O Brasil tem uma nova maneira de gerenciar os clubes de futebol desde a criação da Lei 14.193/21. O projeto da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) já era comentado após sua aprovação, mas tornou-se pauta nacional com a adesão de Cruzeiro e Vasco ao modelo de negócio. A lei é resultado do Projeto de Lei (PL) 5.082/2016, proposto por Otavio Leite (PSDB) e Domingos Sávio (PSDB), que buscava criar uma sociedade anônima capaz de atender às necessidades do futebol. A transformação do modelo associativo para a SAF significa o abandono de uma organização sem fins lucrativos para uma grande empresa com acionistas.
É importante frisar que a escolha por tornar um clube SAF cabe à própria instituição. O clube utiliza da Lei 14.193 para realizar alterações em seu estatuto e adotar o modelo SAF. O Vasco da Gama, por exemplo, realizou uma votação com seus sócios, que se decidiram pela venda de 70% do clube para a empresa 777 Partners. Dos 4.907 participantes, 3.898 votaram sim, ou seja, 79,4% dos sócios foram favoráveis. Apesar de não haver exigência de convocação de assembleia, esse é o caminho que vem sendo trilhado pelos dirigentes dos clubes de futebol.
Além disso, o clube fundador passa a ser um acionista da SAF e pode vender 100% dos direitos, se assim desejar. O Cruzeiro, por exemplo, permaneceu com 10% das ações e vendeu os 90% restantes a Ronaldo Nazário, ex-jogador do clube. A valorização das ações pode ser negociada livremente entre as partes. A lei, entretanto, não permite que um acionista detenha ações de outra SAF, o que significa que o Fenômeno não pode obter valores de outros clubes que adotarem esse modelo de administração. A medida pretende evitar fraudes na esfera esportiva.
O Jornal da Lei conversou com o advogado Arthur Silveira, sócio da MSC Advogados e mestre em Direito Empresarial, sobre os passos para a implantação da SAF. "A primeira coisa que um clube de modelo associação sem fins lucrativos deve fazer para buscar a transformação para esse novo modelo de negócio (SAF) é um diagnóstico, que será conduzido por profissionais da área jurídica, financeira, econômica e contábil. Esse time de profissionais irá avaliar as condições do clube e fazer um mapeamento total, pois nossos clubes já atuam como empresa, mas exercem suas atividades com uma roupagem diferente, como associação".
A sociedade anônima do futebol também traz um aspecto profissional aos clubes de futebol, que movimentam milhões de reais todos os meses. Esse ponto é reforçado por Silveira, que vê com bons olhos a profissionalização trazida pela SAF. "A primeira vantagem é a 'empresarialização', trazer esse aspecto empresarial para dentro do clube. A partir do momento que o clube dá esse passo, seus conselheiros, presidência e sócios decidem seguir o caminho da transformação, da organização e estruturação geral do negócio como uma empresa. Isso trará muitos benefícios dentro e fora de campo. Começaremos a ter gestões profissionais, um olhar em termos de governança corporativa, com órgãos que irão fiscalizar interna e externamente. Este clube será gerido como negócio".
Outro aspecto importante é a relação do time com suas dívidas. A SAF é criada sem dívidas, que costumam ficar como responsabilidade do clube associativo sem fins lucrativos. O que existe é uma facilitação criada pela lei, que estipula um período de seis anos para o pagamento dos acordos do clube fundador e um repasse de 20% da receita da SAF para ajudar na quitação dessas dívidas. Caso 60% dos valores devidos tenham sido pagos, o prazo pode ser estendido por mais quatro anos. "Outro ponto é a possibilidade de utilização das ferramentas de insolvência para reestruturar um endividamento. O Cruzeiro recorreu à recuperação judicial, uma ferramenta que é muito interessante para a reestruturação das dívidas. Aqueles que ainda não se tornaram SAF podem recorrer ao que a gente chama de regime centralizado de execução RCE, e esse é um ponto que vejo como positivo".
Em relação aos investimentos, há grande probabilidade de um aumento significativo no número de interessados, pois o clube passaria a buscar lucro, o que inexistia antes no modelo associativo. "A lei traz a possibilidade de investidores pessoas físicas e jurídicas aportarem recursos financeiros na SAF. Para angariar investidores, o clube precisa estar com sua casa arrumada, com suas dívidas, quadro social e folha em dia para que haja atratividade aos investidores. Eu como torcedor poderia comprar ações, se a roupagem fosse de sociedade anônima aberta ou títulos de outra natureza, na bolsa de valores. Essa possibilidade de atrair investimentos é um ponto muito relevante", afirma Silveira.
Por fim, Silveira afirmou que é um avanço para os clubes de futebol aderirem ao modelo de negócio. "Acredito que a grande maioria, se não a totalidade, vai optar por esse caminho (SAF). Penso que é um caminho sem volta que trará uma revolução ao futebol brasileiro e que vai atrair investidores internacionais."