A Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nº 3.665/2023 sobre o trabalho em feriados entrará em vigor em julho deste ano. Após várias prorrogações pelo governo, a portaria foi publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de dezembro de 2024.
Esse ato administrativo restabelece a legalidade em relação ao trabalho em feriados, considerando que o tema, no caso do comércio, é regulamentado pela Lei nº 10.101/2000, alterada pela Lei nº 11.603/2007.
Essa legislação exige que a permissão para o trabalho em feriados seja negociada entre trabalhadores e empregadores por meio de convenção coletiva, além de respeitar as legislações municipais aplicáveis (art. 6º-A).
De acordo com o governo, a nova norma vem corrigir a Portaria nº 671/2021 que autorizou o trabalho em feriados. Para tratar do assunto, a gerente do Núcleo Jurídico Sindical Trabalhista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Márcia Duarte, concedeu entrevista ao Caderno Contabilidade JC.
JC Contabilidade - As novas regras trazem avanços? Elas são positivas ou não?
Márcia Duarte - Oportuno esclarecer que as referidas regras dizem respeito exclusivamente ao trabalho em feriados, não abrangendo o labor aos domingos, uma vez que, conforme Lei 10.101/2000, o domingo é considerado dia normal de trabalho. As novas regras ainda estão em processo de negociação no âmbito no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ademais, qualquer proposta que imponha restrições (inexistentes anteriormente) à livre iniciativa e, por consequência, ao desenvolvimento econômico e social, além do impacto direto na empregabilidade, será interpretada como um retrocesso.
JC Contabilidade - Qual é a posição da Fecomércio RS em relação ao tema?
Márcia - A Fecomércio RS reafirma seu compromisso com a defesa da livre iniciativa, princípio fundamental para o desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, a inclusão de qualquer nova restrição à abertura do comércio será prejudicial não apenas aos empresários, mas também a toda a sociedade, que deve ter garantido o direito de escolha - tanto para decidir quando e onde realizar suas compras.
JC Contabilidade - As novas regras de trabalho devem impactar as empresas de qual maneira?
Márcia - Ressaltamos que qualquer restrição à abertura do comércio impactará diretamente não apenas o faturamento das empresas, mas também a remuneração dos trabalhadores, especialmente daqueles que recebem por comissões. Em cidades cuja economia é fortemente sustentada pelo turismo, por exemplo, a imposição de fechamento de estabelecimentos trará prejuízos significativos. Perdem os trabalhadores, que veem sua renda reduzida, perdem as empresas, que enfrentam queda nas vendas, de forma que toda a cadeia econômica relacionada ao comércio de bens e de serviços é afetada.
JC Contabilidade - Como a necessidade de acordos coletivos pode ter custos?
Márcia - Os sindicatos, tanto patronais quanto laborais, possuem, nos termos da Constituição Federal, o dever de resguardar os interesses das categorias que representam nas negociações coletivas. Esse serviço já é regularmente desempenhado. Dessa forma, a previsão da necessidade de negociação coletiva não acarretará custos adicionais com assessoria jurídica aos sindicatos, uma vez que estes existem justamente para representar suas categorias e defender seus interesses.
JC Contabilidade - Haverá a necessidade de pagamento de horas extras e adicionais em feriados?
Márcia - As empresas que operam em feriados já estão devidamente adaptadas às exigências relacionadas às escalas de trabalho e o regramento normalmente vem disposto nas Convenções Coletivas de Trabalho a fim de conferir maior segurança jurídica e trazer orientações básicas e indispensáveis aos empregadores. Há empresas que contratam especificamente para jornadas que abrangem sextas-feiras, sábados e domingos, bem como para atuação exclusiva em feriados.
JC Contabilidade - Conforme a Portaria 3.665/2023 os custos e adaptações das empresas poderão aumentar?
Márcia - Defendemos a abertura do comércio em geral, pois sua restrição pode gerar impactos significativos tanto para empresas quanto para trabalhadores. A limitação da atividade comercial em feriados pode, portanto, comprometer a empregabilidade, reduzindo postos de trabalho e impactando negativamente a economia e na oferta de serviços essenciais à população.
JC Contabilidade - Qual é a sua análise sobre as novas regras para os trabalhadores?
Márcia - O texto em questão trata da negociação coletiva entre os sindicatos de representação patronal e laboral, ou seja, através de convenção coletiva de trabalho, reforçando a importância do diálogo entre as partes para a construção de condições equilibradas de trabalho. No que se refere aos impactos para os trabalhadores, é essencial destacar que as normas trabalhistas têm como principal objetivo a proteção do salário e da pessoa do trabalhador. Essa proteção está assegurada tanto pela Constituição quanto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e essa regra não muda com a possibilidade de abertura nos feriados.
JC Contabilidade - O trabalho nos feriados será autorizado apenas em atividades permitidas pela norma, como em serviços essenciais (hospitais, farmácias, transporte público) e as atividades autorizadas por lei ou convenção coletiva (comércio, turismo). Pode comentar?
Márcia - Reconhecemos que a negociação coletiva pode ser um meio adequado para tratar do tema, garantindo o equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores e empregadores. No entanto, considerando as peculiaridades de determinadas atividades econômicas, entendemos ser pertinente a manutenção da autorização para funcionamento nos feriados independentemente de convenção coletiva de trabalho. Essa medida visa assegurar a continuidade das atividades essenciais, a preservação dos empregos e o atendimento adequado às demandas da sociedade.
JC Contabilidade - O empregador pode ser multado?
Márcia - O ministério do Trabalho é responsável, entre outras políticas relacionadas à geração de emprego e apoio ao trabalhador, pela fiscalização do cumprimento da legislação vigente a respeito da saúde e segurança do trabalhador, bem como pelo cumprimento das negociações, aplicando autuações conforme previsto na legislação vigente.
JC Contabilidade - Como as empresas devem se preparar para atender a essas novas regras?
Márcia - Conforme exposto anteriormente, considerando as demandas específicas de consumo de cada região e setor econômico, é prática comum a manutenção do funcionamento ininterrupto de determinados estabelecimentos. Nesse contexto, as negociações coletivas frequentemente estabelecem normas para o trabalho em feriados, ajustando-se às necessidades do setor e da localidade.
JC Contabilidade - Há considerações finais?
Márcia - A forma das relações de trabalho vem progressivamente sendo alterada em decorrência da tecnologia e novos modelos de trabalho, motivo pelo qual a negociação coletiva é meio hábil para garantir a atualização necessária e constante das formas de trabalho e jornada. Nesse sentido, a imposição de restrições ao trabalho em feriados representa mais um obstáculo ao empreendedorismo no País, dificultando a adequação das atividades econômicas às demandas do mercado e ao desenvolvimento sustentável dos negócios. Diante desse cenário, torna-se essencial um debate equilibrado, que concilie a proteção dos direitos trabalhistas com a necessidade de flexibilização para garantir a competitividade e o crescimento econômico.