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Contadores estão mais expostos ao ChatGPT
Estudo feito pela OpenAI indica os profissionais contábeis como os totalmente impactados por automatização de tarefas burocráticas a partir da inteligência artificial
Pedro Carrizo, especial para o JC
Softwares de inteligência artificial (IA) cada vez mais evoluídos, como é o caso do ChatGPT, estão levantando debates sobre o futuro das profissões. A tecnologia, desenvolvida pela Open AI, é capaz de resumir e criar textos do zero, responder dúvidas dos usuários e o leque de aplicações vem crescendo. De acordo um estudo feito pela desenvolvedora do ChatGPT, cerca de 80% da força de trabalho norte-americana será impactada pela IA. O estudo mostra o nível de exposição de diversas atividades à nova tecnologia, e os contadores aparecem no grupo de totalmente expostos.
Isso não quer dizer, no entanto, a extinção de profissionais contábeis em detrimento da máquina. Pelo contrário. O estudo indica que os contadores terão 100% de exposição ao ChatGPT, assim como analistas financeiros e matemáticos. Quanto maior a exposição, maior a chance da IA reduzir o tempo de uma tarefa ou mesmo aumentar a qualidade do serviço prestado em mais de 50%, aponta a pesquisa.
"Se o estudo indica que temos 100% de exposição, significa que há uma margem grande para elevar nossa produtividade, abrindo mão de tarefas burocráticas e assumindo um papel muito mais estratégico", diz o contador Márcio Silveira, presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-RS).
Concordando com o estudo, Silveira conta que inclusive já testou a ferramenta da OpenAI com questionamentos técnicos sobre a área contábil e encontrou respostas satisfatórias. Além dele, diversos outros escritórios e contadores autônomos já estão testando o ChatGPT, mas ainda de maneira incipiente.
"Estamos numa fase de tentar entender de que forma usar essa nova onda tecnológica a nosso favor, em algo realmente útil", diz o presidente.
Paralelo a isso, o Chat GPT também vem levantando debates sobre o grau de veracidade de suas informações. De acordo com a NewsGuard, plataforma de controle de fake news, ferramentas como o ChatGPT e o Google Bardé (IA da Google) são pouco confiáveis na criação de conteúdos verídicos.
O fato é que ainda não há estudos concretos sobre o índice de respostas corretas do chatbot da Open IA. Há indícios que a ferramenta possui 'taxa de alucinação' de 20%. Ou seja, uma em cada cinco respostas pode conter uma informação falsa ou distorcida. No entanto, nenhum dos estudos foi produzido pela empresa desenvolvedora da tecnologia.
Neste cenário, o que resta aos profissionais é sempre se questionar diante das respostas geradas pela inteligência artificial, salienta o contador Rafael Fofonka, head do Studio Fiscal.
"O contador, enquanto um profissional técnico, tem que criticar as informações do chat nesse período inicial. É preciso validar a informação para depois se aproveitar dela. Mas é certo que o ChatGPT será uma grande solução para os escritórios de contabilidade", diz Fofonka.
Além disso, na visão do presidente do CRC-RS, o chatbot da OpenAI volta a destacar algo primordial para o ambiente de negócios, que é saber formular a pergunta para encontrar as informações que se deseja.
"Compreender a teoria contábil é essencial e o contador seguirá sendo imprescindível, pois até para dar os comandos à IA é preciso fazer as perguntas certas para se chegar às respostas que buscamos", conclui Silveira.
Publicado em março deste ano, em parceria com a Universidade da Pensilvânia, o estudo da Open AI concluiu que, a partir do GPT-4, atualização que amplia as capacidades do chatbot, a maioria dos profissionais de ensino superior estarão expostos ao avanço da ferramenta.
Para chegar ao resultado, especialistas humanos e a própria Inteligência Artificial da OpenAI calcularam separadamente a exposição a diferentes ocupações.
Tecnologia aplicada à contabilidade abre espaço para o ChatGPT
Embora a inteligência artificial seja o novo horizonte da tecnologia para a contabilidade a partir da viralização do ChatGPT, essa é apenas mais uma entre as diversas ondas de inovação que impactaram a atividade nas últimas décadas. A cada solução que o mercado incorpora, os contadores ganham mais eficiência e despendem menos força humana para tarefas processuais. O ChatGPT chega para acelerar esse processo.
Automatização e digitalização já são realidades totalmente difundidas no meio contábil, por exemplo, que ajudaram a tirar funções burocráticas das mãos de contadores, elevando esses profissionais a postos mais estratégicos e de consultoria. Além disso, há anos escritórios já desenvolvem internamente softwares de gestão, que quando consolidados são comercializados até para concorrência.
No entendimento das fontes ouvidas pela reportagem, esses diversos choques de tecnologia que a atividade sofreu - e vem sofrendo - tornaram os profissionais contábeis mais bem preparados para a revolução que a IA está trazendo ao mundo.
Para o contador JR da Costa, presidente da Alterdata, uma das principais desenvolvedoras de software de contabilidade do Brasil, projetar o contador sendo substituído pela IA é o mesmo que pensar que o piloto de avião seria substituído com o advento da função "piloto automático".
"Estou no mercado há 40 anos e vi de perto os ganhos de produtividade trazidos pela tecnologia. Quando comecei, dez pessoas eram responsáveis pela folha de pagamento de 300 empresas. Hoje é preciso três pessoas para fazer a mesma atividade com tranquilidade", explica.
Atendendo cerca de 28 mil escritórios de contabilidade com softwares de gestão, o presidente da Alterdata também explica que a IA já vem sendo utilizada na empresa, em menor escala, há pelo menos 15 anos. De acordo com ele, a ferramenta é capaz de realizar análises e emitir notificações, mesmo sem uma ordem direta do usuário.
A máquina faz uma série de levantamentos que poderiam comprometer a entrega do contador, como por exemplo informações que estejam faltando e férias de colaboradores que estejam por vencer, exemplifica.
"A tendência é que o contador tenha mais tempo para se concentrar em tarefas nobres, como assessorar clientes de forma mais próxima e dar um melhor planejamento tributário", acredita.
Outra tecnologia que talhou o horizonte de hoje foi a popularização de registros em XML, que ganharam espaço no País após a adequação da atividade aos padrões internacionais, explica o presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS), Márcio Silveira. O XML é uma linguagem de marcação que permite formatar documentos de maneira que os dados possam ser lidos e interpretados por diferentes sistemas.
O XML é o formato de arquivo adotado como padrão em todo o Brasil desde 2008 para emitir e armazenar as Notas Fiscais eletrônicas (NF-e), utilizado para organizar um grande volume de dados em documentos leves e de fácil processamento e armazenamento.
"Isso permite a rastreabilidade da mercadoria e também já fica disponível para a área fiscal fazer download e incorporar isso nas apurações tributárias. Ou seja, várias tecnologias nascem e contribuem para o trabalho do contador", diz Silveira.
Na visão do contador Ronaldo Zanotta, diretor de serviços da Decision IT, o processo de robotização na contabilidade ajudou a pavimentar a automação na atividade, e foi o que abriu as portas para as novas ondas de inovação, como o ChatGPT.
Localizada no hub de tecnologia do Instituto Caldeira, a Decision IT assessora empresas na área contábil e, há 10 anos, começou a desenvolver internamente robôs como forma de oferecer ganhos de produtividade.
A empresa começou a usar o software para automatizar a geração de EFD Sped Fiscal e EFD Sped Contribuições, no caso de empresas com alto volume de filiais. De acordo com a regra, cada filial precisa gerar esse arquivo e lançar separadamente no sistema contábil à Receita Federal. Segundo Zanotta, clientes da Decision IT levavam cerca de duas semanas por mês executando essa tarefa, no caso de empresas com mais de 100 filiais. "Então a gente desenvolveu nosso primeiro robô, há 10 anos, que automatiza todo esse processo. Mas ainda há um trabalho de checagem das informações, quando o sistema emite alerta para alguma inconsistência, e daí é necessário a intervenção humana", explica.
Recentemente, a Decision IT lançou uma atualização deste software, permitindo automatizar outras tarefas mais simples, como consultar CNDs, verificar se o cadastro de clientes e fornecedores está de acordo com dados da Receita e se os fornecedores estão adequados ao Simples Nacional. Estes são alguns exemplos.
Já no caso de processos de revisão tributária, que normalmente demandam uma ampla apuração do que foi pago pelas empresas à Receita, a robotização também tem contribuído para gerar mais eficiência, diz o contador Rafael Fofonka, head da Studio Fiscal.
O Studio Audit é o primeiro software desenvolvido por uma empresa que presta o serviço de revisão tributária. A ferramenta faz a captação de documentos dos tributos pagos nas três esferas e as confronta com as informações da empresa, quanto ao âmbito de qual operação ela realizou, se foram creditados ou debitados os tributos corretamente e se foi feito o pagamento de maneira correta. A análise, neste caso, é feita por operação e não amostragem. Desde que o sistema foi consolidado, a empresa também oferece a solução para escritórios concorrentes, assumindo novas posições no mercado.
Para Fofonka, as tecnologias ajudam a colocar o contador como peça fundamental para uma tomada de decisão gerencial de uma empresa. "A partir do momento em que você tira essa pessoa técnica de uma função manual e começa a usar ela em um cargo de decisor, isso valoriza ainda mais a profissão", ressalta.
Escritórios e contadores começam a testar o modelo de Inteligência Artificial
Na busca por trazer o
ChatGPT na rotina da atividade contábil, mas de maneira totalmente incipiente, escritórios de contabilidade e profissionais autônomos estão testando a inteligência artificial da OpenAI para redigir pareceres e criar textos sobre atualização de normas contábeis no País. É o caso do escritório Studio Fiscal, que está usando a ferramenta de forma consultiva neste primeiro momento.
O representante da empresa, Rafael Fofonka, frisa que a empresa não adotou o ChatGPT na sua rotina de trabalho, mas começou a mensurar os possíveis usos da realidade da empresa. É mais provável que, inicialmente, o chatbot seja uma ferramenta do contador prestador de serviços, e não uma ferramenta embutida nos softwares utilizados pela área.
Mesmo assim, a Alterdata Softwares também começa a estudar o uso da nova tecnologia na estrutura da empresa, como forma consultiva. Atualmente, as empresas não podem anexar a IA do ChatGPT em seus softwares, mas a Alterdata pesquisa como ela poderia ser utilizada em suas soluções, caso a OpenAI comece a comercializar sua tecnologia fora do plano assinatura, que permite usar o chat dentro da plataforma.
O GPT-4, nova atualização do chatbot, tem ampliado os usos da ferramenta, que após o update passou a redigir ações judiciais e tecer respostas com até 25 mil palavras, ante cerca de 4 mil anteriormente, construir um site funcional a partir de um esboço feito à mão e até passar em exame simulado da faculdade de direito, atingindo uma pontuação em torno dos 10% melhores dos participantes do teste.