Após a tragédia climática, um dos problemas emergentes no Rio Grande do Sul foi o alto impacto financeiro sofrido pelas empresas e os consequentes desafios econômicos gerados para o Estado, resultados de um cenário em que as perdas ocasionadas pelos alagamentos se somaram a dívidas pré-existentes. Neste contexto, a pesquisadora e economista Luciana Yeung enxerga na redução da judicialização trabalhista uma solução viável para aliviar a pressão sobre a economia gaúcha.
Conforme dados apresentados por ela, a economia do RS é especialmente afetada pelo sistema judiciário, de forma superior a outros estados brasileiros. Um exemplo desses impactos estaria na Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que provisiona cerca de R$ 157,2 mil por funcionário, quase o dobro do valor reservado pela Sanepar, a segunda empresa que mais gasta no setor no País (R$ 80,1 mil).
Além disso, entre 2019 e 2023, a Corsan desembolsou R$ 1,28 bilhão em condenações trabalhistas, recursos que poderiam ter sido usados, segundo a pesquisadora, para atender 202 mil domicílios com esgotamento sanitário ou realizar 226,6 mil novas ligações de água.
Nesta entrevista ao Jornal da Lei, Luciana comenta sobre seu estudo e detalha as mudanças necessárias para a retomada da economia gaúcha.
Jornal da Lei - De que modo as decisões do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul se diferenciam das de outros tribunais brasileiros?
Luciana Yeung - O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) é um caso atípico no País, existindo um histórico de muitas decisões que fogem à tendência da média nacional. Tenho analisado e apresentado casos que envolvem o número de litígios e ações trabalhistas no Rio Grande do Sul, especialmente em empresas dos setores farmacêutico e de saneamento, e, ao comparar esses dados com os de empresas e tribunais de outras regiões do País, chama a atenção o alto volume de processos, os elevados valores das condenações e a concentração de casos em poucos escritórios de advocacia.
JL - Quem é o responsável por este problema?
Luciana - Quando lidamos com um problema tão complexo como este, não há um único culpado ou responsável, mas vários fatores. Cito o Judiciário, que implementou regras muito flexíveis, permitindo um acesso mais fácil aos tribunais; as próprias empresas e a população, que exercem, por vezes, uma dinâmica abusiva com a Justiça; e, claro, o mercado da advocacia, intermediador e dono de um papel crucial dentro deste sistema. É uma ampla estrutura que foi construída no Rio Grande do Sul.
JL - E qual o impacto disto nas empresas e na economia gaúcha?
Luciana - Vou usar a Corsan como exemplo, mas casos semelhantes se repetem por todo o Estado. Sendo uma empresa de saneamento, espera-se que ela invista em soluções para o tratamento de esgoto e o abastecimento de água. No entanto, nos últimos cinco anos, a Companhia destinou mais de R$ 1 bilhão para pagar condenações trabalhistas. O problema é que toda empresa tem planejamento e limite orçamentário e, ao deslocar uma quantia tão significativa para questões judiciais, sua capacidade de atuação é prejudicada. Para se ter uma ideia, a cada ação trabalhista paga pela Corsan, com um valor médio de R$ 65 mil, poderiam ser atendidas onze famílias com sistemas de saneamento.
JL - Qual seria a importância de uma mudança de cenário neste momento de recuperação do Rio Grande do Sul após as enchentes?
Luciana - Seria fundamental. Várias empresas poderiam assumir um papel de protagonismo na reconstrução gaúcha, mas em nenhum momento as ações trabalhistas pararam. Com a necessidade de provisionar grandes quantias, pagar condenações e estar constantemente envolvidas em disputas judiciais, esses negócios acabam tendo que reduzir o orçamento que poderia ser destinado a auxiliar o Rio Grande do Sul. É como o que acontece nas finanças domésticas: para gastar em uma área, você precisa abrir mão de outra.
JL - E como reverter este quadro?
Luciana - Em termos gerais, a primeira medida seria tornar as regras do Judiciário mais rigorosas para a entrada de ações trabalhistas. É necessário acabar com a possibilidade de apresentar qualquer recurso a todo momento. As empresas, por sua vez, deveriam adotar métodos alternativos de resolução de conflitos, como mediação e conciliação, evitando assim a judicialização sempre que possível. Além disso, outra solução para combater a litigância predatória, é mostrar aos escritórios de advocacia que esse comportamento não será tolerado, uma vez que eles desempenham um papel significativo nesse problema, muitas vezes mais do que as próprias pessoas e empresas.