Na primeira semana de dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o regulamento para fabricação, importação e comercialização de medicamentos derivados da cannabis, popularmente conhecida como maconha. O regulamento, publicado no Diário Oficial da União na semana passada, aponta que o medicamento só poderá ser comprado mediante prescrição médica, e a comercialização será feita exclusivamente em farmácias e drogarias que não fazem a manipulação de medicamentos. Em conversa com o Jornal da Lei, o especialista em Direito Regulatório Tiago Monteiro fala sobre os aspectos importantes desse regulamento.
Jornal da Lei - Quais as mudanças e os pontos sensíveis desse regulamento?
Tiago Monteiro - O que mudou é que, agora, se autoriza a fabricação e a venda de produtos à base de cannabis aqui no Brasil, mas ainda não se autorizou o plantio. A Anvisa pretendia autorizar o plantio dentro de empresas fechadas, com o controle dosimétrico para evitar desvios, mas o que foi aprovado foi apenas a venda e fabricação. Ou seja, por enquanto, a matéria-prima terá que ser importada. Segundo o regulamento publicado na semana passada, as receitas vão ser controladas pelo percentual de THC (tetra-hidrocanabinol, substância psicoativa das plantas do gênero cannabis). Se for maior, a receita médica vai ser mais rígida. Tudo será controlado pelas receitas médicas.
JL - Como funcionará a fiscalização?
Monteiro - As únicas farmácias que poderão vender são aquelas que não manipulam. Isso é uma preocupação para evitar que alguém pegue o substrato da substância e use para criar produtos para efeito recreativo. O controle maior vai ser em cima de quem estará importando, uma vez que vão ter que trazer produtos prontos ou a substância dos insumos para revenderem aqui. A fiscalização mais rígida é para garantir que seja um produto dentro das normas daqui, registrado por órgãos de países que tenham autorizações com vigências semelhantes às vigências feitas no Brasil. Os países que tiverem esses produtos registrados lá em um parâmetro de rigidez similar ao brasileiro poderão exportar. Ou a exigência de lacres para evitar o desvio nas farmácias, que ainda está para ser confirmada.
JL - Antes desse regulamento, os pacientes que precisavam de medicamentos à base de maconha tinham que comprovar a falta de opções de tratamento. Como será isso agora?
Monteiro - Pelo que se discutiu, os produtos com acima de 0,2% de THC só poderiam ser liberados para pacientes terminais ou que tenham esgotado outras alternativas de tratamento. Para situações menos rígidas, a norma liberaria normalmente, desde que o percentual de THC seja de até 0,2%.
JL - Por que o senhor acredita que esse regulamento seja uma grande evolução?
Monteiro - Estamos em um país que, querendo ou não, tem discussões conservadoras. O próprio atual presidente da Anvisa questionou bastante essa aprovação, e a não aprovação da questão do plantio. De fato, já é um primeiro salto, porque as pessoas podem ter uma substância que antes só se conseguia com autorização judicial. Embora não dê para falar que um país do nosso tamanho tenha tantas decisões assim, até porque existe uma certa dificuldade de acesso à Justiça, é bem crescente o número de decisões autorizando o acesso a esses medicamentos. Não só através da exportação, mas, em alguns casos, até por meio do plantio para pessoas que comprovam necessidade. Era um movimento que não tinha como segurar. É uma grande evolução não precisar de um advogado e de uma autorização judicial para ter esses produtos.
JL - O senhor acredita que esse regulamento seja um passo para a liberação da maconha para uso recreativo?
Monteiro - Embora a pressão social seja bem grande para isso, acho que este ainda não é um começo. Acho que o regulamento é um primeiro passo atrasado para liberar algo que já deveria ter sido liberado, não fazia sentido misturar as coisas. O uso recreativo, mesmo para quem defende, é bem separado do que está sendo liberado agora. Mesmo as pessoas conservadoras acabaram vendo que não tinha como não liberar isso no Brasil. Não liberar era como segurar o futuro a força. Mas não vejo aqui a discussão ainda nesse nível, porque, quando se fala de uso recreativo, os pensamentos são muito ideológico. Ainda existe uma resistência sobre isso, mas, aos poucos, as coisas estão andando.
JL - No âmbito legal, quais são os próximos desafios desse tema?
Monteiro - Quando começarem a fazer as exportações é que vamos ver como vai ser. Não adianta trazer um remédio que é uma alternativa, mas que o custo é inviável. Também vai gerar discussões sobre vantagens tributárias, isenções e o que vai se ter para poder trabalhar a viabilidade financeira. Lembrando que, a partir do momento que esse remédio é liberado, não é só o particular que vai ter dificuldade de comprá-los, mas eventualmente pessoas discutindo sobre ter o direito de esses remédios serem oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pode ter um crescimento da demanda por ações para fornecer esse remédio que pode chegar aqui com um preço caríssimo. Será preciso equilibrar a viabilidade em todos os sentidos.