Entre janeiro e outubro deste ano, o número de processos trabalhistas por assédio no Rio Grande do Sul ultrapassou 3,6 mil, de acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4). Esses casos representam cerca de 94% do total de ações deste tipo registradas em 2023, já superam os dados de 2022 e indicam uma tendência de aumento nas reclamações relacionadas ao tema.
As denúncias por assédio moral, que incluem pressão excessiva, xingamentos e difamação, são maioria, com 3.336 reclamações até o momento. Em relação à importunação sexual, 326 trabalhadores, maioria do sexo feminino, prestaram queixa ao Judiciário gaúcho em 2024 - no Brasil, segundo o Monitor do Trabalho Decente, 72,1% das ações desse tipo julgadas desde 2020 foram ajuizadas por mulheres.
O tema foi centro de discussões no último Meeting Jurídico da Federasul. O evento trouxe como debatedoras a coordenadora da Comissão de Assuntos Trabalhistas da Divisão Jurídica da entidade, Adriana Schnorr, a juíza do Trabalho e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Indiana (EUA), Aline Fagundes, e a diretora de Integridade da Corsan/Aegea, Carine Bastos Oro.
Um ponto comum nas falas das palestrantes foi a ideia de que o crescente número de denúncias de assédio não reflete necessariamente uma alta na ocorrência desses casos, mas sim uma maior conscientização sobre os direitos dos trabalhadores. Adriana Schnorr, ao abrir o painel de apresentações, explicou que a mudança está ligada ao fortalecimento da sensação de segurança para que as vítimas possam reivindicar seus direitos e trazer à tona situações que, por muito tempo, foram ignoradas.
"A percepção de um ambiente mais seguro para denúncias faz com que casos antigos sejam revelados, até em maior quantidade do que antes", observou. A representante da Federasul ressaltou que o assédio cria ambientes de trabalho hostis, capazes de afetar tanto a vida pessoal quanto a profissional das vítimas, impactando a produtividade e, consequentemente, a própria saúde dos trabalhadores. Para ela, essa é uma situação prejudicial até para as empresas, que podem ver suas atividades afetadas em razão de um ambiente tóxico.
Ela destacou, ainda, a importância dos programas de compliance para prevenir e lidar com denúncias internas. "Além de manter um ambiente saudável, é fundamental que a empresa ofereça um canal de denúncia para que as pessoas possam relatar episódios de assédio", pontuou.
Produção de provas é o principal dificultador
A juíza do Trabalho, Aline Fagundes, acrescentou que, embora os juízes trabalhem apenas com uma pequena parcela dos casos - aqueles que chegam aos tribunais -, essa amostragem já revela a complexidade da questão. Para ela, o principal desafio nesses processos é a produção de provas, especialmente porque o assédio costuma ocorrer de maneira discreta e sem testemunhas, tornando difícil a comprovação.
Aline explicou que, por essa razão, o uso de tecnologias, como câmeras e aplicativos de bate-papo, tem sido fundamental para a obtenção de evidências. “Hoje temos mais registros porque esses ambientes mais informais, como aplicativos de mensagens, acabam deflagrando muitos casos”, comentou. Ela ainda enfatizou que o assédio moral, por ser mais recorrente e menos secreto, geralmente oferece mais evidências do que o assédio sexual.
A magistrada observou ainda que as denúncias costumam ocorrer com mais frequência após o rompimento dos contratos de trabalho, momento em que os trabalhadores se sentem mais seguros para formalizar as acusações. No entanto, chamou a atenção para o risco da chamada "vitimização secundária", um fenômeno que ocorre quando as vítimas enfrentam dificuldades adicionais no processo judicial, sentindo-se ignoradas ou desacreditadas. "Muitas vezes, elas só querem ser ouvidas", afirmou a juíza.
Por sua vez, a diretora de Integridade da Corsan/Aegea, Carine Bastos Oro, enfatizou que o assédio é uma questão cultural enraizada no Brasil e que as empresas têm investido na criação de programas de integridade para adaptar-se às mudanças nas relações de trabalho. "As empresas estão preocupadas e trabalham de forma preventiva ao investir em ambientes de trabalho seguros", afirmou, frisando que os programas de integridade são essenciais para a proteção dos funcionários.
Carine alertou para a importância da educação como um dos caminhos para combater o problema. "Precisamos analisar se as pessoas não podem ser educadas também, conscientizadas sobre o que é assédio", sugeriu, destacando que o foco das empresas deve incluir a capacitação coletiva para evitar situações de abuso.