{{channel}}
Feriado nacional em 20 de novembro é vitória do movimento negro, diz Côrtes
Lei nacional que institui Dia da Consciência Negra nasceu da iniciativa de um grupo de jovens em Porto Alegre
Por Cláudio Isaías
O advogado Antônio Carlos Côrtes, 75 anos, foi um dos fundadores do Grupo Palmares em Porto Alegre em 1971. Côrtes fazia parte do grupo de jovens – ele, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva, Jorge Antônio dos Santos e Luiz Paulo Assis Santos – que a partir de discussões sobre o legado de Zumbi dos Palmares e de heróis nacionais negros, foi responsável por questionar a data e sugerir uma nova abordagem sobre a consciência negra.
Continue sua leitura, escolha seu plano agora!
Já é assinante? Faça login
O advogado Antônio Carlos Côrtes, 75 anos, foi um dos fundadores do Grupo Palmares em Porto Alegre em 1971. Côrtes fazia parte do grupo de jovens – ele, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva, Jorge Antônio dos Santos e Luiz Paulo Assis Santos – que a partir de discussões sobre o legado de Zumbi dos Palmares e de heróis nacionais negros, foi responsável por questionar a data e sugerir uma nova abordagem sobre a consciência negra.
Na época, o 13 de maio da Abolição da Escravatura era o dia celebrado, pois foi a data quando a Princesa Isabel assinou a lei Áurea em 1888. Mas o grupo sugeriu que fosse lembrada a figura de Zumbi dos Palmares, líder que se insurgiu contra os negros serem escravizados. Assim, destacaram o 20 de novembro, data da morte de Zumbi. Gradativamente, a ideia foi abraçada pelo movimento negro no Brasil, até se tornar também o Dia da Consicência Negra.
Anos depois, diversos municípios, capitais e estados instituíram a data como feriado, para celebrar o herói negro e dedicar a data à consciência negra. São seis estados – Mato Grosso, Rio de Janeiro, Alagoas, Amazonas, Amapá e São Paulo – e mais de 1,2 mil cidades onde a data é feriado. Depois de leis municipais e estaduais, agora, com a aprovação de projeto de lei pelo Congresso Nacional e a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o 20 de novembro passa a ser feriado nacional a partir deste ano de 2024.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Côrtes diz que a medida é, também, um reconhecimento ao trabalho do Grupo Palmares. Integrante do Comissão Especial de Cultura e Arte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado lembra como a discussão do Grupo Palmares começou e analisa formas de combater o racismo. "O 20 de Novembro como feriado nacional é uma vitória do movimento negro", conclui.
Jornal do Comércio – Qual é a importância da sanção do projeto de lei que declara o Dia da Consciência Negra como feriado em todo o Brasil?
Antônio Carlos Côrtes – O feriado do Dia da Consciência Negra é um reconhecimento do trabalho do Grupo Palmares. Aquela semente plantada em 1971 aqui em Porto Alegre germina e dá esse fruto para o negro brasileiro. O 20 de Novembro como feriado nacional é uma vitória do movimento negro em nível nacional, porque abraça todos os movimentos que ocorreram no Brasil desde 1888 – ano da Abolição da Escravatura. A Câmara dos Deputados aprovou no dia 29 de novembro (de 2023) o projeto de lei que torna o Dia da Consciência Negra feriado nacional. Dedico a sanção do projeto pelo presidente Lula ao Ilmo da Silva, Vilmar Nunes e Oliveira Silveira (todos falecidos), ao Luiz Paulo Assis Santos (que vive em Porto Alegre) e ao Jorge Antônio dos Santos (que mora em Salvador, na Bahia).
JC – Como surgiu o Grupo Palmares? Quando vocês começaram a falar em Dia da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares?
JC – Como surgiu o Grupo Palmares? Quando vocês começaram a falar em Dia da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares?
Côrtes – O Grupo Palmares surgiu na época da ditadura militar no Brasil. Eu e o Oliveira Silveira fomos chamados na Polícia Federal para explicar o que era o Grupo Palmares – houve uma ligação por parte das autoridades policiais com o VAR Palmares (grupo militante contra a ditadura). A fotógrafa Irene Santos fez a foto da primeira reunião dos integrantes do Grupo Palmares no Clube Náutico Marcílio Dias, no bairro Menino Deus – onde hoje é o hospital Mãe de Deus. As discussões começaram aqui em Porto Alegre com homens e mulheres negros que se encontravam em diversos lugares da cidade como a Rua dos Andradas, a hoje Esquina Democrática. Quando nos reuníamos para falar sobre coisas da negritude, o Jorge Antônio dos Santos, era um dos mais revoltados com relação ao 13 de Maio – data em que se comemora a Abolição da Escravatura. Ele falava "que Abolição é essa que não deu nenhuma estrutura ao negro". Fui até a Biblioteca Pública do Estado em busca do livro de Edson Carneiro chamado "Quilombo de Palmares". Na publicação, procurei a data de nascimento do Francisco, o Zumbi, e não encontrei. Mas, consegui a data da morte – 20 de Novembro de 1695 na Serra da Barriga – hoje estado de Alagoas. Levei aos integrantes do grupo que sugeriram o nome Palmares – em função do Quilombo de Palmares.
JC – O feriado é suficiente para debater questões raciais no Brasil?
Côrtes – Não é suficiente. Ele é a ponta de um iceberg porque agora é que os negros começam a se organizar mais. Somos organizados e um exemplo são as nossas escolas de samba, que são nossos "quilombos" – a temática das escolas é sempre falando da escravidão no País e do negro. Os negros no Rio Grande do Sul representam 20% da população – é o mesmo percentual da população negra norte-americana. Só que eles fazem muito barulho. O Rio Grande do Sul é o estado mais racista do Brasil. No Grupo Palmares, agimos com inteligência e de forma pacífica e desse jeito fizemos a nossa revolução. Tivemos um grande aliado no Brasil que foi o jornalista Alexandre Garcia, na época no Jornal do Brasil, que colocou uma nota no jornal: "Quatro negros universitários dizem não ao 13 de maio da Princesa Isabel e dizem 20 de novembro de Zumbi dos Palmares como data maior". Isso mexeu com os movimentos negros em todo o Brasil.
JC - E a sociedade brasileira?
Côrtes – Existe um notável saber do negro que a academia (universidades) não reconhece – sempre nos discriminaram... E 20% da população no Rio Grande do Sul é capaz de realizar, por exemplo, a eleição de deputados estaduais e federais e de vereadores negros. O Brasil vai crescer e passar a ser uma nação com a participação do negro. O negro só não vence onde não tem oportunidade, porque temos talento e criatividade. A pesquisa divulgada pelo IBGE mostrou um orgulho de uma maioria negra no País, somando-se pardos e negros. O Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçar a cultura negra.