Quando avaliamos os principais vetores que podem facilitar o processo de descarbonização, ou seja, a redução na atmosfera da emissão de gases de efeito estufa (GEE), visando maior sustentabilidade ambiental, encontramos estratégias que nos permitem racionalizar e estruturar os nossos comportamentos de modo a potencializar os resultados, que de outra forma demorariam muito mais tempo para serem alcançados.
Uma dessas estratégias é classificar as várias ações possíveis que podem contribuir para o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Ação pelo Clima) - em "10 mandamentos", seguindo o exemplo que levou Moisés a promover, junto do povo que liderou do Egito à terra prometida, a adoção das regras que ainda hoje são universalmente válidas, mesmo 3.300 anos depois.
Seguramente, os 10 mandamentos da descarbonização descritos a seguir não serão mais válidos daqui a 100 anos, mas sem dúvida são muito importantes nos dias de hoje:
- Educação e Conscientização - promover a conscientização pública sobre os impactos das emissões dos GEE e a importância da sua forte redução, imediatamente, principalmente junto às pessoas mais velhas, nascidas e criadas em tempos em que o meio ambiente não fazia parte das discussões e que, ainda por cima, são as que lideram hoje os processos, projetos e investimentos nas empresas e na administração pública.
- Legislação - fundamental para nivelar a concorrência - não permitindo que quem saia em primeiro lugar em defesa da proteção ambiental chegue em último na competitividade econômica - forçando uma mudança drástica de comportamentos.
- Consumo consciente e exigente - repensar os hábitos para consumir produtos e serviços de maneira mais responsável. Incentivar, também, a produção mais próxima do consumo, além do uso de embalagens menores e biodegradáveis, visando menor impacto ambiental.
- 3 R's (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) - apresentada na Conferência da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro, a metodologia dos 3 R's chama a sociedade para a alteração dos seus comportamentos perante os produtos que são produzidos e colocados à sua disposição.
- Mobilidade e Transporte - estima-se que o transporte de mercadorias represente, sozinho, cerca de 11% do total das emissões globais de GEE, pela dependência histórica dos combustíveis fósseis. Os combustíveis de nova geração, bem mais sustentáveis, vão demorar vários anos para terem utilização universal - fazendo com que as indústrias alterem a forma como calculam a eficiência das suas cadeias de abastecimento, levando em conta o critério "emissões" além dos critérios "custo" e "tempo" no que diz respeito aos transportes.
- Gestão eficiente de energia - a implementação do horário de verão faz todo o sentido no centro-oeste, no sudeste e no sul do Brasil, para o aproveitamento da luz solar no final do dia, sem comprometer a atividade no início da manhã. Quem madruga sabe que em novembro, dezembro e janeiro já é dia pleno às 5h30, mas ninguém trabalha até às 7h. Uma hora e meia de luz natural desperdiçada que poderia ser utilizada à noite, no regresso a casa, prolongando o período sem necessidade de luz nas casas, ruas e estradas.
- Agro sustentável - o gás metano gerado pela pecuária brasileira é a principal emissora de GEE uma vez que este gás é 86 vezes mais nocivo para a atmosfera do que o CO2. É possível melhorar a gestão dos dejetos dos animais, a utilização de biodigestores e a promoção da utilização do metano como biogás renovável.
- Inovação e Tecnologia - carros elétricos, ônibus a hidrogênio verde, navios com biofuel etc. são bons exemplos de como a Inovação e a Tecnologia têm sido utilizadas para um mundo menos poluído. Promover e incentivar fiscalmente a inovação com vista a resultados de emissões "zero" ou "neutro" deveria fazer parte de uma política verdadeiramente sustentável.
Na logística, o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental é um desafio inerente ao processo de descarbonização. A formulação de cadeias de abastecimento mais sustentáveis, com a inclusão de critérios ambientais nas decisões estratégicas, é primordial para edificar um setor logístico mais resiliente e sustentável. O caminho verde não é o mais fácil, e seguramente não é o mais barato, mas exige um compromisso inabalável de todos. Pelos nossos filhos e netos.
Armazenamento de grãos é grande oportunidade para o crédito privado
As deficiências nos setores de logística e armazenamento representam obstáculos ao desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Isso fica evidente ao comparar o crescimento da capacidade de armazenamento de grãos com o aumento da produção de 2010 a 2023. A capacidade de armazenamento foi reduzida em um terço desde que atingiu 91% em 2010, terminando 2023 com uma capacidade de cerca de 60%. Um percentual muito distante do recomendado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que sugere que a capacidade de armazenamento de um país seja 1,2 vezes sua produção agrícola anual.
Diferente dos Estados Unidos, onde as unidades de armazenamento estão próximas ou fazem parte do complexo agrícola, no Brasil, apenas 15% das fazendas possuem armazéns ou silos, de acordo com dados da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Ao mesmo tempo, esse percentual é de cerca de 54% nos Estados Unidos. No Canadá, chega a cerca de 80%. Além disso, no Brasil, a infraestrutura de armazenamento de grãos consiste principalmente em unidades específicas para armazenamento a granel (silos), que representam 78% da capacidade total. Os outros 22% são compostos por armazéns convencionais, que utilizam sacos e fardos para armazenar o produto, apresentando desvantagens na conservação e nas operações de carga e descarga dos grãos em relação ao sistema de silos.
Essa característica se torna clara ao analisar os dados que mostram que o maior déficit de armazenamento de grãos no Brasil está concentrado na região Centro-Oeste, responsável pela maior produção de grãos do país. Isso ocorre principalmente no Mato Grosso, que, apesar de possuir a maior capacidade de armazenamento de grãos entre os estados brasileiros - cerca de 38 milhões de toneladas - sua capacidade não atinge nem metade de sua produção de grãos. O déficit de armazenamento expõe os produtores de grãos brasileiros não só da região Centro-Oeste, mas de todo o Brasil, a perdas econômicas significativas, pois precisam vender grande parte de sua produção durante o período da colheita, o que implica em assumir custos de frete mais elevados (significativamente maiores durante a colheita) e receber preços abaixo do valor internacional para seus produtos ao utilizar como referência o valor da Bolsa de Chicago.
Com safras recordes em 2024 e o alto déficit de armazenamento de grãos, os preços de exportação de soja e milho estão em níveis negativos em relação ao mercado internacional. A primeira estimativa para a safra de grãos na temporada 2024/2025, realizada pela CONAB, aponta para uma produção de 322,47 milhões de toneladas. O volume representa um crescimento de 8,3% ao obtido em 2023/24, ou seja, 24,62 milhões de toneladas a serem colhidas a mais que no ciclo anterior. Com a perspectiva de aumento da produção, a baixa nos preços tende a ser uma constante nos próximos anos, caso não sejam feitos novos investimentos no setor de armazenamento. Um estudo realizado pela Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos (CSEAG) da Abimaq indica que seriam necessários cerca de R$ 10 bilhões por ano, durante dez anos, para que o déficit de armazenamento fosse zerado até 2030.
No entanto, os dados mais recentes indicam que os investimentos estão muito aquém da capacidade de armazenamento necessária para o crescimento da produção. O principal programa de crédito (público) para esse fim, o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), disponibilizou em 2022 apenas R$ 4,12 bilhões. O programa oferece crédito de até R$ 50 milhões a ser pago em 12 anos, com carência de até dois anos, e com taxas de juros entre 7% e 8,5% ao ano, dependendo do tamanho da unidade de armazenamento. Recentemente, o Banco do Brasil e o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) anunciaram R$ 1,5 bilhão em crédito para a construção de armazéns.
Ainda assim, a média histórica indica que cerca de 70% do volume de crédito público disponibilizado é contratado. As razões para a demanda reduzida são o excesso de garantias exigidas, a alta burocracia, o baixo interesse do mercado por esse tipo de projeto e a falta de percepção sobre o "déficit" de armazenamento e seus custos.
Segundo Tadeu Vino, superintendente comercial e de marketing da Kepler Weber, empresa brasileira voltada para serviços de pós-colheita, os lucros dos produtores podem ser aumentados em cerca de 15% com novas instalações de armazenamento, permitindo que o valor investido seja recuperado em cinco ou seis anos. Quando bem mantida, com manutenção preventiva, uma unidade de armazenamento pode durar mais de 30 anos. Um estudo da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística (CTLOG) indica que a Taxa Interna de Retorno (TIR) de um investimento desse tipo seria de 6% ao ano e que a taxa média de ocupação para tornar o negócio economicamente viável seria de 62%.
Portanto, acumula-se anualmente um déficit de investimento em armazenamento de pelo menos R$ 5 bilhões em crédito, enquanto o setor tem prejuízos de R$ 20 bilhões. Há um potencial de retorno para produtores e empresários que investirem nesse setor, em particular no armazenamento a granel (silos), assim como um grande potencial para a expansão do crédito privado para esse fim. Com fontes de crédito menos burocratizadas e atreladas aos resultados dos empreendimentos, todas as partes envolvidas terão parte dos ganhos que o setor de exportação de commodities brasileiro proporcionará nas próximas décadas.