Em um passado recente era comum ouvir que "você é um anônimo para uma empresa que é eterna". A lógica era simples: as marcas e as empresas eram supremas, imutáveis, e suas comunicações eram sempre impessoais, institucionais. Porém, o cenário mudou. Hoje, as pessoas valem mais do que as marcas. Ou as pessoas são as marcas.
Ouvi essa discussão no episódio "No Mercy / No Malice - People Are The New Brands" do podcast Prof. G Pod, de Scott Gallaway, um dos principais gurus do Vale do Silício. O episódio explora a tendência de executivos de grandes empresas estarem colocando as próprias imagens pessoais à frente da imagem das respectivas corporações - e como isso pode transformar a maneira como nos relacionamos co m marcas e produtos.
Esse movimento, de acordo com o podcast, ocorre porque, em um mundo recheado de interações via redes sociais e acúmulo de tempo de tela, nunca fomos tão solitários. E à medida que o tempo passa sem interações genuínas e presenciais, a nossa necessidade de nos conectarmos com os outros cresce.
Nas "relações parassociais", estabelecemos uma conexão emocional com figuras públicas, como se fossem nossos amigos, via o mundo digital. Isso pode ser visto em podcasts de entrevistas, que oferecem ao ouvinte a sensação de se estar em meio a uma conversa íntima.
Ou com os stories do cotidiano de um influenciador, em que o seguidor acompanha os detalhes do dia a dia da pessoa como se fosse alguém próximo.
Hoje, a comunicação não precisa de intermediários, como veículos de imprensa. Ela é possibilitada pelas diferentes plataformas digitais e potencializada pela capacidade de viralização com os algoritmos. E, em um mundo em que a mensagem é transmitida diretamente, a marca pessoal se transforma no principal ativo e legado nas redes. Essa regra vale tanto para um adolescente no TikTok quanto para um CEO de sucesso.
Silvio Santos já era expert nisso. Luciano Hang, da Havan, faz isso de um jeito totalmente popular. A capacidade da comunicação em primeira pessoa - autêntica e verdadeira - nunca deixou de ser um diferencial. No entanto, esse fenômeno tem se intensificado e ampliado na proporção em que os meios se tornam mais fragmentados e personalizados.
Elon Musk consegue gerar uma enorme visibilidade para a Tesla com pouco investimento em publicidade tradicional, já que sua imagem é tão associada à marca que, juntos, eles se tornam praticamente indivisíveis. Na ponta do lápis, isso causa um impacto gigante quando pensamos em marketing: não há mais grandes gastos com propaganda, anúncios ou megacampanhas. A Tesla é Elon. E Elon ganha mais valor quando é exposto ao público da forma mais pessoal e direta possível.
Quais são os riscos em construir uma marca que depende completamente da imagem de seus líderes? O principal deles é a instabilidade. Imagine que este CEO esteja envolvido em um crime que manche a sua reputação. Ou que ele venha a falecer. Ou, ainda, que a empresa seja vendida a outro chairman. Qual é o preço que a companhia deve estar disposta a pagar diante de uma possível crise de identidade?
O desafio é equilibrar a personalização da comunicação sem comprometer a autonomia e a solidez da marca no longo prazo e investir em uma cultura de empresa que, apesar de nascer na figura do líder, seja transmitida de forma direta, clara e objetiva, e os líderes possam ser possíveis porta-vozes. Nesse emaranhado de redes e possibilidades de comunicação, a empresa que solidificar estes princípios nadará de braçada em um mercado cada vez mais pessoal.