Heron Charneski
Advogado e contador, presidente do IGET (Instituto de Gestão Empresarial de Tributos)
Em meio a inqualificáveis tristezas e a inúmeros desafios que virão para a reconstrução do Rio Grande do Sul assolado pelos eventos climáticos, uma força se destaca: a solidariedade e a mobilização da sociedade civil.
O auxílio às vítimas das enchentes tem ocorrido de vários modos, e em especial por meio de doações. As doações em dinheiro, praticadas com a instantaneidade de um "Pix", são realizadas diretamente à conta do Estado ou dos municípios gaúchos afetados, e para entidades, empresas e movimentos comunitários. E é nesse particular que algumas medidas fiscais carecem de uma avaliação urgente pelos legisladores.
No âmbito estadual, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) tem previsão normativa de incidência sobre as doações em espécie. É devido, no caso de doações de direitos, ao Estado onde tem domicílio o doador.
As legislações de alguns estados já concedem isenções às doações sociais in natura, de roupas e alguns equipamentos, ou mesmo de dinheiro, estas quando destinadas aos cofres dos próprios estados ou municípios.
Porém, no caso de doações em espécie, é comum que, com objetivos antievasivos, as legislações estaduais estabeleçam limites para doações em dinheiro. No próprio Rio Grande do Sul, a isenção do ITCMD sobre o valor doado fica limitada ao valor atual de R$ 3.450,00 a cada mês (art. 7º, X, Lei nº 8.821/89).
Não obstante, é relevante que a legislação de cada estado assegure a isenção integral do imposto de sua competência sobre as doações em dinheiro, ou mesmo que seja atualizada para aumentar os limites de isenção nessas hipóteses, quando essas doações são destinadas a mitigar danos humanos e materiais decorrentes de uma calamidade pública.
Semelhante raciocínio pode ser estendido às doações de mercadorias, bem como às respectivas prestações de serviços de transporte, que contam com isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) quando destinadas diretamente ao Estado, a entidades governamentais ou a entidades assistenciais reconhecidas como de utilidade pública. Cabe cogitar-se de estender a isenção do ICMS, ao menos por algum prazo, às operações destinadas a qualquer empresa ou entidade que estejam efetivamente utilizando os bens adquiridos para assistência a vítimas de calamidade pública.
O legislador da União também tem a oportunidade de rever, ao menos em parte, as atuais restrições legais à dedução fiscal de doações por pessoas físicas e jurídicas (para fins do IRPJ - Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da CSLL - Contribuição Social sobre Lucro Líquido), quando relacionadas a um estado de calamidade pública. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL que seguem esse regime de apuração, há uma vedação legal ampla à dedução de doações, com algumas exceções pontuais (art. 13, VI, Lei nº 9.249/95). Uma empresa que doa bens de primeira necessidade para colaboradores e familiares desalojados nas enchentes deve ter a certeza de, no mínimo, poder descontar a despesa ao apurar seus tributos. A empresa que doa em tal contingência não aufere renda na operação.
A oneração fiscal às tarefas de socorro e reconstrução no caso de uma extrema urgência passa a ser antifinanceira, quando são os próprios particulares que, desempenhando atividades de interesse público, aliviam custos e obrigações estatais.
Não se trata de conceder benefícios fiscais, portanto. Assegurar a mais ampla desoneração fiscal de doações na calamidade é reconhecer os esforços de heróis anônimos, empresas, entidades e particulares que se unem ao Poder Público nas difíceis e volumosas tarefas de reconstrução que virão.