Liderar um escritório com 40 funcionários e cerca de 500 clientes, por si só, seria um desafio. Porém, junto a essa atividade, presidir uma das maiores federações do Rio Grande do Sul, é ainda mais desafiador. Com 78 anos, Luiz Carlos Bohn divide-se entre o escritório com sede em São Sebastião do Caí e a presidência do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac-RS.
Empresário e bacharel em Ciências Contábeis, Bohn teve outras possibilidades profissionais, mas o gosto pelos números o manteve na área. Há 58 anos administra a LC Bohn Contabilidade, tendo testemunhado as mudanças na área. "Sou um grande empresário de pequenos negócios", disse.
Em entrevista ao JC Contabilidade, o dirigente conta um pouco da sua trajetória, dos desafios e das conquistas pessoais e profissionais.
JC Contabilidade - Como foi o início do escritório?
Luiz Carlos Bohn - Foi em 1967, eu tinha 21 anos, havia terminado o curso de técnico e começado a faculdade. Fui convidado pelo, na época, meu futuro sogro para trabalhar enquanto não começasse a Aman (Academia das Agulhas Negras) no Rio de Janeiro. Comecei a trabalhar e fui ficando. Não me arrependo de não ter sido militar. Tempos depois, comprei a parte dele, incorporei outros escritórios do interior do Estado, o que formou a grande clientela que temos no Vale do Caí. São 28 municípios, além de Porto Alegre, outros estados do país e no exterior.
Contab - Quais foram as principais mudanças daquele período para cá?
Bohn - Os profissionais de hoje não acreditariam. Em 1967, as máquinas que tínhamos eram apenas somadoras, não faziam cálculo, eram manuais, com manivela. Pelo início da década de 1970, surgiram as elétricas e, ali por 1980, a primeira máquina eletrônica. E foi evoluindo para o computador. O nosso primeiro computador foi há 36 anos, justamente quando entrou minha sócia, Lígia Helena Poersch. Tivemos o CP-500 da Prológica. Hoje temos programas que usam Inteligência Artificial dentro da sua plataforma. Eu diria que hoje fazer contabilidade, escriturar, não é o mais difícil com o sistema informatizado.
Contab - Há quem diga que a profissão de contador pode desaparecer.
Bohn - Não acredito. Temos coisas distintas, entre fazer o registro e tirar os informativos, que é o balanço e a análise destes números. Talvez escrituração, registro de débito e crédito para extrair o balanço e demonstração de resultados e os índices contábeis a máquina faça sozinha. Mas, essa parte que eu chamo de ciência contábil, a análise destes dados e da criação dos próprios programas, estes não serão substituídos pela máquina, precisam de profissional para analisar dados e dar a devida demonstração.
Contab - O perfil do contador está se modificando com a chegada dessas tecnologias?
Bohn - Não só por isso. Somos mais prestadores de informações às autoridades porque, cada vez mais, o governo exige. Às vezes pedem de novo, e outros órgãos pedem a mesma coisa. Temos, por exemplo, programas que nos indicam quais foram as obrigações acessórias que foram cumpridas. Todas as segundas-feiras pela manhã eu recebo um relatório das obrigações acessórias que foram cumpridas ou não cumpridas por departamento, por pessoa e por tipo de obrigação. Essa é a nossa grande preocupação hoje: as plataformas têm dados abertos que servem para interpretação de várias situações e para fiscalização. Isso, cada vez mais, se fará através dos dados disponibilizados pelos contribuintes e pelas empresas. E precisa ser abastecido pelos contadores, pelos RHs. Muito mais do que ser um escriturador ou um analista de dados, o contador é um prestador de informações relevantes das empresas para o fisco, sob pena de multas altas, muito mais altas do que os próprios tributos, caso não sejam pagos. Cada vez mais entregamos informações digitais, não mais em papel, o que é bom. Por outro lado, essas obrigações se avolumam muito. Praticamente consomem todo tempo e custam muito dinheiro se não cumpridas.
Contab - Qual a importância da classe contábil neste momento de regulamentação da Reforma Tributária?
Bohn - Primeiro, entender. Serão oito anos de transição em que vamos continuar com o regime antigo e vamos fazer um novo regime, simultaneamente. Isso quer dizer que teremos o dobro de trabalho, temos que fazer pelo anterior e pelo novo. O que se espera é que depois tenhamos redução de dificuldade de interpretação. A reforma tributária tem dois pilares básicos: simplificação e neutralidade na carga tributária. Ou seja: não deveria ter nem aumento nem redução da carga tributária. Acredito que teremos simplificação com o tempo. Em um primeiro momento haverá maior dificuldade porque teremos que conviver com dois sistemas, dois regimes, duas legislações ao mesmo tempo. Mas a carga tributária, acredito que vai aumentar, infelizmente. É inexorável. Se a carga aumentar, o PIB vai diminuir e a inflação também aumentar. Lá adiante o governo terá, por própria decisão, que reduzir essa carga novamente. Será impossível. Uma sociedade não consegue pagar tributos em grande quantidade sem receber o retorno disso para aumentar a produtividade.
Contab - Nesses 58 anos, qual foi a maior dificuldade e a maior realização?
Bohn - As dificuldades ficaram lá atrás, quando tudo era manual. Era uma mão de obra incrível. Hoje convivemos com mais facilidades. A maior realização foi ver o que nosso grupo fez durante as enchentes. Com essa tragédia toda pela qual passamos com as enchentes, nossa empresa ficou 1,5 metro dentro d´água. Ver as pessoas todas engajadas, recuperando a empresa, procurando colocar tudo no seu lugar, foi um orgulho. Em 48 horas estava tudo funcionando, com o RH com as folhas de pagamento entregue - porque os funcionários dos nossos clientes não poderiam ficar sem receber seu salário. Temos que entender que o valor de uma empresa não está na sua marca, no seu espaço físico, no seu patrimônio.
Contab - Como o senhor foi pelo caminho da representatividade em uma federação?
Bohn - Sou empresário há 58 anos e defendo os empresários. Sou do lado do cliente, da venda e da prestação dos serviços, por saber da dificuldade que é empreender no Brasil. Na década de 1990 fui convidado pelo Gatti (Ivan Carlos Gatti, ex-presidente dos conselhos Federal e Regional de Contabilidade), um grande símbolo da Contabilidade do RS, a ser membro do Sescon, por onde passei e me tornei presidente. E, dali, fui guindado a vice-presidente financeiro na fusão de cinco federações que se tornaram Fecomércio. E depois o grupo me elegeu presidente, certamente pelo meu pendor em entender a dificuldade dos dois lados do balcão. Me considero um grande empresário de pequenos negócios. Nessa condição, consigo sentir a dor dos mais fracos e, também, dos mais fortes, como a Fecomércio faz.