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Publicada em 02 de Julho de 2024 às 15:55

Lições da pandemia para a recuperação judicial de hoje

Natiéle Assis
Advogada da área de Reestruturação de Empresas e Falências do escritório SCA – Scalzilli Althaus

Natiéle Assis Advogada da área de Reestruturação de Empresas e Falências do escritório SCA – Scalzilli Althaus

Scalzilli Althaus/divulgação/jc
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Natiéle Assis
Natiéle Assis
Advogada da área de Reestruturação de Empresas e Falências do escritório SCA - Scalzilli Althaus
Em 2020, o mundo teve de lidar com desdobramentos da pandemia da Covid-19. O Brasil não passou ileso, muito pelo contrário: o cenário foi dramático social e economicamente — empurrando para a crise empresas, até então, estáveis e viáveis, além de agravar a situação daquelas que já enfrentavam dificuldades e desafios de reestruturação.

Não fosse o suficiente, o Rio Grande do Sul passou a sofrer duramente com desastres climáticos (com destaque para inundações em 2020, 2023 e 2024) que assolaram todo o organismo econômico-financeiro local. Representando 6% do PIB nacional, sendo o quinto maior estado do país, a recorrente afetação dos agentes econômicos do RS após o baque do coronavirus é especialmente alarmante.

No entanto, “não há melhor negócio do que a vida”: momentos de intensidade negativa geram dores e aprendizados a quem conseguir não perecer. As medidas de mitigação de efeitos ofertadas durante o delicado período da pandemia podem servir de norte no auxílio àqueles que estejam passando por processo de recuperação judicial ou cogitem usar desse remédio como alternativa à falência ou a encarar a voracidade de credores sem amparo legal diferenciado.

Além dos incentivos fiscais e linhas de crédito que vêm sendo aprovadas pelo Executivo e Legislativo, o Poder Judiciário possui grande potencial de auxílio à superação da crise — tendo em vista que muitas empresas afetadas pelas enchentes ainda permanecem paradas, enquanto suas dívidas seguem crescendo, engordando a coluna de passivos. E, agora, com a necessidade de recompor o pouco do ativo que pode restar após a reabertura de seus portões, a partir do declínio do nível das águas.

Mas como as alternativas ofertadas durante a pandemia podem auxiliar no momento atual? Mostra-se pertinente rememorar as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, embora não possuam força normativa, tendem a ter grande efetividade se aplicadas no momento atual de forma análoga e considerando os princípios da Lei 11.101/2005: a preservação das empresas economicamente viáveis e a facilitação do encerramento das inviáveis. Essas recomendações, quando casadas com a especialização das varas empresariais que vem ocorrendo no RS, podem pavimentar caminhos profícuos para os atingidos pela calamidade pública.

A Recomendação n. 63 do CNJ trouxe, para a prestação de tutela jurisdicional, um norte para os imensuráveis danos ocorridos no pela Covid-19. A priorização na análise e decisão sobre o levantamento de valores pelas recuperandas e cautela na retirada dos bens ou suspensão de serviços essenciais foram medidas que possibilitaram um respiro às devedoras, para que fosse possibilitada a manutenção da empresa no mercado e a negociação com os credores que também podem ser afetados nesses momentos de incertezas.

É essencial lembrar que o procedimento de recuperação judicial é multifocal, e essa análise também deve passar de forma atenta pelo olhar do juízo. A priorização das questões que envolvem o levantamento de valores passa pela possibilidade de alienação antecipada e liberação imediata de ativos, mas está atrelada a provas robustas da necessidade para recomposição de capital e destinação ao pagamento dos credores, haja vista a necessidade de a injeção de recursos na economia ser sempre analisada sob a balança entre a possibilidade de soerguimento e melhor atendimento ao interesse dos credores.

Nessa mesma seara, encontra-se a cautela na retirada dos bens essenciais e suspensão de serviços também primordiais na reestruturação da empresa. A complexidade do momento exige sensibilidade quanto à análise da essencialidade dos bens para o processo de soerguimento — não somente no juízo que tramita a recuperação judicial, mas, igualmente, nos juízos das execuções fiscais, trabalhistas etc. É necessário observar o momento em que se deu a inadimplência e o impacto das enchentes no Estado para ocorrer a correta deliberação acerca do adimplemento das obrigações vencidas. Os eventos trágicos que podem impactar nossas vidas não servem como chancela judiciária de inadimplemento, mas a ponderação desse ponto, quando comprovada a afetação, deve levar a uma tutela jurisdicional mais justa para todos os polos da lide.

A exigência é de ponderação. Desde o início das emergências, o Judiciário brasileiro (não só no momento das enchentes que atingiram o solo gaúcho, mas durante a pandemia) trouxe, para os processos de reestruturação, relevantes recomendações que podem fazer um atravessamento catastrófico sanitário ou climático menos danoso para as empresas e seus credores. Atreladas à LREF e sua dinâmica principiológica, as recomendações do Conselho Nacional de Justiça nos rememoram a necessária prudência para que sejam mantidas no mercado as empresas possíveis de se reerguerem e soerguerem o Estado, sem causar maiores reveses ao processo já complexo que é a recuperação judicial.
 

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