O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) recebeu, no ano passado, 8.396 denúncias de irregularidades trabalhistas no Estado. Os temas com maior ocorrência foram relativos ao ambiente de trabalho, com 42% das denúncias, representando um aumento de 81% em casos relativos ao trabalho portuário e aquaviário, e 58% na administração pública.
Ao Jornal da Lei, a procuradora-chefe em exercício no órgão, Martha Diverio Kruse, explica como as enchentes de maio do ano passado tiveram relação com o aumento de notificações relacionadas a estas duas áreas.
Outro ponto também apontado é a sobrecarga da área devido às limitadas opções de escoamento de mercadorias. Ela relata, ainda, como o aumento de denúncias pode atestar uma diminuição de subnotificações, assim como um caminho para o aumento da visibilidade do órgão e, consequentemente, é um incentivo para novos denunciantes.
Jornal da Lei - Dados de 2024 e 2023 apresentaram números de denúncias semelhantes. Quais estratégias o MPT-RS utiliza para diminuí-las e quais os maiores desafios para garantia de direitos no Estado?
Martha Diverio Kruse - A diminuição no número de denúncias nem sempre reflete a diminuição de ocorrências, porque existe muita subnotificação. O mundo do trabalho é diferente do mundo penal e outras situações. Muitas pessoas preferem não denunciar, por medo de perder o emprego, e o fato de ter denúncias significa que está diminuindo a subnotificação. Toda vez que são noticiados, principalmente casos de maior repercussão, como trabalho em condições análogas à escravidão, as pessoas se sentem mais motivadas a fazer denúncias de situações que antes toleravam, porque elas veem que há uma resposta do Estado. A diminuição foi 1%. E pode ser atribuída até a enchente de maio. E além dessa abordagem com as denúncias, existem os procedimentos promocionais, que são preventivos, por meio de instauração de ofício por membros em uma abordagem mais preventiva e proativa, para verificar as situações em alguma cadeia de produção. E esses procedimentos promocionais tiveram um aumento de 38% de 2023 para 2024. Porque o MPT-RS não é como o Judiciário, ele não precisa esperar denúncias.
JL - Vocês possuem mapeamento dessas denúncias, acerca de como ocorre, se há sazonalidade e se partem de vizinhos ou dos próprios trabalhadores?
Martha - As únicas questões mais sazonais, em 2024, foram referentes a assédio eleitoral, em período mais próximo à eleição, e as questões relativas à preservação de direitos no cenário de crise durante a enchente, quando surgiram denúncias relativas a situações de fechamento de empresas alagadas, e de vigilância tendo que permanecer em locais sem água e sem luz, que era a realidade em Porto Alegre. Fora isso, em algumas culturas agrícolas há certa sazonalidade, mas as denúncias são feitas mais pelos empregados prejudicados. Pelos vizinhos é muito raro, às vezes acontece, por trabalho análogo à escravidão em situação doméstica.
JL - Houve um aumento expressivo no trabalho portuário e aquaviário. Como ocorreu esse processo e quais os motivos para isso?
Martha - Isso também se reflete no cenário de proatividade. Porque todos procedimentos promocionais, todas as diligências acarretam novas denúncias. Então tudo que começa com proatividade acaba atraindo, colocando em pauta o assunto e trazendo à tona essas denúncias. Então, como referiu o Rafael Pego, atual coordenador da coordenadoria de trabalho portuário, isso reflete a atenção que já vem sendo dada pelo MPT-RS há muitos anos neste setor. Claro que com a enchente e com as rodovias, acabou tendo mais sobrecarga de trabalho no porto, sendo algumas vezes a única alternativa para o escoamento da mercadoria. Isso sobrecarrega ainda mais o setor que já era sobrecarregado.
JL - E as enchentes chegaram a afetar as denúncias ou os balanços de notificações em algum ponto que não seja o trabalho portuário e aquaviário?
Martha - O número talvez tenha aumentado um pouco, mas houve uma mudança nos assuntos que seriam inimagináveis, como transporte irregular de barco em Porto Alegre, porque as empresas estavam levando os trabalhadores sem colete. A gente jamais imaginava, morando em Porto Alegre, que teríamos que lidar com a questão de trabalhadores dentro da Zona Norte da Capital sendo transportados de barco no meio da água da enchente, porque não imaginávamos que haveria uma enchente. Então teve essa mudança de perfil e, nesse ponto, o MPT teve uma reação rápida, proativa também. A gente instaurou o Grupo de Trabalho de Desastres Climáticos, que fez, à época, duas recomendações para as empresas de como seria a melhor forma de lidar com aquilo, mantendo o máximo dos direitos trabalhistas possíveis.