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Lei que define o termo 'praça' para cobrança do IPI é aprovada
A medida é importante, principalmente, para grupos econômicos do setor industrial com empresas interdependentes e que realizam transações comerciais entre si
No mês de julho, foi promulgada no Diário Oficial da União a Lei 14.395, de 2022, que define o termo "praça" para efeito de tributação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Pela legislação, passa-se a considerar "praça" o município onde está situado o estabelecimento do remetente do produto. A medida é importante, principalmente, para grupos econômicos do setor industrial com empresas interdependentes e que realizam transações comerciais entre si.
Conforme Gustavo Nygaard, sócio da área Tributária de TozziniFreire, antes da nova lei, havia duas principais interpretações sobre o termo: a primeira identificava a praça como sendo o município da localização do estabelecimento remetente, sentido que acabou sendo chancelado pela recente norma. A outra entendia "praça" em um sentido mais amplo, como sendo "mercado", ou seja, o relacionando com a região de influência comercial da empresa remetente ou região em que a companhia, normalmente, faz negócios com terceiros.
"Dependendo da empresa, ela realiza vendas para clientes localizados em qualquer parte do território nacional. Com isso, o Fisco poderia escolher o preço praticado em qualquer estado ou município, podendo optar pelo mais elevado", explica Nygaard. "Essa liberdade dada ao Fisco gerava insegurança e discussão."
A promulgação ocorre após o Congresso Nacional derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro. A justificativa do governo federal era de que a proposta causaria insegurança jurídica por não estar em concordância com o que decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em 2019. Naquele ano, em análise de recursos administrativos, o Carf definiu que o conceito de "praça" não se limitava, necessariamente, ao de um município, com a possibilidade de abranger também regiões metropolitanas.
Segundo Nygaard, com a nova lei, a expectativa é de que as interpretações divergentes sejam eliminadas. Porém, ainda pode ocorrer a falta de referencial de preço no mercado atacadista do município do estabelecimento industrial remetente em alguns casos. Por exemplo: uma indústria ou importador que não realiza operações com terceiros e que transfere toda a produção a outro estabelecimento próprio, localizado em cidade, onde não há empresa que opere com produtos similares.
"Nesse caso, pode ocorrer certa dificuldade na fixação do Valor Tributável Mínimo. Mas penso que, nessa hipótese, deverá prevalecer o preço adotado pelo contribuinte na transferência, salvo flagrante prática de simulação, fraude, dolo ou abuso", analisa.
O Valor Tributável Mínimo (VTM), de acordo com a legislação tributária brasileira (Lei 4.502/64), é a base de cálculo do IPI nas saídas de estabelecimento industrial ou importador para estabelecimento da mesma empresa ou de empresa interdependente que seja, ao menos em parte, atacadista. O VTM também é aplicado nas saídas de estabelecimento industrial ou importador a estabelecimento da mesma empresa ou empresa interdependente que realize exclusivamente vendas a varejo.
A Lei do IPI (Lei 7.798, de 1989), por sua vez, determina que o valor tributável não poderá ser inferior ao preço corrente no mercado atacadista da "praça" da empresa. O objetivo da norma é evitar a manipulação de preços entre esses estabelecimentos para reduzir o valor da operação de saída dos produtos do estabelecimento industrial para o estabelecimento revendedor desses bens, em prejuízo da arrecadação do IPI.
Um dos tributos mais antigos do País, o IPI incide sobre itens nacionais e importados que passaram por algum processo de industrialização. É um tributo de competência federal e possui caráter extrafiscal, ou seja, tem o objetivo de estimular - ou desestimular - certos comportamentos sociais ou econômicos. Porém, a arrecadação do IPI não tem sido tão significativa. "No ano de 2021 representou cerca de R$ 71 bilhões. Para se ter uma ideia, a arrecadação de imposto sobre a renda chegou perto de R$ 520 bilhões no mesmo período. PIS/Cofins igualmente tem uma representatividade muito superior ao IPI na arrecadação federal", detalha.
Menos impostos devem ser pagos no setor industrial, prevê tributarista
O debate em torno do termo "praça" para efeito de tributação o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi crescendo no âmbito da Receita Federal do Brasil (RFB) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) nos últimos anos a ponto de o Congresso Nacional tomar a iniciativa de votar um projeto de lei com o objetivo de esclarecer o assunto e, com isso, o ambiente jurídico mais seguro e previsível para o contribuinte do setor industrial. Nesta entrevista, o especialista em Direito Tributário do Balera, Berbel & Mitne Advogados, Arthur Pitman, relata a origem desse imbróglio fiscal e o que se pode esperar a partir da Lei 14.395/22, promulgada no último mês.
JC Contabilidade - Conte um pouco sobre o histórico do funcionamento do setor industrial frente à cobrança do IPI.
Arthur Pitman - O Imposto sobre os Produtos Industrializados (IPI) é um tributo bastante antigo e, por isso, ele remete a uma legislação de origem dos meados dos anos 1960, quando a realidade industrial do Brasil era completamente diferente. O IPI, a rigor, é um tributo cobrado sobre o preço do produto industrializado, ou seja, sobre o valor requerido na saída do item - que é objeto de uma fabricação de um estabelecimento industrial, mas, muitas vezes, essa disposição é usada de forma elisiva pelos contribuintes. É comum no passado - e hoje mais do que nunca - que os grandes grupos empresariais se organizassem de uma forma que eles não vendessem direto da indústria para o consumidor final. Essas organizações se estruturam de forma que, no próprio grupo, possuam estabelecimentos atacadistas e varejistas, que eram distribuidores exclusivos de determinado produto industrializado. Dessa forma, o produto saía da indústria, ia para um distribuidor exclusivo do próprio grupo e, só depois, era vendido para um consumidor ou um outro revendedor já fora do grupo.
Contabilidade - E qual o problema gerado a partir disso?
Pitman - Na origem, como o IPI sempre foi um tributo cobrado sobre o preço da saída do produto industrializado, essa operação entre firmas interdependentes - que era o termo que a legislação usava - permitia que o grupo empresarial conseguisse manipular preços em operações realizadas intragrupo e, com isso, pagar menos IPI. Para a indústria, era muito simples vender intragrupo um produto que no mercado valesse R$ 200, por exemplo, R$ 50 para evitar o pagamento de IPI na saída da indústria. Ou seja, na operação subsequente em que há uma revenda por um estabelecimento varejista/atacadista que já não é o industrial. Esse tipo de estratégia, por muitos anos, foi usada em estruturas fraudulentas e sonegação fiscal. A legislação, desde a sua origem, deu uma resposta para isso: o que conhecemos hoje como Valor Tributário Mínimo ou VPM no jargão.
Contabilidade - O que é o cálculo do Valor Tributável Mínimo e em qual ações esse mecanismo é praticado?
Pitman - O Valor Tributário Mínimo é uma norma fiscal antielisiva, ou seja, uma ferramenta para evitar situações em que há risco de sonegação ou fraude fiscal. Neste caso, em que há, como de praxe, uma indústria do mesmo grupo vendendo para um distribuidor exclusivo em uma determinada região e, portanto, risco de manipulação de preços para pagar um IPI mais baixo, é necessário fazer um cálculo do VTM e auferir qual o preço corrente na praça do mercado atacadista. Como eu não tenho um preço confiável entre uma operação feita entre partes que estão relacionadas, a ideia é criar uma legislação tributária com um método de arbitramento confiável o bastante para estimar o que seria uma operação praticada no mercado. Na prática, quando determino que o valor submetido à tributação do IPI tem que ser pelo menos o valor da "praça do mercado atacadista do remetente", o que estou querendo dizer é que uma operação entre partes relacionadas precisa parecer, para fins tributários, uma operação entre partes independente. A legislação cria uma metodologia de cálculo que tenta comparar situações em que há risco fiscal e relação de dependência entre as partes que negociam com uma operação em que há autonomia, liberdade e não há risco fiscal, porque estou próximo de uma operação do mercado.
Por que mesmo com o mecanismo do Valor Tributário Mínimo havia insegurança jurídica por parte do setor industrial?
Pitman - Dentro dessa metodologia de cálculo de preço mínimo para ser oferecida à tributação de IPI em operações entre partes relacionadas existia o tal do "preço corrente na praça do mercado atacadista do remetente". Por muitos anos, existia a dúvida do que significava esse termo. "Praça" é um termo muito antigo que remete aos anos de 1960, quando o próprio processo de determinar a abrangência territorial de uma cidade ou de uma macrorregião era outra. Além disso, determinar o mercado atacadista é uma resposta complexa e de difícil determinação. Com a industrialização do Brasil, os grupos industriais se tornaram mais complexos e, em meio a uma legislação antiga, passou-se a gerar insegurança para os grupos industriais. Mesmo aqueles grupos que não estavam mal-intencionados, existia a dúvida do que era o "preço corrente na praça do mercado atacadista do remetente", porque havia a dificuldade de dizer, territorialmente, o que é "praça" e para fins de pesquisa de mercado, o que é o "mercado atacadista do remetente".
Contabilidade - Qual a expectativa com a promulgação da nova lei em termos de efeitos?
Pitman - Como antes tínhamos um cenário de insegurança, isso acabava oferecendo risco de autuação fiscal. Se um grupo industrial não sabia o valor mínimo que ele tinha que sujeitar à tributação, de certa forma, ele escolhia o valor, com a melhor de suas intenções, fazendo uma pesquisa de mercado com os critérios que ele achava adequado. Porém, estava sujeito a uma fiscalização que poderia discordar do valor tributário mínimo oferecido e autuá-lo com posição de multa e juros. Na prática, isso gerava ao setor industrial uma imprevisibilidade dos custos tributários da operação, o que, de certa forma, aumentava o valor do tributo pago. Hoje, em um cenário em que já se sabe quais critérios são necessários utilizar e como descobrir o valor tributário mínimo, há mais segurança, mais previsibilidade e, em última instância, é pago menos imposto do que se pagaria em um cenário de insegurança.
Nova legislação pode ter efeito retroativo e gerar mais um debate jurídico
Após a nova lei elucidar o termo "praça" como o município onde está localizado o remetente da mercadoria com incidência de IPI, abriu-se uma brecha para um outro debate em torno do assunto. Terá a legislação efeito retroativo? Conforme o especialista em direito tributário Arthur Pitman, no Código Tributário Nacional, há uma previsão que aponta que, de forma geral, a legislação tributária não possui efeito retroativo salvo algumas situações, como a de leis com caráter meramente interpretativo. Para Pitman, a Lei 14.395/22 pode ser considerada interpretativa, o que pode gerar um novo embate entre Fisco e contribuinte.
Conforme ele, quando surge uma lei, em 2022, e diz que praça é o território do município, abre-se espaço para uma disputa de versões entre contribuinte e Fisco ao afirmar se essa lei é interpretativa, ou seja, se ela veio apenas para esclarecer um termo ou se é uma lei inovadora que muda o sentido de algo que já era consolidado no passado e, portanto, só se aplica no futuro.
"Se chegarmos a conclusão de que é interpretativa, ela se aplica para o passado e tem que ter efeito tanto para os casos não definitivamente julgados quanto para os casos julgados, respeitando os prazos de prescrição e decadência", afirma.
O sócio da área Tributária de TozziniFreire, Gustavo Nygaard, possui análise semelhante. "Essa é uma questão polêmica. Mas, considerando que se trata de elucidação de um conceito e que era claramente controvertido, penso que a lei tem caráter interpretativo e defendo que a lei tem aplicação retroativa sim", pontua.