O número de empresas, maioria de grande porte, que recorreram à recuperação extrajudicial no Brasil atingiu um crescimento recorde em 2024, com um aumento de 376% no volume de dívidas negociadas, de acordo com o Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre). Esse mecanismo, que possibilita a negociação direta entre credores e devedores, sem a necessidade de intervenção judicial, tem atraído cada vez mais corporações, permitindo soluções mais rápidas e menos burocráticas para reestruturação financeira.
Nesta entrevista ao Jornal da Lei, a advogada e coordenadora do Obre, Juliana Biolchi, explica entre outras coisas, como funciona esse tipo de reestruturação e quais as principais razões para um aumento recente no volume de ações desse tipo.
JL - Qual a diferença entre a recuperação judicial e a extrajudicial na prática?
Juliana Biolchi - A recuperação judicial, que é maioria, acontece totalmente dentro do Poder Judiciário. Nesse caso, você ajuíza o pedido e entra em negociação com os credores e esse processo serve para proteger a empresa contra bloqueios e penhoras. Já a recuperação extrajudicial é diferente: a negociação com os credores ocorre antes de ir ao Judiciário. Você fecha o acordo com a maioria deles e, quando chega ao Judiciário, o juiz apenas homologa o que já foi negociado. De modo geral, a recuperação judicial é mais indicada quando a crise é mais grave e a empresa já perdeu a capacidade de negociar.
JL - E como a senhora enxerga a recuperação extrajudicial? Mesmo sendo menos conhecida, ela apresenta vantagens em relação à judicial?
Juliana - Tenho uma visão muito positiva, com base em experiências práticas e estudos. Ela foi introduzida junto com a recuperação judicial em 2005, mas inicialmente foi mal compreendida e pouco usada. Nos últimos anos, porém, tem crescido bastante em popularidade, tanto entre empresas quanto entre profissionais. Entre as principais vantagens estão o menor desgaste reputacional, já que não há uma inclusão do estado de recuperação no nome empresarial, e a rapidez do processo, que pode ser homologado em dias, como foi o caso da Casas Bahia, em apenas 52 dias. A recuperação extrajudicial, quando corretamente aplicada, proporciona menos estresse e uma ação mais "cirúrgica".
JL - Por que esse tipo de ação está em alta ultimamente?
Juliana - Há várias razões. Primeiro, as vantagens que mencionei. Outro fator importante foi a reforma de 2020 (Lei 14.122/20), que deixou a recuperação extrajudicial mais robusta, permitindo, por exemplo, a inclusão de créditos trabalhistas, o que antes não era possível. Além disso, o impacto negativo da recuperação judicial das Lojas Americanas trouxe desconfiança sobre esse modelo. Isso tudo gerou uma mudança cultural, digamos assim, e fez com que mais empresas entendessem e adotassem o modelo extrajudicial.
JL - Qual é o cenário ideal para uma empresa optar pela recuperação extrajudicial?
Juliana - Um exemplo é o que viveu a Casas Bahia, que tinha uma dívida de aproximadamente R$ 4,2 bilhões. A empresa negociou com alguns credores, alcançando um plano de pagamento que foi posteriormente homologado pelo Judiciário - isso forçou àqueles que não concordaram a aceitar os termos aprovados pela maioria. A recuperação extrajudicial, portanto, é adequada quando a empresa enfrenta uma crise, como essa, que pode ser resolvida com uma intervenção pontual, focando apenas na reestruturação da dívida financeira, por exemplo.
JL - Como esse modelo de renegociação de dívidas pode auxiliar as empresas que sofreram grandes perdas financeiras durante as enchentes de maio no Rio Grande do Sul?
Juliana - Acredito que a recuperação extrajudicial pode ser uma boa alternativa dessas empresas, mas dependendo do caso concreto. Existem negócios que não têm mais como se recuperar e outros que a dívida é tão profunda que se aconselha mais a recuperação judicial. Porém, para aqueles que ainda são viáveis, o cenário é favorável. Como o mercado está inclinado a ajudar o empreendedor gaúcho, a recuperação extrajudicial permite negociar com credores, alongar dívidas e obter um período de carência. Isso cria uma ponte para o futuro, dando fôlego financeiro momentâneo sem o desgaste de uma recuperação judicial.
JL - E, de maneira geral, qual é o volume de ações de recuperação extrajudicial historicamente no Estado?
Juliana - Atualmente, o volume de ações desse tipo é bastante baixo, com apenas 12 casos desde a promulgação da Lei de Falências, em 2005. Estamos atrás de São Paulo, com 82, e do Rio de Janeiro, com 26 casos. Isso se deve, principalmente, ao fato de que muitos profissionais e escritórios de advocacia gaúchos estão mais familiarizados com a recuperação judicial e acabam optando sempre por esse modelo. É importante que vejam logo esse instrumento potente, que por vezes é ignorado.