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Direito das Mulheres

- Publicada em 30 de Junho de 2023 às 14:26

STF forma maioria contra tese de "legítima defesa da honra"

Tese remonta à ideia de que a mulher ocupa posição subalterna e restringe sua dignidade e autodeterminação

Tese remonta à ideia de que a mulher ocupa posição subalterna e restringe sua dignidade e autodeterminação


LUIS ROBAYO/AFP/JC
Figura jurídica utilizada pela defesa de um réu para justificar determinados crimes de natureza passional, a legítima defesa da honra atribui o fator motivador do delito ao comportamento da vítima. A tese admite que uma pessoa (normalmente um homem) mate outra (normalmente uma mulher) para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação amorosa.
Figura jurídica utilizada pela defesa de um réu para justificar determinados crimes de natureza passional, a legítima defesa da honra atribui o fator motivador do delito ao comportamento da vítima. A tese admite que uma pessoa (normalmente um homem) mate outra (normalmente uma mulher) para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação amorosa.
Nos últimos anos, a tese tem sido amplamente questionada, justamente por ser vista como contrária aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção à vida e da igualdade de gênero. Nesta sexta-feira (30), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para o enterro "cabal" da "legítima defesa da honra" - usada como argumento para justificar feminicídios em ações criminais, sobretudo quando os réus são levados a júri popular.
Cinco ministros já acompanharam o voto do ministro Dias Toffoli, no sentido de proibir o uso da tese em julgamentos, sob pena de nulidade da decisão. O julgamento foi suspenso e deve voltar à pauta do Supremo na primeira sessão plenária de agosto, após o recesso Judiciário, inclusive com a possível ampliação do impacto do julgamento. Isso porque a análise do caso deve ser retomada junto da avaliação de um outro processo, que discute a validade de realização de novo júri, por ordem de Tribunal de Justiça, em casos de absolvição por quesito genérico, em razão de suposta contrariedade à prova dos autos.
Em seu voto, Toffoli argumentou que a ideia remonta a “uma concepção rigidamente hierarquizada da família na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação”.

“Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do 'chefe de família', que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra. Trata-se, assim, de uma percepção instrumental e desumanizadora do indivíduo”, disse o relator.

Ponto importante da discussão desta sexta-feira foi a manifestação de ministros sobre a necessidade de o STF declarar a inconstitucionalidade da "legítima defesa da honra". A análise do caso antecedeu a cerimônia de encerramento dos trabalhos do Supremo relativos ao primeiro semestre de 2023.

O ministro André Mendonça chegou a ponderar que a Corte máxima encerraria o semestre com "chave de ouro" ao derrubar de vez a argumentação. Ao suspender o julgamento, Rosa Weber propôs que o Supremo dê início ao segundo semestre do Judiciário "com chave de ouro", com a continuidade do julgamento.

Nesta sexta, os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin acompanharam o voto do relator. O último, no entanto, propôs que o Supremo desse um passo além na discussão sobre a inconstitucionalidade da "legítima defesa da honra". É exatamente essa questão que será discutida na retomada dos trabalhos do STF, em agosto.

Fachin destacou o quão "esdrúxula e malfadada" é a tese de "legítima defesa da honra" e propôs que o Supremo estabeleça a possibilidade de Tribunais de Justiça admitirem recursos contra decisões de júris de femincídio sob o argumento de provas contrárias aos autos. Assim, os tribunais poderão determinar novos julgamentos em casos em que a tese foi usada no júri.

"Não há como, não seria admissível fechar os olhos para aquilo que se verte como tragédia. Feminicídio é uma chaga de uma sociedade injusta, desigual e ainda discriminatória. O julgamento de hoje é mais um voto que se soma, uma declaração do judiciário nessa direção", ressaltou Fachin.

Segurança jurídica

A sessão de julgamento desta sexta foi marcada por posicionamentos dos ministros sobre a necessidade de se enterrar de uma vez a tese de "legítima defesa da honra". O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, frisou como um posicionamento do Plenário sobre o tema confere "segurança jurídica" sobre a tese "que poderia ser resumida com expressão lavar honra com sangue". "O que fizermos aqui deve ser aplicado a todos os casos de agressões às mulheres onde se invoca a tese", ressaltou.

As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber fizeram dobradinhas com Alexandre de Moraes sobre a gravidade do tema. Os comentários se deram após o ministro ressaltar que a tese é tida basicamente como um "salvo-conduto" para a prática de crimes violentos contra mulheres, destacando que o argumento é usado para "convencer" jurados sobre feminicídios.

Cármen frisou como, em duas sustentações orais feitas ao longo do primeiro dia de julgamento, nesta quinta, foi repetida a expressão "pelo simples fato de ser mulher", em referência a feminicídios.

A ministra destacou: "ser mulher no Brasil não é simples, nem um fato corriqueiro. Ser mulher no Brasil é algo muito sério". Também indicou como as "violências se multiplicam e germinam como semente do mal em uma sociedade em que haja terreno fértil".

Alexandre de Moraes então ponderou que, além de tudo, a tese "só valia para o homem". Ele apontou uma espécie de "naturalização" da violência contra a mulher. Em seguida, foi interpelado por Rosa: "a mulher era tida como uma coisa, uma propriedade. Por isso podia ser morte. Até para lavar a honra do marido".

Para o ministro, o STF deve afastar de "maneira cabal" qualquer alegação de "legítima defesa da honra", estabelecendo que "não se tolera impunidade" de agressões contra a mulher.