Laís Machado Lucas
Advogada e professora de Direito Empresarial
Advogada e professora de Direito Empresarial
A potência das empresas pode se revelar tanto por meio das contribuições positivas que elas podem oferecer à sociedade (como geração de riqueza, abertura de postos de trabalho e desenvolvimento de tecnologias) quanto dos seus eventuais impactos negativos (como degradação ambiental, práticas fraudulentas e desrespeito aos colaboradores). Sobre essa última possibilidade, Rui Barbosa já advertia: “A improbidade, a deslealdade e a má-fé, detestáveis em todas as relações da vida, no comércio, principalmente, são lepra”.
Para prevenir tal “doença”, as companhias brasileiras têm sido cada vez mais compelidas a adotar medidas de compliance ou, em bom português, regras e práticas que assegurem a conformidade com a legislação e com as normas e políticas corporativas.
Um eficiente programa de compliance pode ser um grande aliado na detecção precoce de eventuais problemas e na remediação de ilícitos como, por exemplo, a violação aos direitos humanos, evitando prejuízos financeiros e danos à reputação do negócio. Afinal, quando as ações das empresas causam algum impacto negativo na sociedade, não é flagrante, apenas, a falha moral. A desobediência da legislação ou o cometimento de alguma ilegalidade evidencia um descuido com a imagem da companhia, bem como a falta de comprometimento com a longevidade e a prosperidade do negócio.
Donald Cressey explicou o fenômeno em sua teoria do Triângulo da Fraude. O autor definiu que toda conduta fraudulenta é o resultado da ação de três forças: pressão, oportunidade e racionalização. Em um ambiente corporativo, isso pode ser observado na pressão por resultados, nas falhas de governança e no custo-benefício percebido pelos executivos ao ponderar os riscos no cometimento de fraudes versus os ganhos potenciais.
Setenta anos após o diagnóstico de Cressey, é possível afirmar que o Brasil teve um expressivo desenvolvimento das estruturas de governança corporativa e de compliance das empresas. No entanto, é consenso de que há espaço para avançar cada vez mais.
As soluções existem, mas é fundamental garantir que elas sejam aplicadas. Para prevenir a corrupção, por exemplo, o Brasil conta, desde 2013, com a Lei nº 12.846, também conhecida como Lei Anticorrupção. A legislação trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos ilícitos contra a administração pública, tendo introduzido no ordenamento jurídico brasileiro o conceito de Programas de Integridade, capazes de detectar irregularidades e garantir a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta.
Entendo que há algo maior a ser preservado, para além de cada empresa individualmente considerada. Há uma tentativa de resgate da credibilidade do mercado, especialmente o brasileiro, que foi e continua sendo assolado pela percepção de más práticas em diversas áreas (ambientais, sociais, administrativas e trabalhistas, entre outras). Infelizmente, recai sobre a cultura do País os rótulos do oportunismo, dos ganhos secundários e do famoso “jeitinho brasileiro”. E não é de hoje que existe um coro de que é preciso mudar essa percepção negativa – e, principalmente, essas práticas.
A lógica empresarial funciona pela força motriz da lucratividade. Mas isto não deve ser a qualquer custo. Para que seja dada verdadeira importância às boas condutas, é imprescindível que os stakeholders vejam valor nelas, não necessariamente para auferir lucros, mas para evitar custos, sejam financeiros ou reputacionais. E, nesse sentido, não basta ter programas de integridade de fachada, visando meramente cumprir a exigência de alguns fornecedores ou porque a equipe de comunicação e marketing recomendou que seria de bom tom tê-los. É importante que eles funcionem e que cumpram seu papel de prevenir, detectar e punir práticas ilícitas.
Nenhum documento, sozinho, será capaz de converter anos de práticas duvidosas. Também é verdade que nenhum programa, por melhor e mais monitorado que seja, terá 100% de eficácia. O pensamento compensatório é que esses programas devem detectar precocemente ou prevenir uma série de ilícitos que sequer chegam ao conhecimento público. Essa é – ou deveria ser – a verdadeira métrica de sucesso quando assunto é o compliance empresarial: aquilo que nem se chega a saber.