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Publicada em 24 de Fevereiro de 2025 às 16:52

Derrubada de vetos em lei das eólicas offshore gera alerta

Cenário agravaria a pressão das geradoras de energia renovável para que o prejuízo dessas companhias seja arcado pelos consumidores

Cenário agravaria a pressão das geradoras de energia renovável para que o prejuízo dessas companhias seja arcado pelos consumidores

TÂNIA MEINERZ/JC
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Folhapress
Caso o Congresso derrube parte dos vetos do presidente Lula a artigos da lei que regulamenta as eólicas offshore (em alto mar), as empresas de energias eólica e solar podem sofrer ainda mais cortes em suas produções, segundo especialistas do setor elétrico. Isso agravaria a pressão das geradoras de energia renovável para que o prejuízo dessas companhias seja arcado pelos consumidores que pagam a conta de luz.
Os vetos em questão tratam da contratação compulsória de térmicas a gás natural inflexíveis (que ficam ligadas mesmo quando não são necessárias) e a carvão, inseridas durante a tramitação do PL no Congresso. Lula vetou essas obrigações no início do ano, mas agora o governo precisará enfrentar pressões de parlamentares favoráveis aos artigos.
Caso as contratações se mantenham, a oferta de energia no País crescerá sem acompanhar a demanda. Com isso, na visão de alguns especialistas, o ONS (Operador Nacional do Sistema) precisará intensificar os cortes de geração renovável no Nordeste, que sofre lacunas de transmissão para o Sudeste - região que abriga a maior demanda por eletricidade no País. Esses cortes, no jargão técnico, são chamados de "curtailment".
Hoje, aliás, os desligamentos existem porque, em determinados momentos do dia, os geradores já produzem mais quantidade de eletricidade do que o sistema é capaz de transportar ou acima, inclusive, da demanda.
Nesse último caso, como fisicamente cortar a geração de energia eólica e solar é mais simples do que desligar térmicas e hidrelétricas, essas empresas são as mais afetadas. Também devido aos gargalos de transmissão, esses cortes acontecem principalmente no Nordeste, onde estão as grandes geradoras de renováveis.
No setor elétrico, há quem argumente que essas perdas são um risco natural de mercado a ser encarado pelas empresas de renováveis. "Eu não vejo grandes gargalos de energia no setor hoje. O que aconteceu no Brasil nos últimos anos, e tem ficado muito claro nas análises dos grandes especialistas, é um excesso de investimento em geração em relação à carga existente", afirma Rui Chammas, CEO da empresa de transmissão Isa Energia.
Os cortes, porém, vão parar nos balanços das companhias que não conseguem vender a energia cortada. Hoje empresas de energias solar e eólica enfrentam na Justiça uma disputa com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que o prejuízo seja repassado aos encargos do sistema elétrico, divididos entre todos os consumidores de eletricidade do País, inclusive os residenciais.
A norma atual restringe indenização a casos de gargalos na transmissão causados por defeitos ou paralisação da rede, como manutenção - cenário diferente dos cortes em questão. À Justiça, a Aneel disse que a energia cortada até novembro do ano passado soma R$ 1,1 bilhão, mais do que três vezes o total que é hoje destinado a ressarcimentos.
 

Prejuízo em 2024 foi de quase R$ 2,5 bilhões, estimam associações que defendem a energia renovável

Segundo as associações que defendem os geradores de energia renovável, o prejuízo só no ano passado foi de quase R$ 2,5 bilhões, o que torna esse tema um dos mais críticos para o setor elétrico atualmente. Nas contas da Aneel, para cada R$ 1 bilhão indenizado, tem-se um aumento médio na tarifa do consumidor de cerca de 0,4%.
Assim, em um cenário em que os vetos de Lula sejam derrubados e que a Justiça atenda ao pleito das empresas de renováveis, o consumidor terá que arcar com a contratação de térmicas (mais caras) e com os prejuízos causados pelos cortes.
"O PL das eólicas offshore, que inseriu uma série enorme de fontes novas, é um replicador desse problema, porque, na hora que a gente coloca desnecessariamente 4.000 megawatts de térmicas inflexíveis a gás natural, alguém vai ter que reduzir sua geração", diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia. "Essa é mais uma razão para que a gente sensibilize os senadores para que mantenham o veto presidencial."
Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), concorda. "Esses jabutis (como são chamados artigos que não tem a ver com o tema central de um projeto de lei) são um verdadeiro estrago para o País, para o consumidor e para o sistema. E vão agravar muito o curtailment, porque se coloca energia sem necessidade, deslocando geração de energia eólica que foi contratada no passado", afirma.
Já Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar (que representa os geradores solares) diz ser necessário avaliar cada artigo do PL. "De qualquer forma, a causa da baixa demanda do Brasil está muito mais ligada ao fraco crescimento econômico do país. Se a gente estivesse crescendo com força, toda essa energia cortada estaria sendo utilizada, inclusive em data centers e projetos de hidrogênio verde", diz.
A Abraget (associação que representa os donos de termelétricas) não quis se manifestar. Em tese, a origem desses cortes está na mudança do sistema elétrico brasileiro nos últimos anos. No passado, a instalação de geradoras de energia, inclusive renováveis, acompanhava o planejamento da Aneel e do governo federal, responsáveis por organizar leilões.
A crescente descentralização do setor, porém, fez com que atores privados instalassem suas usinas sem uma orientação específica do poder público, ainda que com aprovação dos entes reguladores. Nesse modelo, o único objetivo é garantir máxima receita aos produtores e, por isso, o principal fator para instalação são as características das áreas para a geração de energia - no caso de solar e eólica, frequência e intensidade de sol e vento. Nordeste e norte de Minas Gerais se destacam. A capacidade de escoamento dessa energia, porém, ficou por muito tempo em segundo plano.
 

ESTA RETRANCA PODE CAIR - Setor busca suprir demanda em crescimento, aponta estudo da Deloitte

O mercado de energia renovável busca atender à crescente demanda global por energia limpa, que superou a oferta em 2024, segundo aponta o estudo Renewable Energy Industry Outlook 2025, da Deloitte – organização com o portfólio de serviços profissionais mais diversificado do mundo. O relatório destaca que houve avanços importantes na capacidade disponível de energias solar e eólica e no armazenamento por meio de baterias. Uma maior expansão depende, principalmente, de avanços tecnológicos, da integração de soluções inovadoras e de políticas públicas estratégicas. Por isso, investimentos em inteligência artificial (IA) e em gestão de carbono e fortalecimento dos debates entre poderes executivo e legislativo devem ser intensificados.
O mercado de fontes renováveis tem sido impulsionado por investimentos públicos e privados recordes em escala global. Nos primeiros nove meses de 2024, as adições de capacidade de energia solar – que já superou a hidrelétrica e a nuclear em capacidade instalada – e eólica foram as maiores entre todas as fontes primárias de geração energética, representando quase 90% da construção de novas infraestruturas no setor em todo o mundo.
A energia solar foi a única fonte primária de geração de energia a registrar crescimento expressivo de capacidade em 2024, com um aumento de 88%, alcançando 18,6 gigawatts (GW) em todo o mundo. Como resultado, no período, a energia solar ultrapassou globalmente a hidrelétrica e a nuclear em capacidade instalada, tornando-se a quarta maior nesse critério. Já as adições de capacidade eólica registraram uma queda de 14% em relação à última edição do relatório, totalizando 2,6 GW. Essa redução foi impactada por desafios persistentes relacionados à cadeia de suprimentos, financiamento e processos de licenciamento. Apesar dessas dificuldades, o setor de geração eólica atingiu um marco histórico global ao superar a geração de energia a carvão por dois meses consecutivos pela primeira vez.
Os dados do estudo também apontam que o armazenamento de energia em baterias foi responsável pela segunda maior parcela das adições de capacidade, com um aumento de 64%, atingindo 7,4 GW globalmente. O excedente da geração de energias eólica e solar aparece como terceiro principal uso relatado pelas concessionárias para o armazenamento em baterias, ficando atrás de arbitragem e de regulação de frequência.
"Com os avanços previstos para este ano, o setor de energia renovável se posiciona globalmente como uma força central na transição para uma matriz energética mais sustentável e diversificada. A combinação de inovações tecnológicas, políticas públicas e colaborações estratégicas promete acelerar o crescimento e superar os desafios da crescente demanda global por energia limpa. No Brasil, o mercado apresenta um cenário promissor para 2025, com expectativas de crescimento impulsionado por investimentos e políticas públicas favoráveis. Contudo, é fundamental abordar os desafios de infraestrutura para garantir a sustentabilidade desse crescimento", afirma Guilherme Lockmann, sócio-líder de sustentabilidade e para o segmento de Power, Utilities & Renewables da Deloitte.

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