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Publicada em 14 de Abril de 2025 às 19:11

Titica: o Maníaco do Cassino

Assassino em série tinha como alvo casais que se encontravam na praia

Assassino em série tinha como alvo casais que se encontravam na praia

Jornal Agora/Reprodução/JC
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Gabriel Margonar
Gabriel Margonar
Era um verão abafado em Rio Grande, na Zona Sul do Estado. Como tantos outros anos, a cidade litorânea se preparava para mais uma temporada de veraneio. No entanto, entre o fim de 1998 e o início de 1999, algo quebrou o ritmo habitual da estação. O calor parecia mais denso, o silêncio da noite mais perturbador. Aos poucos, o balneário foi tomado por um medo que crescia a cada semana, a cada novo crime.
Era um verão abafado em Rio Grande, na Zona Sul do Estado. Como tantos outros anos, a cidade litorânea se preparava para mais uma temporada de veraneio. No entanto, entre o fim de 1998 e o início de 1999, algo quebrou o ritmo habitual da estação. O calor parecia mais denso, o silêncio da noite mais perturbador. Aos poucos, o balneário foi tomado por um medo que crescia a cada semana, a cada novo crime.
Casais evitavam caminhadas à beira-mar. Jovens mudavam suas rotas para não atravessar áreas desertas. A cidade se encolhia diante de um nome que, em anonimato, começava a ganhar enorme repercussão: Paulo Sérgio Guimarães da Silva, o Titica. Mais tarde, seria conhecido em todo o País como o Maníaco do Cassino.
Na época, aos 29 anos, o ex-pescador, morador da 4a Secção da Barra, há poucos quilômetros da Praia do Cassino, transformou a maior costa do mundo em extensão territorial no seu território de caça. De dezembro de 1998 a março de 1999, ele cometeu sete assassinatos, um estupro e uma série de assaltos com requintes de crueldade. Sempre à espreita, escondido no breu em meio às dunas, abordava casais sob a mira de uma arma e os submetia a horas de tortura psicológica — até que o dia amanhecesse e ele puxasse o gatilho.
A sequência de ataques começou em 11 de dezembro. Felipe Santos, 19 anos, e Bárbara da Silva, 22, foram mortos a tiros. Três meses depois, o mesmo padrão se repetiria com Anamaria Xavier, 31, e Márcio Olinto, 30. Ainda em março, o casal Petrick de Almeida, 18, e Brenda Graebin, 14, foi atacado. Petrick morreu na hora. Brenda sobreviveu, mas ficou tetraplégica. Em depoimento, contou que fingiu estar morta após ser baleada na nuca — e assim escapou.
Na madrugada de 26 de março, o horror atingiria suas últimas vítimas. Silvio Ibias, 36, e Adriana Simões, 28, foram rendidos, agredidos e assassinados. Seus corpos foram encontrados ao lado do carro, os pertences revirados e, como nas outras vezes, nenhuma testemunha à vista.
Rio Grande, cidade marcada pela calmaria interiorana, mergulhara em pânico. "As pessoas tinham medo de sair de casa. Ninguém sabia quem seria o próximo", recorda o promotor Márcio Schlee Gomes, então do Ministério Público do Estado (MP-RS), responsável pelo caso. "Foi um período de terror real. Ele desafiava a polícia. Tinha mania de grandeza e queria ser maior que o Maníaco do Parque, que estava famoso em São Paulo", relembra.
Preso cerca de um mês após o último assassinato, Paulo Sérgio confessou à polícia parte dos crimes com frieza. Durante o julgamento, realizado em fevereiro de 2002, os jurados ouviram relatos estarrecedores, laudos psiquiátricos e o depoimento da sobrevivente Brenda. Outro elemento-chave no processo foi um homem que, até hoje, prefere manter o anonimato.
"Eu fui o primeiro sequestrado. Tinha 23 anos. Ele me manteve dentro do carro por 40 minutos. Das 11h20min à meia-noite. Eu não parei de falar. Falava qualquer coisa. Sentia que meus braços pesavam, mas segui falando. Acho que deixei ele confuso. Por algum motivo, ele me deixou viver. Mas depois, não poupou mais ninguém", contou à reportagem.
Ele só percebeu o que havia escapado tempos depois, quando começaram a aparecer notícias sobre os assassinatos. "Na época, não registrei ocorrência. Mas quando vi o segundo casal morto, entendi. Então procurei a polícia e colaborei com a investigação", comenta.
Ao fim de dois dias de júri, com sessões que atravessaram a madrugada, o veredito foi unânime: Titica foi condenado a mais de 170 anos de prisão pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) - a 8ª maior pena da história do Estado. Mas no Brasil, mesmo crimes hediondos têm limite de cumprimento de pena. Na época, esse teto era de 30 anos. Hoje é de 40 — mas não retroativo. Isso significa que, salvo novos processos ou incidentes graves, o assassino em série deve sair da prisão em 2032, quando terá 63 anos.
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A perspectiva de libertação assusta quem acompanhou o caso de perto. "É um risco real", afirma o promotor, hoje desembargador do TJ-RS. "O laudo psiquiátrico mostrava que ele voltaria a matar. O histórico e sua falta de arrependimento não deixa dúvidas disso". O diagnóstico clínico citado indicava transtorno de personalidade antissocial — condição sem cura, marcada por impulsividade, frieza emocional e ausência de empatia
Durante o julgamento, a defesa tentou negar os crimes, mesmo diante de provas balísticas, testemunhos e confissões. "Foi uma estratégia desesperada", diz Gomes. "Ele queria ser lembrado, causar impacto, e não fazia muita questão de esconder isso", conclui. Hoje, Titica cumpre pena na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Procurados, ele e seu advogado preferiram o silêncio.

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