Criado em 2023 com a intenção de democratizar o acesso à formação em cinema, o programa Jovem Produtor Audiovisual vem transformando realidades em Porto Alegre. À frente da iniciativa está o cineasta e jornalista Marcos Kligman, que conhece de perto as barreiras sociais do setor. "Eu sou um pobre trabalhando numa área de ricos. Quando tive a chance de criar algo para quem era como eu — apaixonado por cinema, mas sem acesso — eu fiz", conta ele.
A primeira edição do curso surgiu de forma particular, com metade das vagas destinadas a bolsistas e o menor valor cobrado na cidade. Depois, com apoio da Lei Paulo Gustavo, o projeto foi selecionado em primeiro lugar no edital de Porto Alegre, permitindo que todas as vagas fossem gratuitas.
O curso se estrutura em três etapas: formação teórica, prática e exibição. Após as aulas introdutórias, os alunos se dividem em grupos e produzem curtas-metragens com o apoio da produtora do idealizador, que cede equipamentos e espaço. A experiência culmina em sessões de cinema com debates — muitas vezes em locais onde o cinema não chega, como bairros periféricos da cidade.
O impacto não é apenas na formação, mas também na representatividade. "Cursos audiovisuais são caros. Quando só pessoas de alto poder aquisitivo entram no setor, os filmes mantêm o status quo. Nosso projeto permite narrativas que enfrentam e transformam", explica. Hoje, as exibições acontecem também em escolas da zona rural, com audiodescrição e legendas acessíveis, em parceria com iniciativas como o Cine Mônica.
Desde o início, cerca de 120 pessoas participaram do programa, com uma demanda crescente: na última edição, houve 16 candidatos por vaga. Apesar do nome, não há limite de idade — o jovem, aqui, é quem está começando no audiovisual.
Mais do que formar cineastas, o programa forma redes e inspira novos negócios. Entre os ex-alunos estão produtoras como a TMOF (Todo Mundo de Festival), que cobre eventos como o Festival de Gramado, e filmes de destaque como Translume, dirigido por Bruno César e majoritariamente produzido por neuro divergentes, ou Fobia, de Adrielle Figueiró, o primeiro curta-metragem brasileiro totalmente feito por mulheres negras.
Adrielle, de 28 anos, é também idealizadora da Cura - Coletiva Urbana de Retomada Aquilombaí, conheceu o JPA através de cartazes espalhados pela cidade. "Na época, eu tinha pouca familiaridade com o cinema, mas já havia trabalhado como diretora de arte no clipe Pai Nosso, da artista Agnes Mariá, e participado como figurante em outras produções", conta.
Segundo ela, o curso foi essencial para consolidar seu caminho no audiovisual e foi dessa vivência que nasceu Fobia, curta que usa o suspense para explorar o impacto do racismo na saúde mental de pessoas negras. "Fiz questão de estender essa oportunidade a outras pessoas negras iguais a mim. Todo o projeto — da concepção à captação de recursos e gravação — foi realizado por nós."
Para o idealizador, o futuro do audiovisual brasileiro depende de políticas públicas consistentes e da valorização da juventude criativa. "O audiovisual é parte da economia criativa, uma indústria com alto retorno social e econômico. Cada filme envolve segurança, alimentação, transporte. O impacto vai além do set de filmagem."
A missão do Jovem Produtor Audiovisual é clara: dar estrutura para que novos olhares sobre o mundo possam emergir.
A próxima oportunidade de conhecer esses novos olhares é a Terceira Mostra do Jovem Produtor Audiovisual, que acontecerá no dia 30 de abril, às 19h, na Sala Redenção. A entrada é gratuita e serão exibidos quatro curtas-metragens, entre eles o destaque para a estreia de 666x1 — Uma jornada de trabalho dos infernos!. Uma boa oportunidade de prestigiar o cinema local e suas novas vozes.
Cineclube Academia das Musas destaca trajetórias de mulheres
Desde 2016, o Cineclube Academia das Musas vem construindo um espaço potente para a visibilidade de mulheres no audiovisual. Criado em Porto Alegre, o projeto nasceu das discussões do grupo de estudos Aurora e da tese de doutorado de Luiz Carlos de Oliveira Júnior.
A proposta inicial — refletir sobre as representações femininas nas telas — logo se aprofundou: o foco passou a ser o olhar de cineastas mulheres, explorando como constroem narrativas, símbolos e diálogos em suas obras.
Com mais de 230 filmes exibidos, de 186 diretoras de diferentes partes do mundo, o cineclube promove sessões gratuitas com debates abertos ao público, majoritariamente realizadas na Cinemateca Capitólio e na Sala Redenção da Ufrgs. Em 2020, durante a pandemia, adaptaram-se ao formato online com encontros virtuais, viabilizados por edital público.
Yasmin Borges, integrante do projeto desde 2020, destaca a força da pesquisa no grupo: "A gente gosta muito de buscar diretoras esquecidas pela história oficial do cinema. É um trabalho de resgate e de reflexão coletiva". Hoje, o grupo conta com cerca de 10 a 12 membros ativos.
Além das sessões regulares, o projeto também criou o "Cineclube Academia das Musas na Escola", iniciativa contemplada pelo edital Paulo Gustavo em 2023. A proposta levou o cinema para dentro da sala de aula, com sessões seguidas de debates em uma escola pública de Porto Alegre. Foram exibidos curtas-metragens como Barbosa 1988 (Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado), Só sei que foi assim (Giovanna Muzel), Eu não sou um robô (Gabriela Lamas) e Centenário da minha bisa (Cristyelen Ambrózio).
Outro destaque do cineclube é a Revista Academia das Musas, publicação anual que reúne textos críticos, ensaios e reflexões escritas pelas próprias integrantes sobre as obras exibidas e pesquisadas. A revista está disponível gratuitamente no site do projeto, reforçando o compromisso com a difusão do pensamento feminista e decolonial no campo do cinema.
Com curadoria sensível e afeto como método, o Cineclube Academia das Musas segue firmando sua missão: celebrar e aprofundar o debate sobre o cinema feito por mulheres e dissidências, promovendo a educação crítica e a diversidade cultural — dentro e fora das salas de cinema.