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Recuperações judiciais disparam 120% no Rio Grande do Sul
Volume das solicitações por socorro expõe a alta carga de endividamento dos negócios
Pedro Carrizo, especial para o JC
Os pedidos de recuperação judicial no Brasil estão crescendo acentuadamente neste ano, o que expõe a alta carga de endividamento dos negócios, dificuldade de honrar credores e o efeito atrasado da pandemia de Covid-19 no caixa das empresas. Em maio de 2023, houve um aumento de 105,2% no número de pedidos no País, comparado com o ano anterior, aponta a Serasa Experian.
No Estado, o crescimento acentuado das recuperações judiciais é ainda mais forte. Foram 22 pedidos de janeiro a maio deste ano, uma alta de 120% em comparação ao mesmo período de 2022, apontam dados da Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul (Jucisrs).
O número de falências é outro indicador preocupante. No Brasil, apenas em maio deste ano foram 121 requisições, 61,3% a mais do que no ano passado. Durante os primeiros cinco meses, o Estado registrou nove pedidos de falência, um a mais do que no mesmo período de 2022.
"Isso sustenta outra estatística perversa, que é o número de casos nos quais a recuperação judicial é bem-sucedida. Estima -se, no Brasil, algo em torno de 20%. As demais acabam entrando em falência", afirma Luiz Willibaldo Jung, sócio da Moore Auditores e Consultores, que atende a casos de recuperação.
O auditor explica que o boom de casos neste ano é uma espécie de efeito colateral da pandemia de Covid-19, pois muitos pedidos não foram feitos na época em razão dos programas de incentivos do governo federal a setores como o de eventos e hotelaria. Outros fatores foram os reparcelamentos de dívidas e novos prazos promovidos por instituições financeiras no período.
Empresas de médio porte lideram as falências no Rio Grande do Sul
Em quatro anos - de 2019 a 2022 -, o Rio Grande do Sul registrou, em média, 54 pedidos de recuperação judicial e 55 pedidos de falência por ano. Na soma desse período, o total chegou a 216 e 219, respectivamente.
De acordo com dados da Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul (Jucisrs), o segmento que mais faliu neste ano foi o de comércio, seguido por serviços e indústrias. Em relação aos registros de recuperação fiscal, o setor de serviços é o mais afetado em 2023.
Empresas no regime tributário normal (Lucro Presumido e Lucro Real) - cuja receita bruta anual é superior a R$ 4,8 milhões - foram as que mais registraram pedidos de falência e recuperação fiscal neste ano no Estado, seguido por Microempresas (ME) - faturamento bruto anual de até R$ 360 mil.
A retomada lenta do crédito, aliada aos juros altos e nível excessivo de alavancagem, tem contribuído para o recrudescimento da crise empresarial. No entanto, o auditor Luiz Willibaldo Jung, sócio da Moore Auditores e Consultores, explica que dificilmente uma empresa chega a este patamar em razão de um fator exclusivo.
"O discurso geral é da complexidade tributária, mas se pensar que todos os negócios brasileiros enfrentam o mesmo cenário, esse contexto não se justifica. Além da economia brasileira, há, sim questões de gestão envolvidas"
Na visão de Jung, parte dos empresários enxergam a contabilidade como se fosse um mal necessário e não percebem o tamanho do benefício que podem ter tratando a contabilidade como um repositório de informações gerenciais.
"Mesmo que as micro e pequenas formem a grande maioria das empresas no Brasil, isso não se reflete nos casos de recuperação judicial que atendemos", expõe Wagner Luis Machado, coordenador da área de reestruturação de empresas do escritório Cesar Peres Dulac Müller Advogados.
Essa ação, diz Machado está mais atrelada às médias e grandes empresas, em que pese o volume das microempresas seja muito maior. Conforme ele, empresas que têm um passivo abaixo de R$ 1 milhão muitas vezes não buscam a recuperação judicial.
Contadores têm papel importante em todo o processo, do diagnóstico da crise até chegar à negociação
Desde o diagnóstico da crise até as negociações com credores, a gama de atuação de profissionais contábeis é vasta em processos de recuperação judicial. Isso porque toda a reestruturação depende, efetivamente, de uma revisão minuciosa sobre o histórico financeiro da empresa. Nesse contexto, é o contador quem sabe ler a história através dos números e, por isso, tem sido cada vez mais procurado em momentos de crise.
"O profissional contábil é importante antes mesmo do pedido de recuperação judicial, no momento de diagnóstico econômico e financeiro. Essa análise é importante para saber se efetivamente a recuperação judicial é a solução, mensurar qual é a capacidade de geração de caixa do negócio e se está condizente com o nível de amortização", explica a sócia da Mirar Gestão Empresarial Mariana Miranda, que atua há mais de 12 anos na área.
Se for o caso de uma recuperação judicial, o profissional passa a assessorar o processo de reestruturação, projetando um cenário factível que a empresa tenha geração de caixa para suprir as obrigações que vai contrair durante o decorrer da recuperação.
"Os contadores também podem atuar na negociação com os credores, na construção do plano de recuperação e, principalmente, no laudo de viabilidade financeira, que é uma das premissas da recuperação judicial. Mas enfatizo que esse é um processo multidisciplinar, ou seja, não se faz apenas com advogado, ou contador", orienta a especialista.
Mesmo assim, todo o planejamento tem como função primordial fazer com que a empresa honre o pagamento de suas dívidas. É uma pequena parcela que consegue, de fato, voltar ao mercado com a reputação ilibada.
Segundo o auditor Luiz Willibaldo Jung, sócio da Moore Auditores e Consultores, essa dificuldade de recuperação se dá em razão de que "muitos empresários retardam o pedido de recuperação por constrangimento, pois acreditam que é um atestado de incompetência. Mas, quando a crise já está em um nível muito alto, muitas vezes a situação se torna irreversível".
Diante disso, Mariana alerta que os sinais de qualquer crise começam a aparecer muito antes de ela se instalar. O primeiro ponto de atenção é quando uma empresa precisa se financiar, reiteradamente, no curto e médio prazo, com capital de terceiros, na maioria das vezes por empréstimos ou descontos de títulos. Nessa fase, normalmente o empresário já parou de recolher tributos.
A empresa começa a ter dificuldade em honrar com suas obrigações e o refinanciamento da dívida passa a aumentar o seu custo financeiro. O patrimônio líquido (diferença entre ativos menos o passivo) fica cada vez mais negativo, ou seja, os valores das obrigações são superiores aos ativos da empresa. "Se a empresa tem uma cultura de análise de desempenho, faz diagnósticos frequentes, é possível,sim, que o problema seja detectado antes de se agravar, e seja contornado sem maiores danos ao negócio".
Nova Lei de Falências merece atenção
Em vigor desde 2021, a Lei de Falências (Lei 14.112/20) atualizou e trouxe inclusões significativas ao dispositivo legal que regrava os pedidos de recuperação judicial, extrajudicial e falências (Lei 11.101/05). As alterações incidem sobre uma maior proteção patrimonial dos devedores e reforço de métodos alternativos de resolução de conflitos, na intenção de que as empresas em crise galguem a recuperação.
A justificação do Poder Executivo é de que, no período entre junho de 2005 e dezembro de 2014: de um total de 3.522 empresas que tiveram a RJ deferida, somente 946 tiveram o processo encerrado no período. Destas, apenas 218 (ou 23%) voltaram à ativa e as demais 728 tiveram a falência decretada.
O novo texto amplia o financiamento a empresas em recuperação judicial, permite o parcelamento e o desconto para pagamento de dívidas tributárias e possibilita aos credores apresentar plano de recuperação da devedora - na lei antiga, se fosse rejeitado o plano de recuperação apresentado pela empresa durante a Assembleia Geral de Credores, procederia-se à decretação de falência.
Outro destaque do novo texto que tange a recuperação judicial é sobre a questão do financiamento, explica Wagner Machado, advogado especialista no tema.
"Procurou-se estabelecer regras que tragam mais segurança e que facilitem a entrada de dinheiro novo na operação. Amplamente utilizada no direito norte-americano, o debtor in possession financing foi importado e devidamente normatizado, abrindo um leque de oportunidade tanto para as devedoras quanto para quem pretende investir em distressed assets ", diz.
Mais uma novidade é a permissão para que produtores rurais usem o instrumento, que antes era destinado apenas às pessoas jurídicas. Além disso, ao longo dos anos vem sendo discutida a ampliação dessa autorização para outros agentes econômicos, tais como as associações e as cooperativas. "A alteração legislativa ocorrida em 2020 não solucionou essa questão, mas os tribunais vêm reconhecendo essa legitimação em diversos casos", acrescenta Machado.