Ao contrário do esperado, os pedidos de recuperação judicial (RJ) e falências registraram queda no período da pandemia. Em 2020, as solicitações de RJ foram 15% menores em relação a 2019. Os requerimentos de falências caíram 31,4% no primeiro ano de propagação da Covid-19. Em 2021, a tendência de baixa prosseguiu. No acumulado do ano passado, o número de pedidos de recuperação judicial de empresas apresentou queda de 24,4% frente a 2020. Também houve diminuição de 2,3% nos requerimentos de falência no comparativo do período de janeiro a dezembro de 2020 com 2021.
Entre os motivos para essa desaceleração, conforme especialistas, está o advento da nova Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 14.112/20), que entrou em vigor em janeiro de 2021 e reformou a Lei nº 11.101/05, trazendo diferentes tipos de flexibilizações e alternativas de negociação.
A nova legislação apresenta novidades como a ampliação do prazo do parcelamento de dívidas tributárias federais para até 120 parcelas mensais; a possibilidade dos credores apresentarem um plano de recuperação; a permissão de financiamento na fase de recuperação judicial; a viabilidade de conciliação e mediação e a alternativa de prorrogação do chamado stay period, que é o período de suspensão das ações contra o devedor.
“As empresas que estão passando por crises precisam ser segmentadas entre as que estão em situação de insolvência e as que têm condições de se recuperar, sendo que a Lei estabelece critérios específicos para as duas situações. Dessa forma, organiza os processos, protegendo tanto a sociedade quanto as empresas”, contextualiza a contadora e especialista em perícia judicial e extrajudicial Janaína Riegel.
Importante ressaltar que apesar de ambas medidas estarem previstas no mesmo regimento, tratam-se de institutos diferentes. Na falência, a empresa ou empresário devedor encerra completamente suas atividades com o objetivo de que todos os seus bens e direitos sejam liquidados para que, com os valores obtidos, seja realizado o pagamento de todos os credores.
A recuperação judicial, por sua vez, é caracterizada pela reestruturação de dívidas em atraso e continuidades das atividades da companhia, por meio de um processo judicial no qual o devedor é beneficiado com um período de blindagem contra ações, execuções e cobranças ajuizadas contra ele.
“Resumidamente, podemos dizer que a diferença básica entre a recuperação judicial e a falência se dá na condição de a empresa se manter no mercado. Se esta tem mais condições de cumprir com seus objetivos sociais e econômicos, o instituto da recuperação judicial será aplicado para auxiliá-la. Caso contrário, a falência se torna o melhor remédio”, sintetiza a especialista, que também é conselheira do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS).
Na falência, o processo se inicia com a análise do pedido de falência ou com a convolação da recuperação judicial em falência, que ocorre quando o plano de RJ acaba não obtendo sucesso. Após, é proferida uma decisão declaratória de quebra, que dentre as consequências está o afastamento dos administradores ou a lacração da companhia. Posteriormente, passa-se para o momento de apuração dos ativos, verificação e confirmação do passivo. O processo então é encerrado com a liquidação dos ativos, venda dos bens arrecadados e com o pagamento dos credores.
Já na recuperação judicial, o empresário permanece no comando da empresa e é exigido dele a elaboração de um plano de reestruturação das dívidas da organização, sujeito à aprovação pelos credores em uma assembleia. No plano, deve conter uma apresentação dos meios que serão adotados para a superação da crise, além de inúmeras possibilidades para a renegociação dos créditos, como concessão de prazos, períodos de carência, deságio, escalonamento, alienação de ativos etc.
“Muitas empresas se aventuram na recuperação judicial sem conhecer de fato a sua condição no mercado e a sua capacidade de geração de riqueza, se deparando, muitas vezes, com a frustração. Por isso, é fundamental que antes de ingressarem com o pedido, busquem o assessoramento de um profissional da área contábil e econômica, a fim de que, através de um estudo completo, verifique a melhor resposta para a solução da crise, que, em alguns casos, pode ser a sua retirada do mercado”, recomenda a contadora.
Justiça mantém decreto de falência da fabricante de eletroportáteis Martau
Recuperação judicial foi convertida em falência em julho do ano passado
MARTAU/DIVULGAÇÃO/JC
A tradicional marca de ventiladores e eletroportáteis de Porto Alegre Martau é uma das empresas que, por distintas dificuldades enfrentadas nos anos recentes, enfrenta um processo que iniciou como recuperação judicial e acabou sendo convertida em falência em julho do ano passado, após a rejeição do plano de recuperação judicial de seus credores.
Em agosto do mesmo ano, porém, a desembargadora Denise Oliveira Cezar, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS (TJRS), atendeu ao pedido de efeito suspensivo à decretação de falência da empresa gaúcha, que valeria até o julgamento do mérito do recurso.
No final do mês passado, o TJRS negou provimento ao recurso da Martau e manteve a decretação da falência da empresa. O sócio-proprietário Milton Martins se disse surpreso com a decisão e afirmou que irá recorrer por meio de um embargo. “A Martau estava em plena atividade, com salários e fornecedores em dia, quando saiu a decisão que não nos deu provimento. O julgamento do mérito ocorreu de forma remota e sem videoconferência”, relata Martins.
Conforme o empresário, o seu jurídico tentou junto à administração judicial impedir o fechamento da empresa até a abertura do prazo para que pudesse recorrer, pedido esse que não foi acolhido. “Desde o dia 4 de abril a empresa está fechada e os empregados, bem como os sistemistas, estão em compasso de espera”, diz Martins.
A administração judicial é a empresa – ou profissional – nomeada pelo juiz para auxiliar na condução de processos de recuperação judicial e falência. Sendo que na recuperação judicial, a sua atuação ocorre, principalmente, na fiscalização da atividade da empresa devedora e das negociações com os credores, bem como na condução das assembleias.
Na falência, a administração judicial tem como principais funções arrecadar e avaliar os bens da companhia, assumir a representação da massa falida e praticar os atos necessários para o pagamento dos credores.
No caso da Martau, esse processo é feito pelo escritório Cainelli de Almeida Advogados, por intermédio dos advogados Fábio Cainelli de Almeida e Júlio Afredo de Almeida. De acordo com o escritório, a dívida apurada durante a recuperação judicial da companhia gaúcha era de aproximadamente R$17 milhões, sendo os principais credores representados por instituições financeiras e fornecedores.
No entanto, conforme o sócio-proprietário da companhia, integra o quadro geral de credores o valor de R$ 2,2 milhões, que são devidos aos próprios sócios da empresa, que já se manifestaram no sentido de abrir mão desse crédito. "Portanto, o valor devido a terceiros fica em cerca de R$ 15 milhões", detalha.
Os seus bens, de acordo com a administradora judicial, estão avaliados em cerca de R$10 milhões e, caso a decisão de quebra se mantenha, serão vendidos por meio de leilões. “A marca Martau também é um ativo que deve ser leiloado, porém, a avaliação do seu valor ainda não foi realizada”, acrescenta o advogado Fabio Cainelli. O advogado informa ainda que existe uma previsão legal para a ordem de pagamento na falência.
“Possuem prioridade os credores derivados de obrigações contraídas pela empresa durante a recuperação judicial e, posteriormente, os credores trabalhistas”, detalha. No caso da Martau, segundo ele, não há ainda como prever uma data para que suas dívidas comecem a ser sanadas em razão dos trâmites judiciais que virão.
Martins, contudo, diverge da avaliação de bens transmitida pela AJ. Conforme o sócio-diretor, o valor do imóvel da empresa localizado em Alvorada gira em torno de R$ 9,3 milhões, conforme apreciação da Mercur Avaliações Patrimoniais. "Para a nossa atual sede, conforme manifesta a administradora judicial, o valor é de cerca de R$ 1,6 milhão. Portanto, somente em imóveis o nosso patrimônio é de mais de R$ 11 milhões", detalha.
Ele informa que a marca, de acordo com avaliação da Mercur, foi avaliada em aproximadamente R$ 9 milhões. Logo, conforme Martins, a soma de imóveis e marca chega ao patamar de R$ 20 milhões, devendo ainda considerar máquinas, equipamentos, ferramentas, entre outros bens da empresa. "Já peticionamos no TJRS embargos de declaração. Acreditamos na reforma da sentença e temos investidores interessados no negócio da Martau", ressalta o executivo.
Perguntas e respostas sobre os processos de falência e recuperação judicial
Carlos Deneszczuk é especialista em Recuperação Judicial e Extrajudicial
Maikon bauer/divulgação/jc
Tanto o processo de recuperação judicial quanto a falência costumam gerar uma série de dúvidas entre empresários e profissionais envolvidos no meio corporativo. O JC Contabilidade conversou com o sócio proprietário da DASA Advogados e advogado especializado em Recuperação Judicial e Extrajudicial, Carlos Deneszczuk, sobre alguns dos questionamentos mais frequentes sobre o tema.
JC Contabilidade - Quem pode pedir a falência de uma empresa e como isso se dá?
Carlos Deneszczuk - Basicamente, qualquer credor poderá requerer a falência da empresa devedora, além do próprio devedor, cônjuge ou herdeiros e acionistas ou cotistas da própria empresa, conforme prevê o art. 97 da Lei 11.101/2005. Qualquer um desses legitimados apresenta um pedido de falência por meio de petição ao juiz, o que vai iniciar o processo de pedido de falência. O juiz então decretará a falência caso verificados os pressupostos previstos no art. 94 da mesma lei.
JC Contabilidade - Há como uma empresa ter a sua falência decretada sem passar pelo processo de recuperação judicial?
Carlos Deneszczuk - Sim, caso aceito e processado um pedido de falência ajuizado, poderá ser a falência decretada nos termos do art. 94 da Lei 11.101/2005.
JC Contabilidade - Como é a etapa da assembleia geral de credores e de que forma a empresa devedora deve se preparar para ela?
Carlos Deneszczuk - Depois de apresentado o Plano de Recuperação Judicial e desde que algum credor apresente uma objeção ao plano, será convocada a assembleia geral de credores. Convocada a assembleia pelo juiz em edital publicado no diário oficial eletrônico, os credores se reunirão para uma série de deliberações. Dentre as várias atribuições da assembleia, a principal delas é a possibilidade de se deliberar pela aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor.
Desse modo, apresentado o Plano de Recuperação nos autos do processo, a empresa deve, a partir disso e em preparação à assembleia, negociar com os seus credores a aprovação da proposta apresentada. É permitido ao devedor apresentar aditivos ao plano ou até mesmo modificá-lo na própria assembleia, visando a sua aprovação pelos credores.
JC Contabilidade - Em um processo de recuperação judicial, há algum elemento especial relacionado às dívidas tributárias?
As dívidas de natureza tributária não se sujeitam à recuperação judicial. Desse modo, a blindagem conferida ao devedor com o processamento da recuperação judicial, que prevê a suspensão das ações ajuizadas contra o devedor não se aplica com relação às execuções fiscais.
No entanto, a lei prevê que é de competência exclusiva do juízo da recuperação judicial determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.
Além disso, a Lei 11.101/2005 prevê que as Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderão deferir, nos termos da legislação específica, o parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, bem como a possibilidade de o Fisco requerer a falência de uma empresa que descumpra o acordo de parcelamento de tributos.