Stela Kos
Diretora de Mobilidade da TÜV Rheinland
O ano de 2023 terminou com uma notícia que mexe com toda a cadeia produtiva do setor automobilístico – a assinatura do Governo Federal, no dia 30 de dezembro, da Medida Provisória que cria o programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que prevê novas exigências de sustentabilidade para a frota automotiva e estimula a produção de novas tecnologias nas áreas de mobilidade e logística, ampliando o escopo do antigo Rota 2030.
Idealizado pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o novo programa irá expandir os investimentos em eficiência energética, incluir limites mínimos de reciclagem na fabricação dos veículos e cobrar menos imposto de quem polui menos, criando o IPI Verde. O objetivo é impulsionar a descarbonização do setor automotivo.
O incentivo fiscal para que as empresas invistam em descarbonização e se enquadrem nos requisitos obrigatórios do programa será de R$ 3,5 bilhões em 2024, R$ 3,8 bilhões em 2025, R$ 3,9 bilhões em 2026, R$ 4 bilhões em 2027 e R$ 4,1 bilhões em 2028, valores que deverão ser convertidos em créditos financeiros. O programa alcançará, no final, mais de R$ 19 bilhões em créditos concedidos. No Rota 2030 o incentivo médio anual, até 2022, foi de R$ 1,7 bilhão. Esse modelo de programa tem sido adotado por diversos países e o mais recente, dos Estados Unidos, tem um montante de créditos de US$ 50 bilhões.
A Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) divulgou um comunicado onde afirma que o programa pode atrair mais investimentos e dar mais previsibilidade para o setor.
Do poço à roda e o IPI Verde
O novo programa aumenta os requisitos obrigatórios de sustentabilidade, com a meta de reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030, estabelecendo requisitos mínimos para que os veículos saiam das fábricas mais econômicos, mais seguros e menos poluentes.
O Mover, que é um programa de Mobilidade e Logística Sustentável de Baixo Carbono, inclui a medição das emissões de carbono "do poço à roda", ou seja, considera todo o ciclo da fonte de energia utilizada. No caso do etanol, por exemplo, as emissões serão medidas desde a plantação da cana até a queima do combustível, passando pela colheita, pelo processamento e pelo transporte, entre outas etapas. O cálculo também vale para as demais fontes propulsoras, como bateria elétrica, gasolina e biocombustível.
Em uma segunda etapa o cálculo será feito “do berço ao túmulo”, ou seja, vai abranger a pegada de carbono de todos os componentes e de todas as etapas de produção, uso e descarte do veículo, sem excluir o modelo “do poço à roda”.
O Mover prevê, também, o sistema “bônus-malus” (recompensa/penalização) na cobrança de IPI, o chamado IPI Verde, a partir de indicadores que levam em conta a fonte de energia para propulsão, o consumo energético, a potência do motor, a reciclabilidade e o desempenho estrutural e tecnologias de assistência à direção.
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Como entregar dados confiáveis?
Não existe dúvida de que o programa Mover será um grande impulso aos projetos de descarbonização do setor automobilístico, mas precisa ter regras para que sejam efetuadas as medições, requisitos que devem ser atendidos e normas para a entrega desses dados.
Caso contrário, informações discrepantes podem levar a resultados errôneos no inventário de carbono das plantas e na pegada de carbono dos veículos comercializados, por exemplo, e, consequentemente, gerar benefícios não válidos. As informações podem ser validadas por organismos independentes, de modo que possam ser facilmente auditadas.
Outra questão é a qualidade dos produtos e equipamentos utilizados em toda a cadeia produtiva, desde a linha de produção, fontes de energia até a reciclabilidade do veículo, requisitos que podem ser avaliados e certificados, assim como a gestão de todo o ciclo de vida e práticas de gerenciamento sustentável.
Os requisitos de reciclabilidade não são novos no setor automotivo; há muito tempo, eles têm sido incorporados ao processo de aprovação de peças e declarados publicamente por meio do sistema IMDS.
Agora, esses requisitos ganham uma relevância adicional, uma vez que o objetivo primordial é promover os centros de desmontagem e reciclagem. Portanto, os materiais e substâncias declarados devem corresponder exatamente ao que foi apresentado.
A questão da eficiência energética também impulsionará um novo entendimento por parte do consumidor final e estará mais alinhada com os padrões internacionais de avaliação e taxação.
No entanto, tudo isso depende da colaboração de todos os setores da sociedade, incluindo governo, indústria, provedores de serviços, instituições de pesquisa, entre outros, trabalhando em conjunto para criar uma economia mais dinâmica e sustentável, capaz de enfrentar os desafios de um mundo em constante transformação social e ambiental.