As enchentes históricas que assolaram o Rio Grande do Sul em maio deixaram marcas profundas nas empresas e na economia do Estado. Somente em Porto Alegre, a título de exemplo, calcula-se que mais de 45 mil CNPJs tenham sido diretamente afetados pela inundação, o que representa 17% dos negócios e 35% da força de trabalho da cidade. As consequências são severas: dificuldades para pagamento de salários, demissão em massa e risco de falência para muitos empresários.
Alternativas para solucionar esta crise foram debatidas pelo desembargador Ney Wiedemann Neto e pelo administrador judicial Luis Guarda na segunda edição presencial do Meeting Jurídico, da Federasul, desde a tragédia ambiental.
“É preciso um olhar especial na renegociação de dívidas entre empresas gaúchas”
Conduzido por esta frase, Ney Wiedemann Neto abriu o painel de apresentações, reforçando a importância de um olhar empático e de um diálogo mais aberto e flexível entre os empresários impactados pelo evento climático. Conforme explica, antes da enchente, as entidades gaúchas operavam em um cenário natural de competitividade que, agora, precisa ser revisto temporariamente.
Ainda, o desembargador considera crucial que se adote uma postura diferente - mais firme - nas negociações com empresas de outros estados do Brasil.
“Uma parcela significativa dos negócios gaúchos foi impactada e todos eles enfrentam desafios similares. A capacidade de negociação está comprometida, já que muitas são credoras umas das outras. Portanto, é essencial que, ao discutir a revisão das dívidas, essa realidade seja considerada. A abordagem deve ser diferente daquela utilizada com credores de fora do Rio Grande do Sul, por exemplo, já que eles não enfrentam, nem de perto, as mesmas dificuldades financeiras”, disse.
Wiedemann Neto enxerga esse trabalho colaborativo como algo crucial neste momento para evitar que, num futuro próximo, as empresas se encontrem em situação de profundo endividamento, necessitando de auxílio financeiro e, consequentemente, perdendo controle e patrimônio.
Além disso, ele encerrou sua fala ressaltando a importância das varas regionais especializadas em questões empresariais, organizadas pelo Judiciário gaúcho. Segundo o jurista, elas têm proporcionado maior segurança e agilidade na tramitação de ações relacionadas a empresas em crise.
“A autofalência, apesar de parecer um fim, pode representar um novo começo”
Na segunda palestra do evento, o administrador judicial Luis Guarda conduziu sua fala dando ênfase ao aumento significativo nos pedidos de falência e recuperação judicial no último ano, prevendo que as consequências das enchentes devam se intensificar em 2025 e agravar ainda mais esses números. Ele também destacou que o decreto de autofalência pode ser uma solução viável para empresas em situação de emergência, mas enfatizou que essa decisão deve ser cuidadosamente avaliada para garantir que seja, de fato, a melhor alternativa.
Em essência, o ato consiste no reconhecimento, pelo próprio empresário, de que a continuidade do negócio se tornou inviável, dado que ele não conseguirá cumprir com suas obrigações financeiras. Para isso, é submetido um pedido judicial, no qual são expostas as razões que impossibilitam o prosseguimento das atividades e apresentados os documentos exigidos por lei.
Uma das principais vantagens desse procedimento, conforme destacado, é a centralização dos credores em um único processo, assegurando que os débitos da empresa falida sejam pagos conforme a ordem estabelecida pela legislação. Além disso, a medida oferece uma dissolução formal do negócio, em conformidade com a lei, evitando que os sócios sejam diretamente responsabilizados pelas dívidas.
Guarda também ressaltou que, após a declaração de falência, o sistema de "fresh start", implementado pela Nova Lei de Recuperações e Falências (Nº 14.112/2020), oferece ao empresário a chance de um retorno mais rápido às suas atividades profissionais. Esse mecanismo permite a extinção das obrigações do falido após três anos da decretação da falência, possibilitando que o empresário solicite sua reabilitação e retorne ao mercado de forma mais ágil.
"Trata-se de uma segunda chance para o empresário recomeçar sua vida profissional, sem estar atrelado às dívidas antigas. Após a liquidação dos ativos e o pagamento, na medida do possível, dos credores, ele pode se livrar dos débitos remanescentes e retomar sua atividade econômica de forma relativamente rápida e sem as amarras do passado", explica.
Já entre os aspectos negativos da autofalência, destacam-se os custos adicionais com honorários, o risco de condenação por crime falimentar e a estigmatização dos profissionais envolvidos.