Porto Alegre perdeu metade dos usuários de ônibus em um ano e tem 162 linhas a menos desde 2019. Se contar os dois últimos anos, foram mais de 100 milhões de viagens que passageiros deixaram de fazer usando o modal. Desde que a Covid-19 chegou à Capital, mais da metade da frota estacionou nas garagens. Para resolver o problema, prefeitura e transportadoras estudam reformas no sistema e, em outra frente, o poder municipal projeta a privatização da Carris.
Paradas vazias e queda brusca nos passageiros intensificaram a crise no setor
/MARCO QUINTANA/ARQUIVO/JC
A crise sanitária e econômica gerada pela Covid-19 acelerou um mal já anunciado em Porto Alegre: o transporte público entrou em colapso. E mesmo que a economia caminhe para a retomada, com o avanço gradual das vacinações na Capital, o estrago no sistema de ônibus já está feito, e só deve melhorar com reformas profundas.
O número de passageiros, que já estava em queda antes do vírus, despencou para metade neste ano. Foram pouco mais de 23,5 milhões pessoas entre janeiro e março de 2021. No mesmo período de 2020 a ocupação tinha sido de 45,7 milhões, segundo dados da EPTC. O total de passageiros do ano passado é o menor em 20 anos.
A bibliotecária Manoela Silveira, de 28 anos, faz parte desse grupo que abandonou o transporte público. Ela já chegou a pegar quatro ônibus por dia na época da graduação, mas foi substituindo o modal aos poucos nos últimos dois anos, ora por aplicativos como o Uber, ora pela bicicleta. A pandemia só veio esvaecer ainda mais sua relação com o modal público.
"Além da passagem cara e ônibus cheios durante a pandemia, o tempo de espera nas paradas é muito maior. Já cheguei a esperar 30 minutos em horário de pico. Por isso, o ônibus representa hoje 15% no meu deslocamento. Só uso quando não há outra alternativa".
Como a bibliotecária mora no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, e trabalha em Canoas, ela precisou bolar um plano para evitar as linhas 149 e 177, que a deixam no Centro Histórico.
Manoela trocou o transporte público pela bicicleta. Em geral, ela usa sua assinatura de aluguel de bikes para ir de casa até a Estação Mercado do Trensurb. Pega o trem e depois desce na Estação São Luiz, em Canoas, e segue até o serviço a pé. A volta para casa segue o mesmo roteiro. "E se por acaso me atrasar, pego um Uber para o Centro, que custa R$ 1,00 a mais que ônibus, mas é muito mais rápido".
A demora sentida nas paradas é real. Os ônibus em circulação reduziram pela metade desde a chegada do vírus em Porto Alegre - rodam 736 dos 1480 veículos que compõem a frota (dados da EPTC relativos a março).
A redução de linhas é outra queda abrupta, e que antecede a chegada do vírus: passou de 376 para 214 nos últimos dois anos. Entre extintas e fundidas, a redução passa dos 40%. Linhas como a Menino Deus (177), que se fundiu com a linha Icaraí (149). Outro caso é o das linhas Ponta Grossa (171) e Serraria (179), que se uniram em 2020, assim como as linhas Chácara das Pedras (608) e IAPI (637).
Ou seja, há menos procura e menos oferta no sistema ônibus, uma equação bem perigosa para qualquer mercado, mas principalmente para os que se sustentam apenas em cima dos passageiros pagantes, como é o caso do transporte na Capital gaúcha.
E ainda que a ocupação volte ao patamar de antes da pandemia, o rombo no sistema obriga os gestores do transporte a desenhar uma reestruturação operacional às pressas, e cortar significativos custos ainda mais rapidamente. Isso somado à necessidade de reconquistar os usuários perdidos.
Manoela não planeja voltar. "Para ser usuária assídua novamente não é só uma passagem mais barata que vai me atrair. Se os outros meios de deslocamento que eu uso [Uber e BikePoa] deixassem de ser tão vantajosos como são hoje e, ao mesmo tempo, os ônibus voltassem a cumprir a tabela de horários, talvez eu voltaria", indica a ex-usuária do transporte público.
Nos consórcios privados, responsáveis por 78% da operação, o rombo passou dos R$ 100 milhões no último ano, segundo a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP). Em negociações entre prefeitura e ATP, ficou acordado o repasse de R$ 16 milhões para os privados, parcelado em oito vezes, como forma de manter a mesma tarifa (R$ 4,55) até maio e cobrir o prejuízo das privadas - especula-se que a partir disso a tarifa poderá subir para R$ 5,05. Em contrapartida, é preciso remodelar o sistema.
Já a Carris, única operadora pública da Capital, responsável por 22% das viagens, recebeu R$ 66 milhões em aportes públicos ano passado para cobrir os prejuízos. O valor é três vezes maior do que o encaminhado à empresa em 2019. Segundo o executivo municipal, o custo da Carris aos cofres públicos tem girado em torno de R$ 6 milhões ao mês.
"Se eu tivesse que eleger três temas desafiadores no Brasil, um deles seria mobilidade urbana. A falta de atenção ao tema nos colocou nessa situação, com tarifa cara, serviço de péssima qualidade e um sistema que não é integrado", exclama o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, que pode aumentar tarifa nos próximos dias, congelada desde novembro de 2020.
Para conter a sangria, além da ação paliativa do aumento tarifário, que serve para cobrir a queda de passageiros durante a Covid-19, outras mudanças mais estruturais estão sendo encaminhadas. Uma delas, talvez a principal, é a intenção de privatizar a Carris, projeto que o prefeito Melo pretende encaminhar à Câmara Municipal até dia 20 de maio.
Em dez anos, o déficit acumulado da empresa pública de transporte foi de R$ 345 milhões, conforme apurou o Jornal do Comércio. "O custo dela [Carris] é 40% maior do que o das demais operadoras. Só em 2020 o déficit passou de R$ 40 milhões. Tudo isso justifica a privatização", argumenta Melo.
Já no lados dos consórcios que operam na Capital, a repactuação do contrato firmado com a prefeitura em 2015 está em curso e deve redefinir o modelo econômico e operacional do sistema que, segundo os gestores privados, é insustentável nos atuais parâmetros. O que se busca na prática é baratear o serviço cortando despesas, além de rever o cálculo tarifário, que atualmente é resultado da divisão de todos os custos de operação pelo número de passageiros pagantes, conhecido como IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro). Um modelo que não se sustenta mais, avaliam gestores do setor.
"O contrato firmado em 2015 nunca foi economicamente sustentável para os consórcios, até porque ele foi assinado pouco tempo antes da chegada dos aplicativos de transporte em Porto Alegre, que mudou todo o panorama da mobilidade na cidade", lembra o engenheiro de Transportes Antônio Augusto Lovatto.
O resultado dessa defasagem quase instantânea da licitação foi um déficit de cerca de R$3 milhões mensais para os privados, entre o contrato firmado em 2015 e a pandemia. O vírus só maximizou as perdas dos consórcios e da Carris.
Com isso, a frota de ônibus envelhece sem perspectiva de renovação, no caso dos privados. Os ônibus da ATP já têm, em média, uma década de uso, a frota mais antiga dos últimos 30 anos. No caso da Carris, houve compra de 98 novos ônibus em 2020, mas isso não significa que a empresa pública esteja melhor financeiramente.
Uma conta que não fecha
Modelo do cálculo atual de tarifa é considerado insustentável
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Com a queda de passageiros, mas não de custos, a tarifa de ônibus em Porto Alegre só tende a crescer. Isso porque a Capital segue um modelo no qual o passageiro paga integralmente na tarifa os custos de operação dos ônibus e das gratuidades. O modelo é conhecido como IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro). Ou seja , se cai a demanda e os custos seguem os mesmos, só há uma direção: para cima.
Luiz Afonso Senna, secretário de mobilidade e presidente da EPTC entre 2005 e 2010, chama o atual cálculo tarifário de "equação da morte". Não apenas Senna acha isso. É quase consenso, entre os técnicos do transporte coletivo a necessidade uma tarifa subsidiada pelo poder público.
"Não existe hoje um sistema público de qualidade financiado simplesmente pelo usuário. Tem que se buscar uma fonte externa", enfatiza o engenheiro de Transportes, Antônio Lovatto. Cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba já usam o modelo subsidiado.
Neste modelo, a prefeitura aporta anualmente recursos próprios no sistema para estabilizar o preço da tarifa e mantê-la em um patamar baixo, assim o valor não flutua conforme a demanda de passageiros. Países da Europa e Estados Unidos chegam a ter subsídios estatais na casa dos 70% em transporte público.
Além desse custeio mais direto do poder municipal, existe também a possibilidade de um subsídio cruzado, proposta defendida pelo prefeito Sebastião Melo durante a campanha eleitoral de 2020. Neste caso, não haveria injeção de recursos no sistema, mas isenções fiscais na compra dos ônibus e óleo diesel.
O problema desse modelo é que ele depende de alinhamento com o governo federal já que a maioria dos impostos que seriam gerados são recolhidos pela União, justifica Melo.
Ex-gestores comentam situação do transporte público
Abong / Reprodução Mauri Cruz
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Secretário de transportes entre 1993 e 1998, Mauri Cruz fez parte da fundação da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), onde foi presidente de 1998 a 2000. Gestor nos governos petistas da Capital (Olívio, Raul e Tarso), ele acredita que não só a Carris deve permanecer pública, como também a arrecadação tarifária deveria ser da prefeitura.
De acordo com Cruz, a ideia inicial da EPTC era justamente ter o controle tarifário. "A tarifa é fixada pelo poder público, mas a arrecadação é da ATP. E como as operadoras não realizam 100% das viagens programadas e a tarifa é fixada em cima dessa totalidade, sobra uma receita que não é aplicada no sistema, nem volta para a prefeitura". Na opinião de Cruz, a prefeitura, através da EPTC, deveria ter o controle da arrecadação e remunerar as empresas pelo serviço prestado.
No tempo em que esteve à frente dos transportes, a Carris vivia uma boa fase: superavitária, cumpria 94% das viagens programadas e conquistou o primeiro prêmio nacional de qualidade do serviço, em 1999. Até por esse histórico, privatizar a empresa pública é um erro na visão de Cruz.
"A questão é prática: se a tarifa não paga os custos do sistemas, tem que haver subsídios. Não teria sentido o poder público botar dinheiro no setor privado, que atualmente também é ineficiente no transporte. Não vejo porque privatizar a Carris se o problema está no sistema", analisa o ex-gestor.
Embora o sistema seja muito hermético no tamanho dos ônibus e com uma tarifa única, a resposta para eficiência está na gestão pública, avalia. "O futuro do transporte, por exemplo, é a mudança do óleo diesel para ônibus elétricos. Não é competência do setor privado investir em trocar a matriz energética. Quem precisa fazer é o poder público."
No comando da secretaria de mobilidade e da EPTC entre 2005 e 2010, durante o governo Fogaça, Luiz Afonso Senna foi responsável pela implantação do cartão TRI em Porto Alegre e deu início ao Plano Cicloviário. Como a ocupação dos ônibus era alta na época de seu mandato e a Carris ainda se pagava, o foco da gestão era no planejamento:
"Costumo dizer que se troca o telhado em dia de sol e não quando está chovendo. Naquela época, era dia de sol e nós estávamos aproveitando para trocar o telhado sob o ponto de vista da integração do transporte", recorda Senna, que atualmente é presidente da Agergs.
Para ele, o sistema de ônibus precisa de um choque de marketing para atrair novos passageiros. "Só me lembro de dois mercados que chamam seu consumidor de 'usuário', o transporte público e mercado de drogas. É um termo que remete à falta de opção, mas hoje há diversas formas de se locomover".
Neste cenário de busca por novos passageiros, o transporte público tem que voltar a atrair todas as classes sociais, avalia. "Se o sistema for só para pobre, esta condenado à morte, pois a primeira coisa que o pobre vai fazer quando melhorar de vida é deixar o transporte".
De acordo com Senna, o caminho para eficiência não depende de uma Carris pública ou privada, "mas não gosto quando o poder público é o poder concedente, o ente regulador e também empresa fornecedora ao mesmo tempo", acrescenta.
O ex-gestor avalia soluções como variação da tarifa durante o dia, integração com outros sistemas, subsídios para a passagem e várias outras questões que fazem parte do "kit século XXI" como forma de inovar o serviço. "O ônibus não é um cartório, então é preciso olhar a concorrência, se atualizar e ter uma mentalidade de mercado".
Helen Machado foi escolhida por um caça talentos para assumir a direção administrativa da Carris em 2017, na época do governo Marchezan. Passou um mês, ela já era presidente da Companhia Pública. Mais um mês, tinha identificado um esquema de fraudes contratuais, com desvios na casa do R$ 1,7 milhão. Em dois anos à frente da Carris, sua gestão reduziu o déficit da empresa em 70%.
"Com esse resultado, não me tornei uma pessoa muito querida na Carris. O bom gestor não faz aquilo que os outros querem, mas o que realmente precisa ser feito. Cortar custos e tirar da zona de conforto tem consequências."
Entre as ações, a direção de 2017 criou uma série de controles de pagamentos, reorganização dos fluxos de caixa e estabeleceu metas de cumprimento do orçamento. "A Carris pagava muita coisa com cheque administrativo, o que já era um indicativo dos desvios. Não havia justificativa para uma empresa com faturamento de RS 150 milhões fazer pagamentos em cheque".
Segundo Helen, as fraudes são reflexos das más gestões na empresa pública. A mais conhecida delas na companhia, descoberta em 2017, foi o caso Ivsem Gonçalves, que usava o nome de uma criança morta para obter indenizações da Companhia. "Uma auditoria simples identificaria a fraude, mas não foi feita sob comando de outros gestores. Nós identificamos logo nos primeiros meses de casa", explica Helen.
Hoje à frente de uma estatal de Caxias do Sul, Helen avalia que, em geral, o transporte público passa por um momento de análise da situação de mercado e busca por equilíbrio financeiro, mas não considera o caminho nada simples, nem opina se é a favor ou contra a privatização da Carris. "Uma das saídas é o subsídio tarifário", pontua.
Repactuação do contrato promete reforma no sistema
Reuniões entre prefeitura e ATP, mediadas pelo Judiciário, acontecem desde janeiro deste ano
/Mateus Raugust/PMPA/JC
Revisão das isenções; fim dos cobradores; tarifa menor em períodos de entrepico; tamanhos dos ônibus variando conforme a demanda; integração digital e entre os modais, além de um novo cálculo tarifário. Estes são alguns dos temas na ata das reuniões entre prefeitura e Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), mediadas pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos desde janeiro.
Embora não sejam novidades no âmbito técnico, as medidas para minimizar o prejuízo no transporte público ganham corpo agora em razão da urgência de reestruturação. Elas fazem parte da repactuação do contrato firmado há seis anos. Antes dele, o sistema operou sem regulamentação de 1950 a 2015.
Das negociações que já avançaram nos encontros, a primeira anunciada foi o repasse da prefeitura no valor de R$ 16 milhões aos consórcios para cobrir a tarifa até maio.
"Existe uma convergência grande no fórum técnico sobre as revisões contratuais, todos sabem que é necessário e o clima tem sido de entendimento, mas muita coisa ainda não passou pelo executivo. A parte da decisão política foge do nosso controle", conta o engenheiro da ATP Antônio Lovatto.
A questão das isenções será a próxima encaminhada à Câmara, o que deve acontecer nos próximos dias, segundo informações do Paço Municipal.
Conforme o prefeito Sebastião Melo, a proposta é limitar o benefício para estudantes sob o ponto de vista da renda, retirando a universalidade dos descontos para a classe estudantil. O perfil desses estudantes que serão cortados é o universitário de Medicina que paga integralmente a mensalidade, exemplifica Melo.
"E para aquele estudante de baixíssima renda, nós estamos estudando se podemos arcar com a isenção usando recursos do Fundeb", acrescenta.
O prefeito não informou qual será a faixa de renda dos que terão acesso ao desconto ou dos que serão cortados, caso o projeto seja aprovado. Há também a intenção de fazer um pente fino nas isenções dos passageiros com mais de 65 anos em outro projeto.
Outro ponto polêmico é o projeto que visa o fim dos cobradores, já rejeitado uma vez pela pelo legislativo municipal, em fevereiro de 2020. Segundo cálculos da ATP, os cobradores representam R$ 0,80 no custo da passagem. "Se o governo não quiser discutir isso [fim dos cobradores] e decidir por bancar o custo do cobrador, tudo bem. Mas alguma coisa tem que tirar da operação dos ônibus", explica Lovatto.
A redução da tarifa durante o baixo movimento - outra medida discutida - serve para adequar o transporte à demanda e reduzir a ociosidade da frota, a exemplo de outros sistemas que também têm preços tabelados pelo horário, como o metrô de Nova York.
Já a variação de tamanho dos veículos incide no custo de operação. A proposta é reduzir o ônibus em linhas que historicamente têm menos passageiros, mas também podem ser usados para rodar no entrepico, consumindo assim menos combustível.
Tudo isso está sendo tratado agora, em caráter de urgência, porque o prejuízo só cresceu no transporte público desde 2015. Não em razão do contrato em si, mas porque logo depois de sua homologação, apps como o Uber e 99 Pop adentraram Porto Alegre abatendo todos os concorrentes. Desde o contrato, o sistema que perdia em torno de 1,5% de passageiros ao ano passou a perder cerca de 5%.
Nesse ritmo, que só aumentou o passo com a Covid-19, embora a lista de mudanças tragam melhorias para o sistema se aprovadas, "mesmo assim vai precisar de outras fontes de custeio", diz o engenheiro da ATP. Ele se refere ao subsídio da passagem.
Fim da linha para Carris: projeto de privatização vai à Câmara
Companhia pública fechou 2020 com déficit de mais R$ 40 milhões e queda de 70% na receita
/MARIANA ALVES/JC
A Companhia Carris Porto Alegrense, empresa pública de 148 anos fundada por Dom Pedro II, pode estar muito perto de mudar de dono. A decisão de privatizar a Carris foi tomada em meados de março pelo prefeito Sebastião Melo. "Quero dizer que vamos privatizar a Carris, não tem outro jeito, estamos fazendo os trâmites para isso" disse, em evento promovido pela Federasul.
O próximo passo para a privatização já tem prazo: até dia 20 de maio deve ser enviado o projeto à Câmara de Vereadores, informa Melo. Depois vêm as fases de articulação e debate político. "Vamos nos reunir com a oposição e com os líderes de governo para apresentar a necessidade da medida".
Embora seja responsável por 22% das viagens de ônibus, a Carris é cerca de 40% mais cara do que os outros três consórcios que operam na Capital. Há cerca de nove anos, quando a Carris começou a registrar déficit, a prefeitura faz sistemáticos aportes na empresa para cobrir parte do prejuízo. Os demais consórcios receberam o primeiro repasse neste ano. Um dos motivos que fazem a Carris mais onerosa, segundo Melo, é o processo de compra, que é feito por licitação diferente dos outros operadores. "Na compra privada é possível pechinchar. Na pública, a comprar é pelo edital."
A questão trabalhista também impacta. A Companhia tem um passivo trabalhista que gira em torno de R$ 19 milhões. Além disso, fraudes contratuais voltadas a pagamentos de indenizações eclodiram na mídia em 2017, o que afetou ainda mais a imagem da empresa. Segundo antigos gestores de transporte na Capital, a Carris cultivou durante muito tempo uma postura de cabide de empregos e celeiro de cargos comissionados (CCs), o que contribui para o inchamento de suas despesas extras (fora do custo de operação).
Mas nem sempre foi assim. A Companhia começou a fechar o ano no vermelho somente em 2011. Antes disso, a Carris não só deu lucro, como também foi eleita a melhor empresa de transporte do Brasil, em 1999 e 2001, pela Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP).
Durante muito tempo ela faz parte do imaginário do porto-alegrense como balizadora da qualidade do transporte na Capital. Enquanto os demais consórcios reduziram a frota em circulação durante a pandemia, a Carris manteve a operação sem poder gozar de acordos de redução de jornada com as operadoras privadas.
A Companhia pública fechou 2020 com déficit de mais R$ 40 milhões e queda de 70% na receita desde que foram deflagradas as medidas para evitar a disseminação do novo coronavírus. Mesmo assim, o projeto de privatização deve encontrar resistência da oposição.
* Pedro Carrizo é jornalista formado pela Universidade Ritter dos Reis. Teve passagens pelo Jornal do Comércio e, hoje, atua como free-lancer.