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Publicada em 22 de Julho de 2024 às 20:10

Descriminalização da maconha gera divergências entre advogados criminalistas

Limite de 40 gramas passa a ser utilizado para diferenciar traficante e usuário

Limite de 40 gramas passa a ser utilizado para diferenciar traficante e usuário

EITAN ABRAMOVICH/AFP/JC
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Gabriel Margonar
Gabriel Margonar Repórter
Após nove anos de intensos debates e sucessivos adiamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no final de junho, descriminalizar o porte da maconha para uso pessoal, fixando o limite de 40 gramas como distinção entre o usuário e o traficante. Na ocasião, a maioria do colegiado entendeu que quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo esta quantidade da droga não está cometendo crime e, portanto, não deve sofrer consequências penais. Desse modo, fica afastado, por exemplo, o registro na ficha de antecedentes criminais do usuário.
Após nove anos de intensos debates e sucessivos adiamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no final de junho, descriminalizar o porte da maconha para uso pessoal, fixando o limite de 40 gramas como distinção entre o usuário e o traficante. Na ocasião, a maioria do colegiado entendeu que quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo esta quantidade da droga não está cometendo crime e, portanto, não deve sofrer consequências penais. Desse modo, fica afastado, por exemplo, o registro na ficha de antecedentes criminais do usuário.
O Jornal da Lei procurou especialistas - favoráveis e contrários à medida - para entender um pouco mais sobre quais impactos esta decisão deve ter em curto e longo prazo na vida dos brasileiros.

'Decisão pode incentivar o consumo da droga'

De acordo com o advogado criminalista Rafael Paiva, seu primeiro ponto de contrariedade é empírico, baseando-se em experiências as quais considera negativas em outros países, como os Estados Unidos. Para ele, a liberação das drogas não costuma gerar retorno positivo para a sociedade.
"Já vimos outros casos em que não houve diminuição no tráfico e nem no consumo dessas substâncias. Pelo contrário, essas flexibilizações costumam funcionar quase como um incentivo para que se use mais. Talvez medidas assim até possam apresentar algo positivo, de forma excepcional, em países pequenos e com outras culturas, como a Holanda, mas no nosso caso, está longe de fazer algum sentido", pontua.
Além disso, o advogado acredita que, da forma como ficou acordado, as legislações tornaram-se mais confusas, sem limitações claras e abertas a diferentes pontos de vista.
"O que o STF fez foi autorizar o uso pessoal, mas, para isso, as pessoas precisam continuar comprando do traficante e sabemos que existe um rastro de sangue gigantesco nessa linha de produção. Então, acredito que, ou devemos assumir os riscos de uma eventual legalização, definindo quem pode vender, quem pode comprar e aonde deve ocorrer esse comércio ou então que se criminalize de vez, que é o ideal. Mas qualquer coisa é melhor do que esse meio- termo", afirma.
Paiva também acende o alerta para um possível aumento na dificuldade do trabalho policial a partir da mudança. Isso porque se uma pessoa estiver portando uma quantidade baixa de maconha, ela não estará cometendo crime e, portanto, não poderia ser lavada à delegacia. Segundo o especialista, isso se tornaria complexo na medida em que nenhum profissional "trabalha com uma balança" para fazer essa diferenciação na hora da apreensão.
Agora, ele torce para que nos próximos meses haja uma reversão da medida por parte do Congresso Nacional. Até porque, acredita que foi inconstitucional a decisão do STF.

'Estado não deve intervir em decisões singulares'

Na contramão de Paiva, a advogada Mariana German enxerga esta medida como um avanço, principalmente, no espectro de reconhecimento dos direitos individuais da população. Segundo ela, é inconstitucional que o Estado criminalize decisões singulares.
"A posse da maconha diz respeito somente a quem está consumindo. O usuário tem o direito à intimidade, privacidade e o que ele faz dentro desse âmbito, sem lesionar terceiros. Não pode ser criminalizado. São liberdades garantidas pela própria Constituição e é essencial que o STF comece a enxergar por esse viés", celebra.
Poderia ser melhor
Mesmo favorável, a especialista espera que as medidas não parem por aí e que se continue debatendo sobre a forma como a sociedade atual lida com o tema das drogas. Mariana cita que projetos sobre educação e cuidado com os usuários (de todos tipos de droga), além de formas de reduzir os danos são medidas muito mais efetivas do que a própria criminalização.
"Só assim iremos resolver nossos problemas. Estamos há 100 anos agindo dessa forma punitiva e isso nunca gerou resultados. O consumo de drogas só aumenta a cada ano. É importante que, a partir desta decisão, a sociedade perceba que existem outras formas de lidar com esta questão", detalha.
Nesse sentido, a advogada também prevê, com a intensificação deste debate, uma diminuição no encarceramento e no genocídio de populações mais vulneráveis e em um menor controle social com base na violência policial em regiões periféricas do Brasil. Todos estes itens surgiriam, segundo ela, graças à política atual de guerra às drogas.

Principais pontos da descriminalização:

1. Permanece proibido fumar a droga em local público, mas as consequências passam a ter natureza administrativa e não criminal;
2. Prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo;
3. Registro de antecedentes criminais não poderá ser avaliado contra os portadores;
4. Fixação de 40 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis como a quantidade de maconha para caracterizar porte para uso pessoal e diferenciar usuários e traficantes;
5. É proibida a prisão em flagrante no caso de usuário da droga;
6. A maconha segue criminalizada e, portanto, o usuário segue sendo alvo de inquérito policial e processos judiciais que busquem o cumprimento das penas alternativas.
7. Não abrange outras substâncias.

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