Estar atualizado às novas legislações e às mudanças no cenário econômico, cumprir prazos e atender o cliente de forma eficiente não são os únicos desafios da profissão de contador. As dificuldades na rotina dos profissionais da área vão além da complexidade da legislação fiscal e necessidade de especialização contínua. A pressão pela produtividade e excelência na prestação ao cliente podem estar deixando de lado a própria empresa, sobretudo não promovendo estratégias de superar eventuais crises. Exemplo conhecido foi o que aconteceu na mudança do milênio, quando era grande o temor com a perda de dados, e também durante a pandemia de Covid, que atingiu empresas em diferentes graus de gravidade.
A profissão de contador é fundamental para o bom funcionamento das empresas e da economia. No entanto, estar atento a organização, o controle e análise das suas próprias finanças é essencial para a gestão de qualquer negócio. "Somos acostumados a cuidar da empresa do nosso cliente, mas esquecemos de cuidar do nosso próprio negócio", alerta o contador Arcenildo Nunes, sócio da Planejar Contabilidade, de Caxias do Sul, e conselheiro do Conselho de Contabilidade do Estado (CRCRS).
Definindo-se um apaixonado por gestão, o contador tem MBA em Economia e é mestre em Administração, formação que vem utilizando para levar a todos os profissionais informações sobre a importância de olhar para dentro da empresa. Ele sugere algumas estratégias para que, antecipando problemas, a empresa possa garantir uma volta à normalidade o mais rápido possível.
Nunes faz um alerta: todo caos, como define os contratempos, tem um impacto financeiro. Para tanto, é fundamental organizar uma reserva financeira de 3 a seis 6 vezes da despesa fixa da empresa. Na pandemia, com a impossibilidade de trabalhar, mas com as obrigações a serem cumpridas, os precavidos sofreram menos.
Outra questão citada pelo contador é a segurança no sistema contábil, que é o coração do negócio. "Seja sistema em servidor local ou em nuvem, tem que ter proteção, independente do porte da empresa. Como está a redundância, o espelhamento, o sistema de backup? A empresa está fazendo o backup de uma máquina para outra ou em mídia removível? Se esta mídia removível fica na empresa e acontece um incêndio? São questões a serem consideradas", suscitou, ao aconselhar a necessidade de dois backups diários.
Os contratos com prestadores de serviços devem ser minuciosamente analisados. Se o escritório utiliza arquivo em nuvem, o contrato com prestador de serviço de tecnologia deve ter cláusula de responsabilidade e garantia de promoção de testes regulares de restauração.
Analisados com muito cuidado também devem ser os contratos de seguros, físicos, de móveis e também de hardwares e softwares. Nunes ressalta que contadores costumam alertar os clientes para a depreciação de móveis e ferramentas, o que diminui o lucro da empresa, mas não fazem para o seu próprio escritório. Outro a ser considerado é o seguro civil profissional. "Podemos ter percebido uma falha que gerou uma multa enorme que vai ser coberto pelo seguro. E se ele não for retroativo e o evento gerador aconteceu a 5 anos atrás? É fundamental olhar este seguro e refazer, se necessário", observa.
Os problemas nas rotinas dos profissionais da Contabilidade podem acontecer em diversas áreas, incluindo, até mesmo, a morte de um dos sócios, o que também deve estar previsto em contrato. Também pode impactar os profissionais a falta de informação e conhecimento, que é o que vem acontecendo em relação à Reforma Tributária e suas alterações. Para minimizar o efeito do "caos" que virá com a Reforma, cabe a cada contador estudar, desde já, as mudanças e preparar os clientes sobre o que vai acontecer. "2026 está chegando e não está longe. Teremos um novo caos, com fusão de tributos e novos tributos. Vamos trabalhar 8 anos com dois sistemas. Precisamos estar preparados desde já", alertou.
'O risco de uma empresa de contabilidade é muito alto, mas empresários não veem'
Classe contábil é muito conservadora, diz Lima, conhecido pelo perfil "Contador Revoltado", que faz sucesso nas redes sociais
lucas lima/arquivo pessoal/JCCom formação em Contabilidade e Direito pela Ufrgs, Lucas Lima lidera a empresa Contplan Contabilidade, onde trabalha desde os 13 anos com a família, mas se tornou conhecido pelo perfil "Contador Revoltado" nas redes sociais. Com 376 mil seguidores no Instagram e outros 284 mil no Tik Tok, Lima fala das dores e mazelas da rotina de profissionais e escritórios de Contabilidade.
A ideia do perfil surgiu em 2021, em plena pandemia, quando fez o primeiro vídeo sobre a irritação com um cliente. Com o vídeo viralizado, percebeu que o assunto era de interesse de muita gente. "A classe contábil é extremamente conservadora. Quando a gente fala algo com ironia, falando mal de cliente ou sobre as nossas dores, encanta", disse, em entrevista ao JC Contabilidade.
A partir do sucesso, Lima construiu outros caminhos, como o stand up, que já está há três anos por todo o Brasil. Foram mais de 100 shows para a classe contábil que vem enchendo plateias.
JC Contabilidade - Como surgiu do perfil?
Lucas Lima - Em março de 2021, fiz o primeiro vídeo na época do Imposto de Renda, quando os clientes estavam mandando documentos. Eles costumam mandar os documentos errados por contador, como conta de farmácia, conta de pet, e querem deduzir. Mandam em cima da hora, querem desconto e choram pelo valor a pagar ao contador. Fiz um vídeo revoltado, falando a verdade sobre o que pensamos quando recebemos aqueles documentos.
Contab - Como foi aceito entre os colegas?
Lima - Na época, foi divulgado muito nos grupos entre os contadores. A classe contábil é extremamente conservadora. Quando a gente fala algo disruptivo, com ironia, falando mal de cliente ou fala mal do processo em si, encanta muito o público que trabalha, o pessoal que vive o dia a dia de empresas contábeis. A partir dali comecei a fazer vídeos de rotina de contador.
Contab - Existe falta de conhecimento sobre a profissão?
Lima - O contador tem pouca visibilidade. Em geral, as pessoas não sabem o que um contador faz no seu dia a dia. A gente vivia muito isolado na nossa profissão. Só nós por nós mesmos. O Contador Revoltado trouxe publicidade para essa área. A gente quebrou um paradigma na profissão, que é não poder rir da nossa desgraça, que é não poder falar sobre verdades.
Contab - Quais são as maiores dificuldades da profissão? Com o que as pessoas mais se identificam?
Lima - Acho que o contador tem duas principais dificuldades. A primeira são os empresários extremamente desorganizados. Não mandam documentos, não mandam extratos e estão sempre endividados. Esses geram muito trabalho. É difícil manter uma contabilidade em dia assim. Mas, quando ele precisa do contador para um financiamento de banco, por exemplo, quer tudo para o outro dia, como se fosse muito fácil processar aquela documentação. Outra dificuldade são órgãos do governo de todas as esferas, municipal, estadual e federal para trabalhar. É preciso entrar no site de cada prefeitura do Brasil, junta comercial de cada estado. E lidar com os sistemas e-Cac e Gov.br. A gente depende do sistema e não tem como evoluir. O governo lança uma nova declaração, o contador tem que cumprir aquela obrigação acessória a partir da li. Se leva uma multa por esquecimento, é o contador que arca porque faz parte da obrigação contratual com o cliente. Não conseguimos fazer porque depende do órgão estatal. Mas como justificar para o cliente? Não posso dizer que não fiz porque o sistema estava travado. Essas são as duas maiores dores. Essas são as maiores revoltas que eu trago.
Contab - O governo não perdoa perder um prazo.
Lima - Exatamente! E aí quando o sistema está travado perto de vencer uma declaração, um prazo que ele mesmo impôs, se passar do prazo, a responsabilidade é do contador. Cada declaração que surge não tem nenhum tipo de negociação. Um exemplo é a última que teve, a Reinf que entrou com distribuição de lucros dos sócios de forma mensal, tem que ser declarado. O governo prometeu finalizar a Dirf no ano passado, por conta da entrada da Reinf. Eles lançaram a portaria sobre a extinção da Dirf, e todos os contadores do Brasil comemoraram o término. Passou um mês, lançaram nova portaria dizendo que ficou para o próximo ano. Isso porque algum órgão de algum lugar pediu para que fosse prorrogado. Vamos ter que fazer, por mais um ano, uma declaração anual com as mesmas informações da Reinf, que é mensal. O contador fica com duplicidade de informações e um risco muito alto pela quantidade de obrigações que tem. Cada obrigação acessória, tem multas milionárias. O risco de uma empresa de contabilidade é muito alto, os empresários não querem pagar muito para o contador porque não veem muito valor nesse risco, de obrigações acessórios por si só. Esses são só alguns dos problemas da classe vivida.
Contab - Qual o pior e qual o melhor cliente?
Lima - O pior cliente é aquele que não enxerga o valor do trabalho do contador, que só quer receber sua guia no final do mês. É a guia de imposto e acabou. O melhor cliente é aquele que tem uma noção que a contabilidade é um auxílio na gestão do negócio dele, é aquele que manda toda a matéria-prima necessária para que o contador possa trabalhar e possa falar sobre o seu negócio com o contador. Esse é o sonho de cliente que a gente quer alcançar na Contabilidade, transformando a cabeça da sociedade, dos empresários e dos contadores também, do posicionamento, da postura dos contadores perante seus clientes.
Contab - O perfil Contador Revoltado é educativo nesse sentido?
Lima - O meu perfil tem a parte de humor e a de gestão. No viés cômico, tem vídeos e sketches do dia a dia da profissão, sátiras sobre o relacionamento de cliente com o contador, do contador com a Receita Federal, com personagens. Existe também o viés de gestão e de valorização da classe contábil. Criei um movimento de posicionamento dos contadores. Tenho um evento que se chama "o ponto fora da curva", que foi realizado esse ano em São Paulo, com mais de 3,5 mil contadores, de equipes de empresas de Contabilidade que vão lá para a aperfeiçoar a gestão dos seus negócios contábeis. Falo sobre quais serviços a oferecer para os clientes, as melhores tecnologias utilizadas para os contadores se valorizarem, para cobrarem melhores honorários, para poderem oferecer serviços diferenciados para o mercado.