Poucos tópicos importam e impactam tanto na economia brasileira quanto à Reforma Tributária. Debatida desde os anos 1990, a pauta também é uma das mais divisivas na área, sendo vista com bons ou maus olhos, a depender do ponto de análise. Para o professor Humberto Ávila, titular de Direito Tributário na Universidade de São Paulo (USP), a proposta é preocupante na medida em que concentra poder demais nas mãos da União e reduz a autonomia dos estados e municípios.
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"Se eu tivesse que resumir tudo o que estudei sobre este tema, diria que é uma proposta de mudança de poder: concentração enorme na União e enfraquecimento substancial dos entes federados. Ainda, se objetiva uma concentração de recursos para que eles possam ser repassados depois e a criação de uma estrutura gigantesca para que se administre o imposto de serviços", explicou o convidado do Meeting Jurídico da Federasul da última semana.
A pauta voltou à tona no final do último ano, quando aprovada pelo Congresso Nacional. O período de transição da Reforma Tributária terá início em 2026 e a mudança está prevista para valer integralmente a partir de 2033. No entanto, seus Projetos de Lei Complementares (PLP) - 68/2024 e 108/2024 - seguem sendo debatidos. O primeiro deles, atualmente, está em tramitação no Senado Federal e foi o principal alvo das críticas do especialista.
Para o professor, existe "uma discrepância alarmante entre o que está sendo publicamente divulgado e o conteúdo real dos artigos". Conforme enxerga, há falta de transparência nos processos legislativos, os quais têm se mostrado, por vezes, complexos e incoerentes.
"Estamos lidando com a criação de ficções jurídicas que violam à Constituição. Precisamos entender que o poder de regular tem limites claros. Esses projetos não podem simplesmente contrariar a ordem constitucional", afirmou.
Na interpretação do magistrado, os textos dos PLC também não são claros em relação à diferença entre bens e serviços, além de serem mal formulados quanto à tributação de produtos. O ponto de maior discordância para Ávila, no entanto, está na manutenção dos impostos existentes juntamente com a criação de um novo tributo que incidirá sobre todos os outros, ampliando ainda mais a base de cobrança.
"O que está sendo proposto é um imposto que incide sobre tudo, e isso é extremamente preocupante. A reforma, nos moldes em que está sendo proposta, não apenas irá ampliar a base tributária, mas também irá aumentar o número de contribuintes e, consequentemente, os valores a serem pagos. O resultado será uma carga tributária significativamente maior para o consumidor final", concluiu.
De acordo com o Ministério da Fazenda, porém, a Reforma Tributária "é essencial para que a economia brasileira cresça de forma sustentável, gerando emprego e renda". Conforme projeções da União, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil crescerá de 12% a 20% a mais, em 15 anos, do que cresceria sem as mudanças. Além disso, de 7 a 12 milhões de empregos deverão ser criados neste mesmo período como resultado da implementação da reforma.
O que muda com a Reforma Tributária
- Substituição de cinco tributos (PIS, Confins, IPI, ICMS e ISS) por um IVA (imposto sobre Valor Agregado) Dual de padrão internacional, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal;
- Criação de um Imposto Seletivo com caráter regulatório, que visa desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente;
- Mantém a carga tributária total sobre o consumo;
- Adota alíquotas zero ou reduzidas para determinados bens e serviços, como:
- Cesta básica;
- Insumos e produção rurais;
- Medicamentos;
- Produtos de higiene e limpeza;
- Serviços de educação, transporte, atividades culturais e desportivas, entre outros.
O que propõe o PLP 68/2024
- Obrigação de envio, em 2031, pelo Poder Executivo, de um novo Projeto de Lei Complementar para reduzir os benefícios de alíquota reduzida, caso a projeção de alíquota de referência do IVA ao final da transição seja superior a 26,5%;
- Ampliação da lista de produtos com alíquota zero;
- Expansão do cashback
- (mecanismo de devolução de impostos) para devolver os impostos pagos sobre o consumo às famílias de renda mais baixa;
- Inclusão de novos itens na Cesta Básica Nacional de Alimentos, que serão totalmente desonerados:
- Carnes;
- Queijos;
- Peixes;
- Sal.