Marcus Meneghetti, especial para o JC*
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a criação da primeira Reserva Estratégica de Bitcoin do país, marcando uma guinada histórica na relação do governo com os criptoativos. A medida, oficializada por ordem executiva em 6 de março, estabelece que os cerca de 200 mil bitcoins já confiscados pelo Estado serão mantidos em reserva, com valor estimado em US$ 17,3 bilhões. O plano também prevê estratégias para ampliar esse estoque sem onerar os cofres públicos. Além do Bitcoin, foi criado o Estoque de Ativos Digitais, que reunirá outras criptomoedas como Ethereum, Ripple, Solana e Cardano, também provenientes de apreensões judiciais.

Medida, oficializada por ordem executiva em 6 de março, estabelece que os cerca de 200 mil Bitcoins já confiscados pelo governo serão mantidos em reserva
/SAUL LOEB/AFP/JCO presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levou 45 dias para cumprir uma das promessas de campanha mais aguardadas pelos investidores em criptoativos: a criação de uma Reserva Estratégica de Bitcoin (BTC). Após ouvir uma breve explicação sobre a ordem executiva apresentada no salão oval da Casa Branca na noite de 6 de março, Trump assinou o documento que estabelece que o governo norte-americano vai manter os cerca de 200 mil Bitcoins confiscados em ações judiciais em uma reserva oficial. O fundo equivale a mais de US$ 17,3 bilhões (conforme a cotação no início de março) e pode gerar uma corrida pela maior criptomoeda do mundo.
A ordem executiva assinada por Trump não estabelece apenas a criação da reserva de Bitcoin. Ela também prevê que "os secretários do Tesouro e do Comércio devem desenvolver estratégias para adquirir mais BTC, mas tais estratégias terão orçamento neutro e não causarão nenhum custo adicional para os contribuintes". Ou seja, a Casa Branca não pretende empregar nenhuma porção do orçamento público na compra desse ativo.
A medida cria ainda o Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos, um estoque de outras criptomoedas alternativas ao Bitcoin (as chamadas Altcoins). "No entanto, o governo estadunidense não deve adquirir mais ativos para o estoque de ativos digitais, apenas aqueles relacionados à apreensões em processos criminais e civis ou em penas monetárias impostas por agências do Estado sem relação com ações Legislativas e Executivas". Entre os criptoativos presentes nesse estoque, estão os maiores projetos sediados em solo norte-americano, como o Etherium (ETH), Ripple (XRP), Solana (SOL) e Cardano (ADA).
Basicamente, a diferença entre a Reserva Estratégica de Bitcoin e o Estoque de Ativos Digitais é a seguinte: na primeira, o governo pretende manter o BTC apreendido em ações judiciais e buscar maneiras de adquirir mais BTC sem custo ao erário público; na segunda, o governo pretende apenas manter o ETH, XRP, SOL e ADA confiscados em ações judiciais.
No dia seguinte à criação da Reserva de Bitcoin e do Estoque de Ativos Digitais, o presidente Donald Trump celebrou a medida em um evento com representantes do setor no primeiro Encontro de Criptomoedas da Casa Branca. Após os CEOs de corretoras de criptoativos, líderes de projetos relacionados a criptomoedas e integrantes do governo discutirem políticas para fomentar a área de Fintech (Financial Technology) nos Estados Unidos, o presidente se juntou à mesa redonda com dezenas de participantes.
"No ano passado, eu prometi transformar os Estados Unidos na superpotência do Bitcoin no planeta. Por isso, estamos tomando uma medida histórica. Eu assinei uma ordem executiva para criar a Reserva Estratégica de Bitcoin, que vai ser o nosso Fort Knox do 'ouro digital''', disse. Trump foi bastante aplaudido ao comparar a reserva de Bitcoin com a reserva de ouro mantida pelo governo dos Estados Unidos no Fort Knox, um edifício federal fortificado no estado do Kentucky.
A declaração do presidente norte-americano fez referência a um dos slogans associados ao Bitcoin - frequentemente chamado de 'ouro digital' - pelo fato de essa criptomoeda ter uma característica em comum com o ouro: a escassez causa a valorização do ativo. O BTC é uma espécie de dinheiro digital com um número fixo de 21 milhões de unidades em circulação. Isso faz com que o preço de cada bitcoin cresça à medida que aumenta a demanda por esse ativo.
Criptoativos surgem como alternativa para investidores protegerem o patrimônio

O Bitcoin fechou o ano de 2024 com alta de 121,23% na maior corretora do mundo, a Binance, enquanto o ouro subiu 25,5%
/Freepik/divulgação/JCDa mesma maneira que o ouro é utilizado há séculos para estocar valor, o Bitcoin (BTC) tem sido usado por empresas e investidores nos últimos anos para proteger seu patrimônio contra a desvalorização causada pela inflação. Muitos investidores têm sido atraídos pelos gráficos íngremes do Bitcoin. Por exemplo, o BTC fechou o ano de 2024 com alta de 121,23% na maior corretora do mundo, a Binance. Já o ouro valorizou 25,5% no mesmo período, conforme o Conselho Mundial do Ouro.
O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Lucas Mussoi, que se dedica ao estudo dos criptoativos, vê a reserva estratégica como uma mudança de paradigma em relação ao Bitcoin. Ele avalia que, no momento em que a maior economia do planeta adota uma reserva dessa criptomoeda, é possível enxergá-la não mais como uma forma de investimento, mas sim uma reserva de valor. Na sua avaliação, este pode ser o primeiro passo para o Bitcoin assumir o papel do ouro, utilizado como reserva de valor e lastro para o dólar até 1971.
"Com a reserva, a gente está mudando a maneira de ver o Bitcoin, saindo da ideia de um investimento para a concepção de uma reserva de valor. Ou seja, o Bitcoin está assumindo o papel do ouro. Pode ser uma estratégia do FED (Federal Reserve Board) em que ele está se expondo a um mercado mais volátil. Não vou dizer que ele está abandonando o ouro, mas ele está agregando as variações (de preço) do BTC que o ouro não tem", analisa o pesquisador.
Mas, se por um lado, o Bitcoin e o ouro compartilham características como a escassez, por outro, possuem diferenças significativas como a volatilidade. O professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Jéfferson Colombo, que pesquisa os criptoativos, pondera que o Bitcoin está muito mais suscetível a quedas acentuadas durante períodos de crise, enquanto o ouro tende a se manter mais estável em momentos de incerteza. Para se ter uma noção, o BTC teve uma queda de 65,5% em 2022, após a pandemia de coronavírus no mundo. No mesmo período, o ouro decresceu 0,8%.
Aliás, a volatilidade continua sendo o principal obstáculo para a adoção do Bitcoin, seja como investimento ou reserva de valor. De acordo com um relatório da River, empresa de serviços financeiros especializada em BTC, apenas 4% da população mundial possui essa criptomoeda. Segundo o relatório, isso indica grande margem para crescimento.
Apesar de não empregar recursos públicos para a reserva estratégica, Trump lembrou que "o governo dos Estados Unidos está entre os maiores detentores de Bitcoin no mundo." Em 2024, o governo dos Estados Unidos fechou o ano como o Estado com mais BTC do mundo, com 207.189 Bitcoins. Naquele ano, o ranking seguia com a China (194 mil), Reino Unido (61 mil), Ucrânia (46.351), Butão (13.029) e El Salvador (cujo governo compra pelo menos um BTC por dia, somando mais de 6.100 em março deste ano).
O republicano aproveitou o encontro para criticar seu antecessor, o democrata Joe Biden, por manter a política governamental de revender os Bitcoins apreendidos. "Infelizmente, nos últimos anos, o governo dos Estados Unidos vendeu dezenas de milhares de BTCs que valiam bilhões de dólares. A partir de hoje, o governo vai seguir a regra (conhecida entre os investidores de criptomoedas). 'Nunca venda seu Bitcoin'", disse Trump, sendo aplaudido mais uma vez.
O conselheiro para assuntos tecnológicos da Casa Branca David Sachs - conhecido como o "czar" das criptomoedas e inteligência artificial da Casa Branca - estava sentado ao lado de Trump no encontro com os representantes das maiores corretoras e criptomoedas do mercado. Sachs escreveu em sua conta na rede social X que, "na última década, o governo estadunidense vendeu aproximadamente 195 mil Bitcoins por aproximadamente US$ 366 milhões. Se o governo tivesse mantido os Bitcoins, eles valeriam cerca de US$ 17 bilhões hoje. Esse é o custo para o pagador de impostos por não ter uma estratégia de longo prazo."
Por dentro das criptomoedas

/Freepik/Divulgação/JC
O que são criptomoedas?
Criptomoedas são uma espécie de dinheiro digital. Todas as criptomoedas funcionam através de duas tecnologias principais: a blockchain e a criptografia. Hoje, todo o mercado de criptoativos vale mais de US$ 2,68 trilhões.
A primeira criptomoeda a se popularizar no mundo foi o Bitcoin (BTC), lançado por uma pessoa ou grupo identificado pelo pseudônimo de Satoshi Nakamoto. O BTC domina cerca de 60% do setor de criptoativos e sua capitalização de mercado gira em torno de US$ 1,6 trilhão.
A segunda criptomoeda a se popularizar foi a Etherium (ETH), que, ao ser lançada em 2015, trouxe uma terceira tecnologia ao mercado: os smart contracts. A ETH é a segunda maior criptomoeda atualmente. Seu valor de mercado está avaliado em US$ 248,1 bilhões.
Depois da Etherium, milhares de criptomoedas surgiram no mercado de criptoativos, integrando as tecnologias blockchain, criptografia e smart contracts. A combinação desses três elementos expandiu o uso das criptomoedas para além da troca de valores. Atualmente, diversos projetos oferecem serviços de pagamentos internacionais, rastreio de cadeias logísticas, armazenamento de dados em nuvens, inteligência artificial e muitos outros. Muitas vezes, as empresas que fornecem esses serviços usam sua criptomoeda de duas maneiras: como um meio para as pessoas investirem no projeto ou como um meio para os clientes pagarem pelos serviços.
O que é blockchain?
A blockchain é uma espécie de livro de registros virtual, onde todas as transações com uma determinada criptomoeda são registradas. Esse livro de registros não fica armazenado no computador central de um banco, como no sistema financeiro tradicional. Em vez disso, o livro de registro é público, acessível a qualquer usuário. As transações são verificadas não por uma autoridade central (como um banco, por exemplo), mas pela maioria dos usuários que decidem trabalhar como validadores da blockchain. Qualquer pessoa com um computador e acesso à internet pode se dedicar a essa tarefa. Em troca, o validador recebe criptomoedas como pagamento.
O que é criptografia?
Criptografia é um tipo de codificação das informações. As blockchains usam criptografia para algumas finalidades: manter em sigilo certos dados, organizar cronologicamente as informações do livro de registros, tornar o histórico de transações imutável, assinaturas digitais e manter um alto padrão de segurança (muitos especialistas consideram mais seguro que o sistema financeiro tradicional).
O que são smart contracts?
Os smart contracts (ou contratos inteligentes) são contratos com auto execução. Basicamente, são códigos programados na blockchain para executarem uma determinada ação quando certos requisitos são preenchidos. Eles funcionam como um contrato tradicional, assinado com um banco por exemplo. A diferença é que eles não precisam de uma terceira parte para executá-los. Por exemplo, imagine que um empreendedor quer levantar um BTC para financiar um projeto dentro de 30 dias. Se ele angariar 1 BTC em um mês, o contrato inteligente automaticamente transfere os fundos para o empreendedor. Se ele não conseguir 1 BTC em um mês, o smart contract devolve automaticamente os valores financiados pelos investidores.
Como funcionam as transações com criptomoedas?
Uma transação tradicional é intermediada por uma instituição financeira. Por exemplo, se você quiser comprar um lanche com o cartão de crédito, o banco vai enviar o seu dinheiro para a lancheria (não é você quem transfere o dinheiro, diretamente). Após checar se a sua conta tem saldo suficiente para o pagamento, o banco envia o seu dinheiro para a lancheria e registra a transação no livro de registros (computadorizado) da instituição financeira.
Por outro lado, ao pagar um lanche com Bitcoin, por exemplo, o pagamento é validado pela rede descentralizada de milhares de validadores da blockchain. É como se todos os validadores da blockchain verificassem se você tem saldo para fazer o pagamento à lancheria. Após chegarem a um consenso de que você tem saldo suficiente para o lanche, o pagamento é efetuado e registrado no livro de registros da blockchain. Imediatamente, todos os usuários recebem uma cópia atualizada desse livro, incluindo a transação recém-realizada. Esse método não necessita de um banco para intermediar a transação.
Reserva de Bitcoins provocou reações contraditórias no mercado

Brasil possui projeto para abrir a oportunidade de a União ter reservas
/Alesia Kozik/Divulgação/JCA Reserva Estratégica de Bitcoins (BTC) dos Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump na noite de 6 de março no salão oval da Casa Branca, não causou a disparada dos preços esperada por muitos investidores. Na verdade, a concretização de uma das medidas mais aguardadas pelo setor de criptoativos gerou uma queda de quase 10% nos dias subsequentes ao anúncio, quando o BTC caiu de US$ 90 mil para US$ 82 mil. A baixa foi causada, em grande medida, pelas reações antagônicas no mercado.
Por um lado, muitos traders e investidores individuais se decepcionaram com a medida, porque esperavam que o governo estadunidense anunciasse a compra direta de Bitcoin para alimentar a reserva. No entanto, a ordem executiva assinada por Trump determina que o governo mantenha em um fundo soberano todos os Bitcoins apreendidos em ações judiciais, além de buscar maneiras de adquirir mais BTC sem gerar custo aos cofres públicos. Ou seja, não há previsão de compra imediata desse ativo.
A expectativa de que Trump anunciasse a compra de Bitcoins tem origem no projeto de lei da senadora republicana Cynthia Lummis, conhecido como Bitcoin Act (Ato do Bitcoin). A proposta apresentada por Lummis em 2024 prevê que o governo estadunidense compre 200 mil Bitcoins anualmente, durante cinco anos. Após juntar 1 milhão de Bitcoins, cerca de 5% do total disponível no mercado, essa quantia seria mantida por pelo menos 20 anos. Finalmente, o investimento seria utilizado para reduzir o déficit norte-americano - cujo débito acumulado fechou 2024 ao redor de US$ 36 trilhões.
No entanto, a senadora Cynthia Lummis não só elogiou a ordem executiva de Trump, como também reapresentou o projeto do Bitcoin Act no Congresso. A ideia é dar mais estabilidade jurídica à reserva de BTC, uma vez que as ordens executivas podem ser derrubadas pelo próximo presidente. Por outro lado, uma lei precisa da aprovação da maioria dos parlamentares. O momento parece favorável ao Bitcoin Act, porque os republicanos controlam o Senado e a Casa dos Representantes, e o número de parlamentares pró-cripto é o maior de todos os tempos.
"Estou orgulhosa de reintroduzir o marco regulatório que vai codificar a grande visão do presidente Donald Trump de estabelecer uma Reserva Estratégica de Bitcoin nos Estados Unidos. Transformando a ordem executiva do presidente em uma lei duradoura, nós podemos assegurar que a nossa nação vai aproveitar todo o potencial da inovação digital para resolver o nosso débito nacional, ao mesmo tempo que nos mantemos competitivos no mercado global", anunciou a senadora em sua conta na rede social X.
Muitos investidores institucionais celebraram a reserva criada por Trump por considerarem um passo importante rumo a promessa feita pelo republicano durante a campanha eleitoral: transformar os Estados Unidos na "superpotência mundial do Bitcoin" e na "capital internacional das criptomoedas".
O fundador da empresa de tecnologia Strategy, Michael Saylor, também elogiou a reserva de Bitcoin na rede X. Saylor ganhou notoriedade ao longo de 2024 por comprar quantias vultuosas de BTC para compor o tesouro da sua companhia. A Strategy (antiga Microstrategy) fechou o ano passado com mais de 439 mil unidades dessa criptomoeda, o que corresponde a mais da metade do capital da empresa.
"Com um número fixo de 21 milhões de Bitcoins, existe uma vantagem estratégica em estar entre as primeiras nações a criar uma Reserva Estratégica de Bitcoin", projetou Michael Saylor. El Salvador e Butão já possuem reservas nacionais.
O presidente da Associação Brasileira de FinTechs, Diego Perez, acredita que a Reserva de Bitcoin estadunidense "deve causar uma corrida de outros países para adquirirem esse ativo digital no mercado." "Como as reservas nacionais tendem a ser volumosas, a aquisição no mercado deve ser bem agressiva, em altos volumes, gerando uma tendência de subida no preço do BTC. O próprio Brasil já possui um projeto para abrir a oportunidade de a União ter reservas monetárias em Bitcoin", complementa Perez.
Além do Brasil, outros países já apresentaram projetos para criar suas próprias reservas dessa criptomoeda - como a Alemanha, Polônia, Rússia e Hong Kong. A Suíça pretende decidir sobre o tema em um referendo.
No Brasil, o deputado federal Eros Biondini (PL) apresentou, em 2024, um projeto de lei para a criação da Reserva Estratégica Soberana de Bitcoin (RESBit). A proposta prevê a aquisição de Bitcoins até atingir o valor máximo correspondente a 5% das reservas internacionais do país. Ao final de 2024, as reservas internacionais brasileiras totalizavam US$ 360 bilhões. Se a matéria tivesse sido aprovada ainda em 2024, o governo teria que destinar US$ 18 bilhões para a compra dessa criptomoeda.
Principais tipos de criptomoedas

Pagamentos diários com essa criptomoeda podem alcançar R$ 300 bilhões em 2025
ChatGPT/Divulgação/JCHoje as criptomoedas são usadas como uma forma de investimento em projetos tecnológicos e como forma de pagamento por serviços. As criptomoedas são divididas em categorias de acordo com a aplicação no mundo real. Conheça alguns tipos de projetos.
Stablecoins
Stablecoins são criptomoedas pareadas com alguma moeda fiduciária. Isso significa que uma stablecoin pareada com o dólar segue a proporção de um para um. Por exemplo, hoje a maior stablecoin do mercado é a Tether (USDT), cujo valor de mercado está avaliado US$ 142,8 bilhões (a terceira maior capitalização do mercado de criptoativos). Cada USDT vale sempre um dólar. As stablecoins surgiram para resolver o problema da volatilidade no mercado de criptomoedas, uma vez que a grande variação de preço dificultava o uso de criptomoedas para pagamentos.
RWA (Real World Assets)
As RWA são projetos especializados na tokenização de ativos do mundo real (RWA, na sigla em inglês). A tokenização é a criação de um token (uma criptomoeda) para representar virtualmente um ativo do mundo real, como uma commodity, a propriedade de um imóvel, ações de empresas, precatórios etc. Para exemplificar, imagine que um proprietário rural queira levantar dinheiro para expandir a produção na sua fazenda. Ele pode buscar o serviço de uma empresa de criptoativos especializada em RWA para tokenizar a próxima safra. Isso significa que vão ser criados tokens para representar uma porção dos lucros daquela safra. Cada token vale um percentual do lucro. Ou seja, os investidores compram aquele token do proprietário e, em troca, recebem uma parte do lucro após a colheita. É como ações que dão direito à participação dos lucros de uma empresa. A diferença é que não fica restrita a empresas com grande capital. Qualquer empreendimento pode contratar serviços de tokenização.
Defi (Decentralized Finance)
Os projetos de finanças descentralizadas funcionam como corretoras ou bancos virtuais, oferecendo serviços financeiros rodados em blockchains. O usuário pode comprar e vender criptomoedas, oferecer ou contrair empréstimos, entre outros serviços. A diferença em relação ao sistema financeiro tradicional é que as transações não dependem de uma instituição centralizada (como um banco). Por exemplo, quando você solicita um empréstimo ao banco, ele usa o dinheiro depositado pelos clientes para oferecer linhas de crédito. Após pagar a dívida, os juros ficam com o banco. Por outro lado, quando você solicita um empréstimo em uma plataforma Defi, ela usa o dinheiro depositado pelos clientes que voluntariamente querem prover esse serviço. Após pagar a dívida, a maior parte dos juros vai para o cliente que colocou seu dinheiro à disposição para empréstimos. Todas as transações são executadas automaticamente, através de smart contracts.
Infraestrutura
Os projetos de infraestrutura oferecem serviços descentralizados como processamento e armazenamento de dados. No caso de processamento de dados, muitas empresas – como a Render – compram a capacidade ociosa dos processadores dos usuários. Depois, revendem para empresas que necessitam de uma capacidade maior de processamento. Outras empresas – como a Grass – compram a capacidade ociosa da internet dos usuários para oferecer maior velocidade para empresas que precisam de internet veloz. Outras ainda oferecem serviços de armazenamento de dados em nuvens descentralizadas, que, em vez de guardar as informações no provedor central de uma gigante da tecnologia, guarda as informações na rede de computadores que operam na blockchain.
Memecoins
Os memecoins são um tipo de criptomoedas inspirados em memes da internet. Elas surgiram como uma brincadeira dentro de comunidades virtuais que se divertiam com um determinado meme. Elas não têm nenhuma utilidade intrínseca. Milhões de memecoins foram lançados nos últimos anos. Esse tipo de criptomoedas são objeto de polêmica com frequência, devido ao alto número de golpes nesse segmento. O caso mais recente envolveu a memecoin Libra, promovida pelo presidente da Argentina Javier Milei, que gerou US$ 107 milhões de lucro para os criadores, às custas do dinheiro dos investidores. As memecoins representam cerca de 1,6% do mercado total de criptomoedas.
Stablecoins devem se popularizar como forma de pagamentos internacionais

Segundo Mussoi, ainda não existe uma regulação mundial desse criptoativo
/EVANDRO OLIVEIRA/JCO uso de Stablecoins para pagamentos internacionais pode se tornar uma das maiores tendências no mercado de criptoativos em 2025. A gigante do mercado financeiro VanEck projeta que as transações diárias com Stablecoins vão saltar de US$ 100 bilhões para US$ 300 bilhões até o final do ano. Dois fatores corroboram essa projeção: o plano do Tesouro dos Estados Unidos de usar Stablecoins para restaurar a dominância do dólar no mercado global; e a adoção dessas criptomoedas por gigantes da tecnologia e redes de pagamento internacionais.
Os Stablecoins são um tipo de criptomoedas pareadas com uma moeda fiduciária (normalmente o dólar). Na prática, cada unidade dessas criptomoedas vale US$ 1,00. Funcionam como se fossem dólares digitais. A maior companhia de Stablecoins é a Tether (USDT), que domina mais de 70% desse segmento do mercado, com um valor de mercado de US$ 142,8 bilhões, conforme o site de estatísticas especializado em criptomoedas, CoinMarketCap.
Todos os Stablecoins - como o USDT e outros - podem ser enviados para qualquer lugar do mundo quase instantaneamente, a um custo de centavos, através da tecnologia blockchain. Por isso, alguns analistas acreditam que esse método pode se tornar uma alternativa mais rápida e barata que o sistema Swift, utilizado pelo mercado financeiro tradicional para pagamentos transnacionais. As operações no sistema Swift levam até 48 horas e custam alguns dólares.
Segundo um relatório da Mastercard, mais de US$ 200 bilhões circularam na forma de Stablecoins em 2024 - o que representa 1% do total de dólares norte-americanos em circulação no mundo. Mas, apesar de representarem uma pequena porção dos dólares existentes no planeta, as transações com Stablecoins movimentaram
US$ 27,6 trilhões em 2024 - superando o volume combinado do Visa e Martercard em 7,7%, conforme um relatório divulgado em 31 de janeiro pela corretora CEX.io.
US$ 27,6 trilhões em 2024 - superando o volume combinado do Visa e Martercard em 7,7%, conforme um relatório divulgado em 31 de janeiro pela corretora CEX.io.
A explicação para uma pequena porção dos dólares em circulação serem responsáveis por uma transferência tão grande de valores é simples: agentes de inteligência artificial (IA). Segundo um relatório da VanEck com projeções para 2025, os bots foram responsáveis por 70% do volume das transferências feitas com Stablecoins no ano passado. Esses agentes de IA se popularizam no mercado de criptoativos, porque eles oferecem uma vantagem aos traders, uma vez que os bots conseguem realizar centenas de transações por minuto.
A VanEck projeta que o volume de transferências com Stablecoins deve crescer exponencialmente em 2025, devido ao crescimento no uso de bots. Na primeira metade de 2024, 10 mil agentes de inteligência artificial foram lançados no mercado. As projeções da VanEck preveem que mais 1 milhão serão lançados neste ano.
O mercado de Stablecoins parece tão promissor que tem atraído a atenção de empresas fora do mundo cripto. Duas das principais empresas de pagamento internacional - Visa e Mastercard - pretendem incluir a movimentação de Stablecoins nos seus serviços ainda em 2025. Algumas gigantes da tecnologia, como a Apple e a Google, planejam aceitar Stablecoins como forma de pagamento em suas plataformas. Outras empresas de pagamento digital, como a Paypal, utilizam o seu próprio Stablecoin para transferências internacionais.
Entretanto, a adoção de pagamentos internacionais através de Stablecoins tem dois desafios pela frente: a ausência de uma legislação internacional e a incompatibilidade entre diferentes blockchains. Conforme o pesquisador da Ufrgs Lucas Mussoi, que estuda os criptoativos, ainda não existe uma regulação internacional para as transferências com Stablecoins. Muitos bancos centrais regulam essa atividade em seus países, mas ainda não há uma orientação do BIS (Bank for International Sattlement, conhecido como o banco central dos bancos centrais no mundo).
Além disso, há um empecilho tecnológico. A transferência de Stablecoins através de blockchains não é um sistema unificado no mundo, como é o sistema Swift, por exemplo. Basicamente, existem centenas de blockchains atualmente. E ainda não existe uma solução definitiva para transferência de valores de uma blockchain a outra. "A incompatibilidade de blockchains ainda é um empecilho para a adoção internacional, uma vez que ainda está sendo desenvolvida uma forma mais eficiente de transferir valores de uma blockchain a outra", pondera Mussoi.
RWAs deve movimentar mais de US$ 50 bilhões durante o ano de 2025

Rocha considera que a clareza regulatória é boa para os prestadores de serviço, para os consumidores, para todo o mercado
/Marcos Rocha/Arquivo Pessoal/JCA tokenização de ativos do mundo real (RWA, na sigla em inglês) é um dos setores com maior potencial de crescimento entre os criptoativos. Uma das maiores empresas de investimentos do mundo, a VanEck, projeta que o mercado de RWA vai superar US$ 50 bilhões em 2025. Isso representa um aumento de mais de 200% em relação a 2024, quando esse mercado alcançou US$ 16,82 bilhões. Em 2023, esse mercado somava apenas US$ 2 bilhões.
A tokenização é a criação de um Token (uma criptomoeda) para representar virtualmente um ativo do mundo real, como uma commodity, a propriedade de um imóvel, ações de empresas, precatórios etc. Uma vez criado um Token para representar um ativo do mundo real, esses Tokens podem ser fracionados de modo que cada unidade represente um percentual dos rendimentos relacionados aos ativos originais. Por fim, os Tokens podem ser vendidos em corretoras de criptomoedas. Na prática, cada Token é como se fosse um título que dá direito à rentabilidade de um ativo.
O presidente da Associação Brasileira de FinTechs (ABFintech), Diego Perez, usa como exemplo um dos ativos com um bom potencial para tokenização no Brasil - os precatórios. Normalmente os precatórios, que são uma dívida que o Estado tem com um cidadão, levam muitos anos para serem quitados. A tokenização pode ser uma forma de receber parte do débito imediatamente.
"Suponhamos que eu tenho um precatório que vai me pagar R$ 50 mil. Se eu precisar de dinheiro agora, eu posso vender ele por R$ 10 mil através de Tokens. Quando você digitaliza esse ativo através da tokenização, você fragmenta o precatório em vários Tokens (cada Token corresponde a um percentual do precatório). Então, você tem a possibilidade de distribuir esse ativo num ambiente de negociação como uma corretora, o que potencializa esse mercado. Quem está comprando esse Token está olhando para o rendimento de R$ 50 mil", exemplifica Diego Perez.
Um relatório da VanEck com projeções para 2025 revisou as estimativas do mercado financeiro em relação aos RWA - que preveem que esse segmento deve atingir entre US$ 4 trilhões e US$ 30 trilhões até 2030. "Se esse setor atingir a média das previsões de cerca de US$ 10 trilhões, isso representaria um crescimento de mais de 54 vezes em relação ao valor atual", menciona o relatório.
O Brasil parece liderar a tokenização de ativos do mundo real, apesar de esse mercado estar em fase inicial na maior parte do mundo. Segundo o Relatório de Varejo de 2024 da empresa de pagamentos holandesa Adyen, 25% das empresas brasileiras utilizam tokenização. No resto do mundo, esse percentual gira em torno de 16%. Precatórios, commodities, produtos financeiros e empreendimentos imobiliários estão entre os ativos mais tokenizados.
Enquanto muitos países, como os Estados Unidos, ainda patinam na aprovação de uma legislação para esse serviço, o Brasil aprovou em 2022 uma lei para regulamentar muitas atividades relacionadas a ativos virtuais - como a tokenização, os pagamentos com Stablecoins, entre outros segmentos dentro da indústria de criptomoedas. A lei aguarda a regulamentação do Banco Central, que abriu três consultas públicas para ouvir representantes da indústria sobre o tema.
O diretor jurídico da Associação Brasileira de Empresas Tokenizadoras e Blockchain, Marcos Rocha, considera que a clareza regulatória é boa para os prestadores de serviço, para os consumidores, para todo o mercado. "Obviamente, como nada é unânime, alguns agentes do mercado não ficaram contentes com o custo regulatório. Afinal, você vai precisar de licenças para atuar nesse mercado, vai ser fiscalizado pelo Banco Central, vai ter que prestar informações periódicas, vai estar sujeito aos processos administrativos dos órgãos regulatórios, vai ter exigências de capital mínimo."
* Marcus Meneghetti é jornalista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). É pós-graduado em Artes da Escrita, pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Trabalhou como jornalista político por mais de oito anos. Atualmente, dedica-se ao mercado de criptoativos.