A cerimônia na B3 de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), realizada na terça-feira passada, encerrou o processo de venda, mas está longe de ter acabado com a polêmica em torno da desestatização. Desde que começou a se desenhar, em fevereiro do ano passado a partir de um estudo de viabilidade pelo IFC (International Finance Corporation), a iniciativa tem sido foco de discussões acaloradas e alvo de críticas.
Ao longo do processo de privatização da Sabesp, tanto a desestatização em si quanto o modelo escolhido pelo governo foram alvos de críticas e controvérsias pelo mercado e pela população. Em uma pesquisa Datafolha realizada no ano passado, a privatização foi rejeitada pela maior parcela dos moradores do estado de São Paulo. De acordo com o levantamento, 53% dos entrevistados disseram ser contra a transferência da empresa para a iniciativa privada, enquanto 40% eram a favor. A minoria (1%) declarou ser indiferente, e 6% não sabiam.
Além disso, especialistas criticaram as regras da privatização, argumentando que o formato escolhido para a oferta de ações privilegiava uma proposta com valor menor, não a maior - como costuma ser o critério para processos de desestatização.
Outra preocupação foi com uma cláusula que limitou a participação do acionista de referência da Sabesp em novos leilões de saneamento, diminuindo a concorrência. Na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), a aprovação da privatização da Sabesp teve idas e vindas e foi palco de tensão, com manifestação violenta de sindicatos.
Uma das principais bandeiras da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) no governo de São Paulo, a privatização, que teve a Equatorial como única interessada em se tornar acionista de referência, levantou R$ 14,77 bilhões para a administração estadual. A empresa ofereceu R$ 67 por ação, valor cerca de 20% inferior ao preço do papel da companhia atualmente, que encerrou a sessão desta terça-feira no patamar de R$ 88.
O deputado federal e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, criticou o valor que o governo estadual conseguiu pelas ações vendidas da companhia de saneamento.
"Um nada, se lembrarmos que a Sabesp deu lucro de R$ 3,5 bilhões só no ano passado e tinha um plano de investimentos de R$ 47,4 bilhões para o quadriênio de 2024-2028", disse no X (antigo Twitter). Ele também criticou a atuação da Equatorial na gestão do saneamento de Macapá.
"A gente fica com o coração apertado, porque sabe que o descaso dessa gente, que não está nem aí para quem mais precisa, vai trazer sofrimento para o nosso povo. Mas com coragem e firmeza a gente não vai permitir que uma Enel da Água seque as torneiras de São Paulo", escreveu Boulos, cujo principal rival na disputa municipal, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), é apoiado por Tarcísio.
"Concluiu-se hoje um desastre promovido por Tarcísio de Freitas", escreveu também no X a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). Ela lembrou o fato de a presidente do conselho da Sabesp ter deixado um cargo no conselho da Equatorial há poucos meses, conforme revelado pela Folha.
Um outro ponto levantado pelos críticos à privatização é que empresas líderes em saneamento privado no País hoje enfrentam questionamentos sobre as tarifas praticadas após a concessões de prestação de serviços de água e esgoto.
Conforme mostrou reportagem da Folha de S.Paulo de agosto de 2023, a Aegea, maior vencedora dos leilões de saneamento básico realizados no País nos últimos anos, enfrenta embates sobre as tarifas e os serviços prestados.
Em Campo Grande, a questão foi parar na Justiça. Em Manaus, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) aberta para investigar a qualidade dos serviços culminou num acordo para reduzir tarifas. A empresa, aliás, era apontada como uma das potenciais concorrentes pela Sabesp, mas acabou não apresentando proposta.
Sobre o assunto, o governo Tarcísio de Freitas já afirmou que haverá "um aumento menor" da tarifa após a privatização. "A tarifa vai subir, mas a privatização garante que ela vai subir num valor menor", disse no fim do ano passado. Em abril deste ano, no entanto, a gestão estadual disse que a privatização vai resultar na redução de 10% na tarifa social de água, destinada à população mais vulnerável. Nas demais categorias, a diminuição seria de 1% para consumo residencial e 0,5% para comercial e industrial.
Por outro lado, a venda da companhia recebeu manifestações de apoio, como a manifestada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com a entidade, a desestatização da Sabesp abre um novo ciclo de leilões e confirma a atratividade do setor para a iniciativa privada. A CNI avalia o processo de desestatização como um passo importante para a universalização do saneamento básico, melhoria da saúde e da qualidade de vida da população e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
"Os investimentos em saneamento têm potencial de alavancar a economia local, por meio da criação de empregos e renda para a população, e de contribuir para a qualidade de vida dos cidadãos. Além disso, têm efeito multiplicador em uma longa cadeia produtiva", afirma Ricardo Alban, presidente da CNI, por meio de nota.