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Reportagem especial

- Publicada em 17 de Abril de 2022 às 15:00

Energia dos ventos movimenta a economia do Rio Grande do Sul

Em solo gaúcho, os gigantes aerogeradores são responsáveis por 25% da energia gerada

Em solo gaúcho, os gigantes aerogeradores são responsáveis por 25% da energia gerada


Camila Rodrigues/Palácio Piratini/jc
Já se vão 20 anos desde a implementação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), criado pelo governo federal com o objetivo de diversificar a matriz energética brasileira. De lá para cá, as energias renováveis conseguiram abocanhar uma considerável fatia do mercado, impulsionadas pelo baixo impacto ambiental e pela alta competitividade do setor.
Já se vão 20 anos desde a implementação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), criado pelo governo federal com o objetivo de diversificar a matriz energética brasileira. De lá para cá, as energias renováveis conseguiram abocanhar uma considerável fatia do mercado, impulsionadas pelo baixo impacto ambiental e pela alta competitividade do setor.
Entre elas, a que mais cresceu foi a fonte eólica - que, antes do Proinfa, consistia em alguns poucos projetos, além da pioneira instalação de um aerogerador de 225 kW no arquipélago de Fernando de Noronha, em 1992. Hoje, o Brasil é o sexto país no mundo em capacidade instalada, segundo o Global Wind Report 2022, relatório anual do setor divulgado no início deste mês pelo Global Wind Energy Council (Conselho Global de Energia Eólica).

Mapa mostra a distribuição dos complexos eólicos em operação no Estado

Mapa mostra a distribuição dos complexos eólicos em operação no Estado


diagramacao/jc
No Rio Grande do Sul, o sistema de utilização dos ventos para gerar energia surgiu apenas em 2006, com a inauguração do Complexo Eólico de Osório. Três anos depois, ocorreu o segundo Leilão de Energia de Reserva, o primeiro voltado exclusivamente para essa fonte, abrindo as portas para novos pregões e possibilitando, assim, a ampliação da matriz eólica brasileira. Fora do Nordeste, que conta com complexos eólicos em oito de seus nove estados, o Rio Grande do Sul é a unidade da Federação com maior capacidade instalada e número de parques, ocupando o quinto lugar no ranking nacional.
A energia dos ventos, hoje, representa 11,8% da matriz energética do País, ficando atrás apenas da hidrelétrica, com 56,4%. No Estado, as eólicas já representam 18,8% da potência instalada e são responsáveis por 25% da energia gerada. Esses índices tendem a se elevar nos próximos anos, já que, após um período de estagnação e escassez de leilões, o segmento voltou a crescer de forma promissora.
"O Brasil bateu recorde de instalação de nova capacidade em 2021, com cerca de 3,8 GW de nova capacidade instalada. Ultrapassamos a marca de 20 GW no ano passado (atualmente, está em cerca de 21,5 GW). Até 2026, teremos pelo menos 36 GW", projeta Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).
Em território gaúcho, onde a potência instalada se mantém em 1,8 mil megawatts desde 2017, a expectativa é de, com os novos empreendimentos, dobrar essa capacidade em curto prazo. "Os investidores estão olhando para o Estado. A gente imagina que de 2026 a 2030 o acréscimo da nossa matriz energética vai ser bastante intenso, com obras implantadas e a operação de muitos parques eólicos", afirma o presidente Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindienergia-RS), Guilherme Sari.
Se forem levados em conta todos os projetos com licenciamento ambiental em tramitação, o potencial pode alcançar quase 45 GW. Grande parte dessa capacidade viria de turbinas instaladas no oceano (offshore, ou distante da costa) e em lagoas (nearshore, a menos de três quilômetros da costa, mas também chamado de offshore), embora o potencial dos ventos gaúchos em terra firme (onshore) ainda seja abundante.
Nesta reportagem, o Jornal do Comércio faz um raio-X da energia eólica no Estado, indicando as regiões onde a matriz já está consolidada e quais os municípios que poderão ser contemplados com novos empreendimentos, os quais devem gerar milhares de empregos - entre 2011 e 2020, só na fase de construção, foram cerca de 196 mil, segundo estudo elaborado por Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas - e atrair centenas de bilhões em recursos.

Investimentos previstos podem alcançar até R$ 421 bilhões

Desde a instalação do Complexo Eólico de Osório, o Rio Grande do Sul ampliou bastante sua capacidade de geração energética por meio dos ventos, com cerca de 1.836 MW espalhados por nove cidades, a maioria delas situadas em regiões marítimas e/ou de fronteira. Na Zona Sul do Estado, por exemplo, localiza-se o Complexo Eólico Campos Neutrais, conjunto de parques instalados em Chuí e Santa Vitória do Palmar que, por anos, foi considerado o maior da América Latina.
Novos empreendimentos estão a caminho. De acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), há, atualmente, 61 projetos em 32 municípios com registro de licenciamento ambiental junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), os quais somam 15,5 GW e investimentos na ordem de R$ 80 bilhões.
Além disso, há outras 14 iniciativas com licenciamento tramitando no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para operar no Litoral, agregando uma capacidade de mais 34,1 GW. Estimativa do Sindienergia-RS para a construção dos parques offshore leva em consideração que, a cada MW instalado, é necessário um aporte de aproximadamente R$ 10 milhões. Ou seja, se todos os projetos offshore saírem do papel, representarão cerca de R$ 341 bilhões em investimentos. Somando com as usinas onshore, a soma total aumenta para espantosos R$ 421 bilhões.
Diretor do Departamento de Energia da Sema, Eberson Silveira diz que o cenário é de grandes perspectivas para o setor, mas lembra que o crescimento está atrelado a outros fatores. "Cabe ressaltar que a construção de novos parques depende do crescimento do mercado de energia elétrica, o que deve ser alcançado com a retomada da economia brasileira, uma vez que projetos de geração de energia elétrica são contratados para atender o mercado regulado, através de leilões promovidos pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ou para atender o mercado livre, através da venda direta para grandes consumidores", afirma.
Energia eólica
 

Projetos offshore previstos para o RS representam investimentos bilionários

No litoral, aerogeradores previstos serão maiores e com maior capacidade de geração por unidade

No litoral, aerogeradores previstos serão maiores e com maior capacidade de geração por unidade


MARILIA KABKE WALLY/DIVULGAÇÃO/JC
Há grande expectativa em relação aos primeiros projetos offshore a serem instalados no Rio Grande do Sul. Entre as iniciativas com processo de licenciamento ambiental em tramitação, eles representam dois terços da capacidade energética que pode ser implementada. No início deste mês, o governo federal anunciou que o primeiro leilão voltado para esse tipo de empreendimento, antes previsto para 2023, deve ocorrer em outubro.
O diretor de Energia da Sema, Eberson Silveira, diz que embora a tecnologia utilizada nas águas seja semelhante à dos projetos onshore, as instalações offshore contam com algumas vantagens, como a capacidade de explorar ventos mais constantes, com maiores velocidades, e menos restrições na área e distância do solo. "Como resultado, os tamanhos dos projetos de parques eólicos e seus aerogeradores são normalmente maiores e mostram indicadores de desempenho melhores, os quais, mesmo com custos mais elevados em relação à eólica onshore, apontam perspectivas favoráveis, observados os valores praticados em países em que projetos têm sido implantados", destaca.
Para se ter uma ideia, as primeiras turbinas instaladas em Osório produzem até 2 MW, enquanto as projetadas para os parques no oceano podem chegar a 20 MW. O presidente do Sindienergia-RS, Guilherme Sari, lembra que os aerogeradores são maiores exatamente para diminuir a densidade. "Onde antes entravam três, agora é um. Diminui tanto o impacto visual quanto o uso de área", ressalta.
No entanto, ele alerta que essas torres gigantes (algumas passam dos 100 metros de altura e, no mar, serão ainda maiores), requerem uma complicada logística de transporte. "É necessário termos uma logística muito mais alinhada, com rodovias melhores, pontes para passar essas pás e os segmentos das torres, e também uma infraestrutura hidroviária, e talvez até ferroviária, para ter atendimento em regiões mais longínquas. Porque sabemos que o potencial do recurso eólico não está exatamente nas capitais, mas em regiões mais distantes, em alguns casos altas, montanhosas."
Todos os 14 projetos gaúchos offshore com licenciamento tramitando no Ibama são de grande porte, com o menor deles ultrapassando 1.000 MW, potência superior à grande maioria das instalações onshore. A título de curiosidade, o primeiro deles, o complexo de Águas Claras, da Força Eólica do Brasil, chegou a ter recursos estimados em até R$ 30 bilhões por agentes do setor eólico, o que superaria, em muito, o maior investimento privado da história do Rio Grande do Sul - de R$ 5 bilhões, utilizados pela CMPC na ampliação de sua fábrica de celulose em Guaíba.
Esse empreendimento, a ser construído a sete quilômetros da costa de Capão da Canoa e Xangri-Lá, tem potência total de 3.000 MW e 200 aerogeradores, menos da metade prevista para o Ventos do Sul, megacomplexo de 6.507 MW e 482 turbinas a 21 quilômetros da costa, abarcando municípios dos litorais Norte e Médio. Se considerarmos o cálculo do Sindienergia-RS, de R$ 10 milhões por MW, o parque offshore da Ventos do Sul poderá absorver um investimento de mais de R$ 65 bilhões.

Alvo de polêmica, Lagoa dos Patos tem potencial de 24,5 GW

Eberson Silveira, da Secretaria do Meio Ambiente, diz que o processo respeitará as normas ambientais

Eberson Silveira, da Secretaria do Meio Ambiente, diz que o processo respeitará as normas ambientais


CLAITON DORNELLES/arquivo/JC
No início do ano, o governo do Estado sofreu duras críticas, especialmente de ambientalistas, ao abrir consulta pública para a instalação de parques eólicos na Lagoa dos Patos (que, na verdade, é a maior laguna da América do Sul, com superfície de 10.144 km²). Entre outros aspectos, o projeto apresentado deixava a cargo do futuro empreendedor a responsabilidade por determinar espaços "eficientes e ambientalmente adequados" para a instalação das turbinas.
Diretor de Energia da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Eberson Silveira ressalta que todo o processo será desenvolvido respeitando as normas ambientais e as atividades econômicas abarcadas pela laguna, cujo potencial eólico é de 24,5 GW. "Desde a consulta, a Sema, tendo recebido inúmeras contribuições para o aprimoramento do processo, vem trabalhando para qualificá-lo e executá-lo, se assim for entendido", observa.
Silveira entende haver um excelente potencial eólico nas lagoas gaúchas - incluindo, também, Mangueira e Mirim -, as quais permitem a montagem de parques eólicos sobre águas rasas (menos de dez metros de profundidade). "Combinadas, essas lagoas têm um potencial estimado em 34 GW, em locais com ventos de velocidades maiores que 7m/s e alturas de 100 metros", destaca.
O presidente do Sindenergia-RS, Guilheme Sari, admite que a audiência pública poderia ter sido melhor conduzida. "O sindicato é muito tranquilo ao falar desse assunto porque fomos nós que apresentamos essa possibilidade de negócio para o governo", afirma. "Mas a comunicação não foi bem alinhada, principalmente em relação às comunidades pesqueiras, que, de fato, não tinham informação sobre o edital".
Apesar das críticas, ele minimiza o impacto ambiental que os empreendimentos poderiam acarretar. "A Lagoa dos Patos é gigantesca, e o uso físico seria mínimo, sem prejudicar a pesca ou a navegabilidade, pois os projetos são para pontos onde ela é realmente baixa. Não vão atrapalhar a reprodução dos peixes ou causar uma mudança climática na região", garante.
Sari ainda argumenta que um possível benefício da concessão de lagoas para o setor eólico é a destinação dos royalties dessa produção para as comunidades ribeirinhas. "A gente sabe que há necessidade de fiscalização de pesca de arrasto, por exemplo, e os royalties das receitas advindas dos parques nearshore poderiam colaborar nesse processo. A dragagem do porto de Rio Grande também seria uma possibilidade de contrapartida. Enfim, os benefícios são vários. Ainda há estudos a serem desenvolvidos, mas entendemos que o desenvolvimento de projetos renováveis traz soluções e benefícios para as comunidades", completa.
 

Presidente da ABEEólica prevê novo recorde de instalação de usinas

Elbia Gannoum diz que o principal desafio é a retomada da economia

Elbia Gannoum diz que o principal desafio é a retomada da economia


Flavia Valsani/divulgação/jc
Fundada em 2002, a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) representa a indústria do setor no País, incluindo empresas de toda a cadeia produtiva. Em 2009, a entidade assumiu posição no board do Global Wind Energy Council (GWEC), tornando-se, assim, responsável por divulgar informações do conselho para o Brasil, como o relatório com dados globais de energia eólica. Na entrevista a seguir, a economista Elbia Gannoum, presidente-executiva da ABEEólica, fala sobre o momento positivo vivido pelo segmento.
Jornal do Comércio - Depois de um bom período sem investimentos, deveremos ter uma considerável ampliação na matriz energética nos próximos anos. Como a senhora avalia o atual momento para o setor eólico?
Elbia Gannoum - O Brasil bateu recorde de instalação em 2021, com cerca de 3,8 GW de nova capacidade instalada. Ultrapassamos a marca de 20 GW no Brasil no ano passado. Até 2026, teremos pelo menos 36 GW. Digo "pelo menos" porque isso se refere apenas aos contratos já fechados até hoje. Ou seja, esse número certamente será maior, até porque o mercado livre está crescendo cada vez mais para as eólicas. Considerando apenas os contratos assinados, podemos estimar um investimento de cerca de R$ 80 bilhões nos próximos cinco anos. Em 2022, devemos bater novo recorde de instalações, fruto dos leilões realizados nos anos anteriores e, principalmente, do crescimento que a eólica vem tendo nos últimos anos no mercado livre. Também esperamos um bom avanço para a nova tecnologia das eólicas offshore. A ABEEólica avalia que o Decreto Nº 10.946, publicado pelo governo no final de janeiro, que dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais no mar para a geração de energia elétrica a partir de empreendimentos offshore, é um avanço crucial para que o Brasil possa iniciar seu caminho na implantação de parques eólicos offshore com segurança para o investidor, governo e sociedade.
JC - A utilização de energia eólica tem crescido bastante no Brasil, mas ainda de forma tímida em comparação com a hidrelétrica. Podemos dizer que a tendência é de que ela se equipare ou até supere fontes de energia mais tradicionais no futuro?
Elbia - A eólica ocupa cerca de 11% da matriz elétrica e pode ainda crescer mais. Hoje é a segunda fonte da matriz. Sempre que falamos de contratações e do futuro da fonte eólica no Brasil, é importante reiterar esse conceito muito importante: nossa matriz elétrica tem a admirável qualidade de ser diversificada e assim deve continuar. Cada fonte tem seus méritos e precisamos de todas, especialmente se considerarmos que a expansão da matriz deve se dar majoritariamente por fontes renováveis. Do lado da energia eólica, o que podemos dizer é que a escolha de sua contratação faz sentido do ponto de vista técnico, social, ambiental e econômico, já que tem sido a mais competitiva nos últimos leilões. Não temos como saber quanto será contratado nos próximos leilões do mercado regulado, mas o futuro certamente é promissor.
JC - Quais são os desafios, hoje, na busca de novos investimentos em energias renováveis?
Elbia - No caso do Brasil especificamente, o principal gargalo não é uma questão do setor eólico, mas da economia em geral. O principal desafio é que a economia volte a crescer, para que cresçam também as novas contratações de energia. Os leilões do mercado regulado, devido à baixa demanda, têm sido pequenos.

Sistema de transmissão tem reforço de 3,2 mil quilômetros

Escassez de linhas de transmissão atravancava crescimento do setor

Escassez de linhas de transmissão atravancava crescimento do setor


Luiz Chaves/Palácio Piratini/divulgação/jc
Para atrair novos investimentos, é necessário dispor de uma infraestrutura funcional. No caso do setor energético do Rio Grande do Sul, uma demanda antiga era a ampliação do sistema de transmissão, que ganhará um reforço considerável nos próximos anos. De 2018 a 2020, o Estado arrematou, em três leilões da Aneel, 32 linhas e oito trechos, além de 15 novas subestações e a ampliação de outras 13.
Os nove lotes agregarão 8,8 GVA (giga-ampères) de capacidade ao sistema elétrico gaúcho, através de 3.200 quilômetros de linhas de transmissão, garantindo que todos os projetos de usinas para produção de energia tenham possibilidade de conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Os investimentos são de aproximadamente R$ 6,5 bilhões, e as obras, em andamento, devem ser concluídas até 2025.
"Esse sistema robusto de transmissão de energia elétrica que está sendo construído no Rio Grande do Sul, além de possibilitar a conexão de novos projetos de geração, principalmente aqueles localizados na Metade Sul do Estado, ainda reforçará sobremaneira a região serrana de Caxias do Sul e a Região Metropolitana de Porto Alegre", ressalta o diretor de Energia da Sema, Eberson Silveira.
O presidente do Sindienergia-RS, Guilherme Sari, considera a ampliação mais que bem-vinda, uma vez que a escassez de linhas atravancava o crescimento do setor. "Tivemos um momento intenso na geração de energia renovável, de 2010 a 2014, mas havia falta de infraestrutura de transmissão - muito em função de a Eletrosul, vencedora do edital de 2014, não ter feito as linhas, uma infraestrutura pesada que acabou sendo relicitada para a iniciativa privada. Hoje essas linhas estão chegando, então é um momento de retomada."
 

*Daniel Sanes é jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas. Já foi repórter e editor no Jornal do Comércio. Hoje, atua como freelancer.