A reforma do Código Civil brasileiro, tema em pauta no Senado Federal desde o início deste ano, tem mobilizado juristas, legisladores e representantes do setor empresarial devido aos impactos significativos que pode trazer. De um lado, reconhece-se a necessidade de modernização do texto, que regula aspectos essenciais da vida em sociedade e precisa se alinhar às demandas do século XXI; de outro, emergem críticas sobre a coerência das propostas, que podem alterar significativamente as bases do Direito Empresarial no País.
A trajetória da reforma remonta aos anos 1970, quando foi formada uma comissão para revisar o código então vigente - um esforço que culminou na promulgação do Código Civil de 2002. Apesar das inovações introduzidas à época, sucessivas tentativas de corrigir pontos controversos e preencher lacunas deixaram muitas questões sem solução definitiva. Tudo isso resultou no atual anteprojeto, que ainda não foi formalizado como projeto de lei. Esse tema foi centro de debates no último Meeting Jurídico da Federasul em 2024. O evento reuniu os professores Rafael Dresch e Bruno Miragem, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), reconhecidos especialistas em Direito Empresarial e Arbitral.
É preciso cuidado para que os custos não superem as vantagens
Abrindo o painel, Miragem, que também é presidente da comissão da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS) dedicada à reforma, destacou o caráter transformador e a complexidade do anteprojeto. Segundo ele, adaptar o Código às demandas contemporâneas é essencial, mas é necessário equilíbrio para que os custos de adequação não superem os benefícios.
Um ponto de grande divergência, segundo o docente, é a separação dos contratos empresariais dos contratos civis e de consumo. "Isso pode resolver ambiguidades, é verdade. Entretanto, a introdução de princípios gerais, como a valorização do capital humano e a liberdade de organização, pode suscitar interpretações divergentes e aumentar a possibilidade de litígios", destaca.
Entre as mudanças destacadas, Miragem chamou atenção para as alterações no regime de responsabilidade civil, que ampliam os critérios para indenização. "Hoje, ela se mede pela extensão do dano. Com o novo texto, em algumas situações, seria exigido do causador do dano também o valor que ele ganhou ao cometer o ato lesivo", explica.
Além disso, ele apontou maior clareza para contratos de distribuição comercial, que antes eram confundidos com regras de agência e representação. Apesar dos avanços, Miragem enfatizou a necessidade de garantir segurança jurídica para que a mudança seja efetiva.
"A reforma do Código Civil traz promessas e desafios. Enquanto busca modernizar institutos jurídicos, também pode gerar inseguranças ao introduzir conceitos amplos e sujeitos a interpretações divergentes. As empresas devem acompanhar de perto as discussões, especialmente no que tange a contratos e responsabilidade civil, para se prepararem para os reflexos das futuras mudanças legislativas", conclui.
Contradições causam insegurança jurídica
Em sua fala, Dresch fez questão de frisar que o anteprojeto do novo Código Civil está em fase preliminar e será submetido à votação ponto a ponto, o que deve ampliar as discussões sobre seus aspectos e proporcionar uma solução "boa para todos". Ao mesmo tempo, contudo, ele afirmou lamentar o contexto político e jurídico que cerca o texto.
"Enquanto há uma força política que impulsiona sua aprovação, também existem movimentos críticos muito fortes. Esse cenário reflete a confusão recorrente entre política e Direito no Brasil. Muitas vezes, legislações são aprovadas no Parlamento com base em visões políticas e, posteriormente, questionadas no Judiciário. Essas contradições tocam naquilo que é muito importante, que é a insegurança jurídica", disse.
Entre as propostas, Dresch destacou a substituição do termo "empresário" por "empresa" no artigo 968, que reflete uma mudança de abordagem no Direito Empresarial, reconhecendo a centralidade da atividade econômica organizada em vez de focar exclusivamente na figura do indivíduo ou entidade jurídica que a conduz. Porém, embora veja a mudança como reflexo da evolução econômica, o docente alerta para a necessidade de cautela na implementação.
Outro ponto relevante é a simplificação de procedimentos empresariais, como convocações por e-mail e deliberações on-line, que podem trazer agilidade ao ambiente corporativo. Dresch também comentou sobre a desconsideração da personalidade jurídica, apontando melhorias para limitar incertezas. "A nova abordagem busca reforçar princípios fundamentais e reduzir situações que prejudiquem a autonomia patrimonial das empresas", conclui.