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Publicada em 09 de Fevereiro de 2024 às 17:27

Feriado nacional em 20 de novembro é vitória do movimento negro, diz Côrtes

Advogado Antonio Carlos Côrtes foi um dos fundadores do Grupo Palmares em 1971

Advogado Antonio Carlos Côrtes foi um dos fundadores do Grupo Palmares em 1971

TÂNIA MEINERZ/JC
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Cláudio Isaías
Cláudio Isaías Repórter
O advogado Antônio Carlos Côrtes, 75 anos, foi um dos fundadores do Grupo Palmares em Porto Alegre em 1971. Côrtes fazia parte do grupo de jovens – ele, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva, Jorge Antônio dos Santos e Luiz Paulo Assis Santos – que a partir de discussões sobre o legado de Zumbi dos Palmares e de heróis nacionais negros, foi responsável por questionar a data e sugerir uma nova abordagem sobre a consciência negra.
O advogado Antônio Carlos Côrtes, 75 anos, foi um dos fundadores do Grupo Palmares em Porto Alegre em 1971. Côrtes fazia parte do grupo de jovens – ele, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Ilmo da Silva, Jorge Antônio dos Santos e Luiz Paulo Assis Santos – que a partir de discussões sobre o legado de Zumbi dos Palmares e de heróis nacionais negros, foi responsável por questionar a data e sugerir uma nova abordagem sobre a consciência negra.
Na época, o 13 de maio da Abolição da Escravatura era o dia celebrado, pois foi a data quando a Princesa Isabel assinou a lei Áurea em 1888. Mas o grupo sugeriu que fosse lembrada a figura de Zumbi dos Palmares, líder que se insurgiu contra os negros serem escravizados. Assim, destacaram o 20 de novembro, data da morte de Zumbi. Gradativamente, a ideia foi abraçada pelo movimento negro no Brasil, até se tornar também o Dia da Consicência Negra.
Anos depois, diversos municípios, capitais e estados instituíram a data como feriado, para celebrar o herói negro e dedicar a data à consciência negra. São seis estados – Mato Grosso, Rio de Janeiro, Alagoas, Amazonas, Amapá e São Paulo – e mais de 1,2 mil cidades onde a data é feriado. Depois de leis municipais e estaduais, agora, com a aprovação de projeto de lei pelo Congresso Nacional e a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o 20 de novembro passa a ser feriado nacional a partir deste ano de 2024.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Côrtes diz que a medida é, também, um reconhecimento ao trabalho do Grupo Palmares. Integrante do Comissão Especial de Cultura e Arte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado lembra como a discussão do Grupo Palmares começou e analisa formas de combater o racismo. "O 20 de Novembro como feriado nacional é uma vitória do movimento negro", conclui.
Jornal do Comércio – Qual é a importância da sanção do projeto de lei que declara o Dia da Consciência Negra como feriado em todo o Brasil?
Antônio Carlos Côrtes – O feriado do Dia da Consciência Negra é um reconhecimento do trabalho do Grupo Palmares. Aquela semente plantada em 1971 aqui em Porto Alegre germina e dá esse fruto para o negro brasileiro. O 20 de Novembro como feriado nacional é uma vitória do movimento negro em nível nacional, porque abraça todos os movimentos que ocorreram no Brasil desde 1888 – ano da Abolição da Escravatura. A Câmara dos Deputados aprovou no dia 29 de novembro (de 2023) o projeto de lei que torna o Dia da Consciência Negra feriado nacional. Dedico a sanção do projeto pelo presidente Lula ao Ilmo da Silva, Vilmar Nunes e Oliveira Silveira (todos falecidos), ao Luiz Paulo Assis Santos (que vive em Porto Alegre) e ao Jorge Antônio dos Santos (que mora em Salvador, na Bahia).

JC – Como surgiu o Grupo Palmares? Quando vocês começaram a falar em Dia da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares?
Côrtes – O Grupo Palmares surgiu na época da ditadura militar no Brasil. Eu e o Oliveira Silveira fomos chamados na Polícia Federal para explicar o que era o Grupo Palmares – houve uma ligação por parte das autoridades policiais com o VAR Palmares (grupo militante contra a ditadura). A fotógrafa Irene Santos fez a foto da primeira reunião dos integrantes do Grupo Palmares no Clube Náutico Marcílio Dias, no bairro Menino Deus – onde hoje é o hospital Mãe de Deus. As discussões começaram aqui em Porto Alegre com homens e mulheres negros que se encontravam em diversos lugares da cidade como a Rua dos Andradas, a hoje Esquina Democrática. Quando nos reuníamos para falar sobre coisas da negritude, o Jorge Antônio dos Santos, era um dos mais revoltados com relação ao 13 de Maio – data em que se comemora a Abolição da Escravatura. Ele falava "que Abolição é essa que não deu nenhuma estrutura ao negro". Fui até a Biblioteca Pública do Estado em busca do livro de Edson Carneiro chamado "Quilombo de Palmares". Na publicação, procurei a data de nascimento do Francisco, o Zumbi, e não encontrei. Mas, consegui a data da morte – 20 de Novembro de 1695 na Serra da Barriga – hoje estado de Alagoas. Levei aos integrantes do grupo que sugeriram o nome Palmares – em função do Quilombo de Palmares.
JC – O feriado é suficiente para debater questões raciais no Brasil?
Côrtes – Não é suficiente. Ele é a ponta de um iceberg porque agora é que os negros começam a se organizar mais. Somos organizados e um exemplo são as nossas escolas de samba, que são nossos "quilombos" – a temática das escolas é sempre falando da escravidão no País e do negro. Os negros no Rio Grande do Sul representam 20% da população – é o mesmo percentual da população negra norte-americana. Só que eles fazem muito barulho. O Rio Grande do Sul é o estado mais racista do Brasil. No Grupo Palmares, agimos com inteligência e de forma pacífica e desse jeito fizemos a nossa revolução. Tivemos um grande aliado no Brasil que foi o jornalista Alexandre Garcia, na época no Jornal do Brasil, que colocou uma nota no jornal: "Quatro negros universitários dizem não ao 13 de maio da Princesa Isabel e dizem 20 de novembro de Zumbi dos Palmares como data maior". Isso mexeu com os movimentos negros em todo o Brasil.
JC - E a sociedade brasileira?
Côrtes – Existe um notável saber do negro que a academia (universidades) não reconhece – sempre nos discriminaram... E 20% da população no Rio Grande do Sul é capaz de realizar, por exemplo, a eleição de deputados estaduais e federais e de vereadores negros. O Brasil vai crescer e passar a ser uma nação com a participação do negro. O negro só não vence onde não tem oportunidade, porque temos talento e criatividade. A pesquisa divulgada pelo IBGE mostrou um orgulho de uma maioria negra no País, somando-se pardos e negros. O Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçar a cultura negra.

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