Em 2024, o Brasil registrou um aumento expressivo no número de processos judiciais relacionados a erros médicos, com um crescimento de 506% em relação a 2023. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram movidas 74.358 ações, contra 12.268 no ano anterior. Os processos envolvem pedidos de indenização por danos morais e materiais associados à prestação de serviços de saúde, termo adotado pelo judiciário.
No sistema público de saúde, foram 10.881 ações por danos morais e 5.854 por danos materiais. Já nos serviços privados, os números são ainda mais expressivos, com 40.851 processos por danos morais e 16.772 por materiais. Em média, o Brasil registrou 203 ações judiciais por erro médico por dia em 2024.
A infração ocorre quando há falha na conduta do profissional de saúde, resultando em danos ao paciente. Isso pode ser causado por negligência, imprudência ou imperícia: a negligência refere-se à omissão ou descuido na execução do procedimento, enquanto a imprudência envolve a tomada de decisões sem a devida cautela. A imperícia, por sua vez, diz respeito à falta de conhecimento técnico adequado para a prática médica específica.
De acordo com a advogada Ariane Vilas Boas, especialista em defesa médica e membro da Comissão de Direito Médico da Ordem dos Advogados do Brasil Secção São Paulo (OAB-SP), o acesso à informação desempenha um papel crucial no aumento desses processos. "Os pacientes de hoje têm um perfil muito diferente de anos atrás. Com a internet e redes sociais, eles pesquisam mais e se identificam com possíveis casos de erro", afirma.
Além disso, a falta de preparo na comunicação entre médico e paciente tem sido um dos principais fatores que contribuem para o aumento das ações. Muitas condenações não decorrem necessariamente de erro técnico, mas da ausência de documentação que comprove que o paciente foi adequadamente informado sobre riscos, procedimentos e cuidados pós-operatórios. Quando não há registros claros e assinados pelo paciente, a Justiça tende a interpretar a situação em favor do reclamante, resultando em condenações.
Embora o Brasil tenha um histórico crescente de judicialização na saúde, essa não é uma tendência exclusiva do País. Nos EUA, por exemplo, o número de processos contra médicos é significativamente alto. No entanto, ao contrário daqui, onde as indenizações têm se tornado mais modestas devido ao grande volume de ações, por lá as condenações ainda costumam ser milionárias. Em países europeus, por sua vez, sistemas de mediação e acordos extrajudiciais são mais comuns, o que contribui para a redução do número de processos que chegam aos tribunais.
Já um fator que auxilia para a alta incidência de processos no setor privado em relação ao público é o nível de informação. "Muitas vezes, os usuários da rede privada têm maior acesso à educação e recursos para buscar seus direitos, enquanto na rede pública essa realidade é diferente", pontua Ariane. Além disso, hospitais privados costumam realizar procedimentos de maior complexidade, aumentando a exposição dos profissionais a eventuais reclamações.
Segundo a advogada, para minimizar os riscos de processos, médicos e hospitais devem adotar boas práticas, como manter um bom vínculo com os pacientes e documentar detalhadamente cada etapa do atendimento. A assinatura de termos de consentimento informado e o preenchimento adequado dos prontuários médicos são medidas essenciais para garantir segurança tanto para os profissionais quanto para os pacientes. Além disso, uma comunicação clara e transparente sobre possíveis riscos e complicações pode evitar muitas disputas judiciais.
Ela reforça que a relação médico-paciente baseada na confiança é fundamental. "Já vi casos em que houve um equívoco do profissional, mas, devido à boa relação estabelecida, o paciente continuou o tratamento com ele e preferiu não buscar a via judicial", relembra. Essa confiança pode ser construída por meio de explicações detalhadas sobre cada etapa do procedimento, o tempo de recuperação, possíveis intercorrências e os cuidados necessários após a alta.
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