Não só o excluíram de seu campo de pesquisa - o que seria correto - mas também pretenderam afastá-lo do coração e da vida humana. Seria como o médico que abrisse o cérebro de um paciente para tentar, com suas pinças, extrair dali as ideias de um célebre pensador e, não o conseguindo, declarasse que, naquele cérebro, não há ideia alguma. Ou outro que operasse o coração e ali quisesse retirar uma pitada do amor daquele apaixonado. E, depois, declarasse à sua bem ou mal amada, que ali não encontrara nada que se parecesse com amor. Seu bisturi voltara vazio da operação.
As ciências, tanto físicas quanto biológicas, estão no campo da experimentação. Podem verificar o que aparece. Não conseguem, porém, pronunciar-se sobre a natureza última. Seu campo e seu método são demasiadamente restritos. O problema está no fato de, na opinião pública, se dar tal crédito às ciências que elas se caracterizem com o numinoso. Tem poder sobre a vida e a morte. Em muitos campos colocaram-se em lugar de Deus.
Em qualquer hipótese, com suas afirmações, muitas vezes fora de contexto, destroem a fé em Deus de muitas pessoas. A harmonia, o amor, a beleza, a vida, a responsabilidade e a fé não se deixam reduzir ao acaso. As ciências, que excluem ou se opõem a Deus, deixam o coração humano vazio e a inteligência vacilante. Por isso o homem concreto, dotado de inteligência, vontade e sentimentos, ao mesmo tempo crê e pesquisa; vive a fé e investiga; tem o pé na terra e a perspectiva de horizonte no céu.