Nos últimos anos, a transformação digital se tornou palavra de ordem nas organizações. De pequenas empresas familiares a grandes multinacionais, todas buscam incorporar tecnologias que tragam mais eficiência, agilidade e inteligência à operação. No entanto, como alerta o vice-presidente da Access, Inon Neves, muitas dessas iniciativas têm sido feitas de forma fragmentada, o que impede os ganhos reais que a digitalização pode oferecer.
Neves analisa o estágio atual das empresas quando o assunto é digitalização de processos, diferencia transformação digital de ponta a ponta da mera modernização de setores isolados, e aponta caminhos para que as organizações deixem de operar em silos e alcancem uma integração completa, orientada por dados e voltada à inovação sustentável.
JC Logística - O termo "transformação digital" se popularizou nos últimos anos. Mas o que realmente significa transformar digitalmente uma empresa?
Inon Neves - Transformar digitalmente uma empresa vai muito além de simplesmente adotar novas tecnologias. Trata-se de uma mudança profunda, que envolve cultura, processos e uma visão sistêmica do negócio. Muitas organizações acreditam que já estão digitalizadas porque utilizam ferramentas modernas em áreas específicas, como marketing ou vendas. No entanto, se essas soluções funcionam de forma isolada, sem integração com os demais departamentos, o resultado é uma operação fragmentada - o que chamamos de "silos digitais". A verdadeira transformação exige que todos os fluxos de trabalho estejam conectados, criando uma cadeia de processos contínua, eficiente e 100% digital.
Log - Então, qual é a diferença entre transformação digital e digitalização de processos de ponta a ponta?
Neves - A transformação digital é um conceito amplo que inclui a modernização da empresa como um todo. Já a digitalização de processos de ponta a ponta é uma etapa essencial dentro dessa jornada, porque garante que os fluxos internos, do início ao fim, sejam executados de forma automatizada, segura e integrada. É quando a empresa deixa de depender de papéis, retrabalhos manuais ou sistemas que não se comunicam entre si. Esse tipo de digitalização permite uma operação mais eficiente, com redução de custos, aumento da produtividade e mais capacidade de tomar decisões baseadas em dados confiáveis.
Log - Ainda vemos muitos departamentos adotando soluções isoladas. Por que isso é um problema?
Neves - Porque cria uma falsa sensação de avanço. Quando cada setor busca resolver suas demandas de forma autônoma, a empresa acaba com diversas ferramentas desconectadas. O marketing pode ter um sistema avançado de automação, mas o financeiro continua gerenciando planilhas manuais. Recursos humanos pode adotar um software de recrutamento moderno, enquanto a documentação de processos segue em papel. Isso prejudica a troca de informações, aumenta os gargalos e compromete a experiência do cliente, já que os dados não circulam com fluidez. A empresa perde agilidade e, muitas vezes, não consegue enxergar o todo.
Log - O senhor mencionou a experiência do cliente. Como a digitalização afeta diretamente essa área?
Neves - De forma muito significativa. O cliente de hoje quer soluções rápidas, práticas e digitais. Ele não tem paciência para preencher formulários em papel ou esperar dias por uma resposta. Se os processos internos da empresa ainda são manuais ou fragmentados, isso impacta diretamente no tempo de resposta e na qualidade do atendimento. Por outro lado, uma operação digitalizada permite, por exemplo, que um documento seja gerado, assinado eletronicamente e aprovado em minutos. Isso aumenta a satisfação, fideliza o cliente e melhora a reputação da marca. E o mesmo vale para o cliente interno - os colaboradores. Processos mais leves, digitais e automatizados melhoram o ambiente de trabalho e a produtividade.
Log - Além da experiência do cliente, quais outras vantagens a digitalização integrada oferece?
Neves - A lista é longa. Podemos citar o aumento da segurança da informação, a conformidade com legislações como a LGPD, a redução de riscos operacionais, a rastreabilidade de processos e a capacidade de gerar insights em tempo real. Quando os processos estão digitalizados, fica muito mais fácil implementar políticas de backup, controle de acesso, criptografia e auditoria. Isso reduz a chance de fraudes, perda de documentos e vazamentos de dados. Além disso, os dados capturados ao longo dos fluxos de trabalho podem ser analisados de forma inteligente, alimentando dashboards e sistemas preditivos que ajudam a tomar decisões mais acertadas e antecipar problemas.
Log - E como uma empresa pode iniciar esse processo de digitalização de forma efetiva?
Neves - O primeiro passo é entender que a digitalização precisa ser uma iniciativa corporativa, com envolvimento direto da alta liderança. CEOs, CFOs e CIOs devem tratar isso como uma prioridade estratégica. A partir daí, é necessário mapear toda a cadeia de processos da organização, identificar gargalos e definir quais etapas têm maior impacto no negócio e na experiência do cliente. Esse diagnóstico é fundamental para evitar investimentos em ferramentas que não resolvem o problema real. A priorização dos processos mais críticos ajuda a mostrar resultados rápidos, engajar a equipe e consolidar a cultura digital.
Log - E quanto à escolha das tecnologias? Há algo que deve ser levado em consideração?
Neves - Sim, e esse é um ponto-chave. As tecnologias precisam ser escaláveis e abertas à integração. Ferramentas que se conectam facilmente via APIs, por exemplo, facilitam muito a criação de um ecossistema digital integrado. Também é importante olhar para a arquitetura de dados, garantindo padrões de armazenamento, acesso e governança. De nada adianta digitalizar se os dados ficarem presos em sistemas isolados e sem estrutura para gerar valor. O objetivo deve ser sempre facilitar a troca de informações entre áreas e transformar dados brutos em inteligência acionável.
Log - A digitalização também exige uma mudança cultural nas empresas?
Neves - Sem dúvida. Tecnologia é só uma parte da equação. A transformação real exige que as pessoas compreendam os benefícios da digitalização, deixem de lado a resistência ao novo e estejam dispostas a aprender continuamente. Isso só é possível com uma comunicação interna clara, programas de capacitação e liderança engajada. Além disso, acompanhar métricas de desempenho - como tempo de processamento, satisfação do cliente e redução de custos - é essencial para mostrar, com dados, que a mudança vale a pena. A cultura digital se constrói com pequenas vitórias e muita consistência.
Log - Olhando para o futuro, o que vem depois da digitalização de processos?
Neves - A digitalização é a base para inovações ainda mais profundas. Quando os processos estão completamente integrados e digitais, a empresa pode avançar para soluções de inteligência artificial, automação robótica de processos (RPA) e análise preditiva. Com isso, é possível automatizar tarefas mais complexas, tomar decisões com base em algoritmos e até criar modelos de negócio totalmente novos, voltados para o ambiente digital. Empresas que dominam essas tecnologias conseguem se diferenciar, atuar globalmente e responder de forma mais rápida às mudanças do mercado. Em um mundo em constante transformação, isso deixa de ser um diferencial e passa a ser uma questão de sobrevivência.
Log - Já podemos dizer que as empresas estão realmente digitalizadas?
Neves - Ainda não. Existem muitas empresas que avançaram bastante e já operam com cadeias de processos quase totalmente digitalizadas. Mas há outras que ainda estão presas a modelos antigos, com processos manuais e sistemas que não se comunicam. A verdade é que o mercado não vai esperar. A velocidade da inovação exige que as organizações se movimentem, abandonem os silos e passem a enxergar a digitalização como uma jornada integrada, contínua e indispensável para competir e crescer. Mais do que uma tendência, a digitalização é uma exigência do presente.