Porto Alegre, qua, 02/04/25

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Publicada em 30 de Março de 2025 às 16:00

Agronegócio gaúcho busca eliminar entraves para ampliar irrigação

Irrigação é prioridade máxima na agenda do agro gaúcho

Irrigação é prioridade máxima na agenda do agro gaúcho

Fernando Rossato/Arquivo Pessoal/JC
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Ana Esteves, especial para o JC*
Ana Esteves, especial para o JC*
As mudanças climáticas estão aí e são inegáveis. E como consequência delas, os cenários de estiagens ou de enchentes serão cada vez mais frequentes. Diante desse novo normal, o agronegócio gaúcho empunha uma bandeira com mais afinco do que nunca: vencer entraves e desburocratizar o uso de tecnologias de irrigação nas lavouras de sequeiro do Estado. Muito já se andou com a municipalização dos licenciamentos, a possibilidade de intervenção em Áreas de Preservação Permanentes (APPs), desde que feitas as devidas compensações, e suspensão da necessidade de licenciamento para os pivôs centrais, mas ainda há muito o que conquistar para efetivamente possibilitar que a irrigação deslanche no Estado.

Dados sobre épocas de plantio e manejo ajudam no planejamento

Dados sobre épocas de plantio e manejo ajudam no planejamento

Wenderson Araujo/CNA/Divulgação/JC
A história se repete: mais um ano de estiagem no Rio Grande do Sul, com perdas severas nas lavouras, especialmente nas de soja. Outra vez, o tema da irrigação volta à tona, com a sinalização de alguns avanços, mas sem efetivamente deslanchar no Estado. Entre os principais entraves estão os custos (juros) dos financiamentos, a falta de carga adequada de energia elétrica no campo, a dificuldade de conseguir a outorga para uso da água e a ampliação do armazenamento de água frente às normativas ambientais.
Enquanto a solução não vem, seguem os prejuízos: a Emater/RS-Ascar projeta uma quebra de produção de 17,4% na soja, o que pode significar perdas de R$ 13,5 bilhões para a economia do Rio Grande do Sul. Se contabilizados todos os anos de seca no Estado, de 2020 a 2024, as perdas chegam a R$ 117,8 bilhões, conforme levantamento realizado pela assessoria econômica da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
Considerando todo o agronegócio, incluindo agropecuária, indústria, serviços e impostos indiretos, o total chega a R$ 319,1 bilhões. O valor equivale a 49% do PIB do Estado, tendo como referência os números de 2023, que foram de R$ 640,2 bilhões. Para o cálculo, foram levadas em conta as culturas de arroz, soja, milho e trigo.
O economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, ressalta o impacto do acumulado na economia do Estado. "O Rio Grande do Sul perdeu quase metade de um PIB inteiro por conta das estiagens, quando consideramos as perdas ampliadas nas cooperativas, indústrias, comércios e serviços. É algo sem precedentes na história econômica do Estado", declarou.
Diante das frequentes estiagens que ocorrem no Rio Grande do Sul, com perdas na produção de culturas de verão, a irrigação tem se mostrado cada vez mais fundamental para o aumento da produtividade e da renda, a estabilidade da produção e o fortalecimento das cadeias produtivas. Especificamente, o milho de sequeiro, pelo quarto ano consecutivo, teve quebra significativa de produção, evidenciando a necessidade de ampliação da área irrigada.
Para Luz, a irrigação é absolutamente necessária para que o Rio Grande do Sul se adapte às mudanças climáticas, especialmente pelo fato de o Estado ter volume anual de chuvas suficiente. "Só que, muitas vezes, chove quando a planta não precisa. Então, é importante reservar essa água", afirma o especialista. Luz relembra o caso de países como Israel e Arábia Saudita, que têm graves problemas de falta de chuvas, mas que, ainda assim, plantam.
"E têm lavouras maravilhosas, tudo com irrigação. E têm que dessalinizar a água do mar para usar nas lavouras. Nós, aqui, com esse mar de água disponível, é um contrassenso não fazermos irrigação e perdermos esse volume absurdo de dinheiro", completa o economista.
O documento Radiografia da Agropecuária Gaúcha, elaborado a partir de dados da Secretaria da Agricultura, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Agência Nacional de Águas (ANA) e Emater/RS-Ascar, publicado em 2022, aponta que apenas 4% das lavouras de sequeiro no Estado são irrigadas, cerca de 310 mil hectares. "É uma área bem pequena, se considerarmos os eventos climáticos que vêm ocorrendo, as características que o clima tem apresentado nos últimos anos e as sucessivas estiagens que estão acontecendo no Rio Grande do Sul", aponta o extensionista rural e coordenador do Núcleo de Desenvolvimento Agropecuário da Emater/RS-Ascar, Carlos Gabriel Nunes.
Segundo ele, outro estudo realizado pela ANA, que mapeou as áreas irrigáveis em todo o Brasil, aponta que o Estado teria condições de irrigar 1,9 milhão de hectares com segurança hídrica, ou seja, em locais onde a água é suficiente para a irrigação. Isso representaria um incremento de cerca de 1,58 milhão de hectares, se considerados os 310 mil que são irrigados hoje.
Conforme os dados da Radiografia da Agropecuária Gaúcha, a área de soja irrigada no Estado é de 187,3 mil hectares, ou 2,8% da área cultivada com a oleaginosa. No milho (grão), são 113,5 mil hectares irrigados, ou seja, 13,7%, e, no milho silagem, a área com pivôs é de 4,05 mil hectares, ou 1%. O feijão (2ª safra) tem área irrigada de 2,7 mil hectares, ou 14,3%, e o tabaco tem 2,44 mil hectares irrigados, representando 1,6% da área cultivada.
"É importante ressaltar que contabilizamos apenas as lavouras de sequeiro, uma vez que a de arroz é 100% irrigada", afirma Nunes. Segundo ele, desde 2007 o Estado vem debatendo a questão da reservação de água, seja em forma de açudes, barragens e cisternas, seja pelo uso da água dos rios, lagos e aquíferos subterrâneos. "Temos condições de buscar água dos rios, por exemplo, desde que seguindo a legislação vigente", afirma Nunes.
Um dos principais entraves trazidos pelos produtores diz respeito às questões ambientais e ao uso da água, especialmente quando envolvem rios e Áreas de Preservação Permanente (APPs). Segundo o presidente da Farsul, Gedeão Pereira, a proposta do setor em relação às APPs seria dobrar essas áreas, colocando água no meio.
"A irrigação enriquece o meio, além de ser um bem econômico. Nossa proposta é dobrar as APPs: faz-se um barramento e um córrego vem, cheio de árvores ao redor. Tu tiras aquelas árvores onde há o alagadiço, mas compensas nas duas laterais com mais vegetação", explica Gedeão. "Já conseguimos muita evolução aqui no Estado em relação à irrigação, mas agora estamos brigando pela outorga do uso da água. Se o produtor é um investidor, ele faz um barramento - e não é um grande barramento - por que precisa de outorga? A agricultura não espera, não é lógico", afirma o presidente da Farsul.
 

O que já andou e o que ainda trava a ampliação de áreas irrigadas no Estado

Cultura orizícola foi a primeira no Brasil a exigir sistema de irrigação

Cultura orizícola foi a primeira no Brasil a exigir sistema de irrigação

Sindiveg/Divulga??o/JC
A assessora ambiental da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul-RS), Paula Hofmeister, detalha todos os trâmites que já evoluíram e os que ainda precisam ser destravados para que os projetos de irrigação possam sair do papel no Estado.
Áreas de Preservação Permanente (APP's)
Em abril de 2024, foi aprovada a Lei estadual 16.111, que entendeu a inscrição em Áreas de Preservação Permanente (APP's) como interesse social, de utilidade pública. Já tem outros estados que já tem esse entendimento. E o Rio Grande do Sul, então, passou a ter esse entendimento e atualizou o Código Florestal Estadual. Já se usa a intervenção em APP para geração de energia, para as pequenas centrais hidrelétricas. Esse regimento que se usa para fazer barramento para geração de energia será o mesmo que será usado para intervenção em APP para fim de barramento para irrigação. Trata-se de uma normatização dessa equiparação para o licenciamento ambiental. "Será mais um gargalo solucionado", diz Paula.
Pivôs liberados de licenciamento
Em 2024, foi atualizada a Resolução que trata do licenciamento ambiental de irrigação, que era de 2016. Foi estabelecida a Resolução CONSEMA 512/2024, que trata de licenciamento ambiental para irrigação. Um dos principais pontos é a não necessidade de licenciamento ambiental dos pivôs. Esse trâmite foi a nível do Conselho Estadual do Meio Ambiente. Assim, o foco do licenciamento ambiental da irrigação se dá no reservatório: vou licenciar barragem, açude, mas o pivô não precisa mais de licença. "Pois, ele não causa impacto ambiental. Ao contrário dos barramentos e dos açudes da reservação de água", afirma Paula.
Municipalização dos licenciamentos
Hoje, os açudes com até 5 hectares não demandam licenciamento. De 5,1 até 25 hectares é preciso licenciar, mas o processo será de competência municipal, avanço definido ainda em 2022. Já no caso das barragens, as áreas de licenciamento foram equiparadas para competência municipal, ressaltamos que sem faixa de isenção para barramentos. Esse foi um dos avanços, pois antes era de 5,1 hectares até 10 hectares de lâmina d'água para ser municipalizado. "A municipalização é importante pela possibilidade de aumentar a gama de licenciadores ambientais, já que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) é só uma, mas os municípios são 497, com 497 secretarias de meio ambiente aptas a licenciar com o mesmo rigor da Fepam, o que dá mais celeridade ao processo", pondera Paula.
Checklist de documentos para solicitar licenciamento
A Resolução Consema 512/2024 também propõe uma atualização da lista de documentos que os produtores precisam para todas as etapas do licenciamento ambiental, conferindo maior transparência e celeridade ao processo.
A morosidade do processo de outorga da água
O pedido de outorga para uso da água, feito junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, é um dos grandes gargalos, pois a plataforma que gerencia os pedidos possui muita demanda, formando uma fila de espera muito grande, demorando de dois a três anos para conseguir a outorga. A demora ocorre mesmo para produtores que aderiram ao programa de irrigação do governo do Estado que concede subvenção para compra de equipamentos e que acabam tendo prioridade nas respostas. Para reduzir esse problema, a Sema lançou um decreto normatizando as outorgas, com base em critérios de volume d'água. "Quem tem até determinado volume d'água vai ter um processo mais simplificado do que aqueles que possuem maiores volumes d'água. A expectativa é de que isso vá desburocratizar os processos", diz a assessora ambiental da Farsul.
Falta de mão de obra para dar andamento aos processos
Outro problema é a falta de mão de obra, ou seja, de técnicos da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), para dar conta da demanda de pedidos de outorga.
Discordâncias técnicas
O outro ponto é a definição do que são barragens ou açudes, o que gera discussão técnica, entre os técnicos de ambas as partes (governo e produtor), que normalmente existe discordância e aí gera insatisfação do produtor, que entende como açude, mas os técnicos dos órgãos ambientais entendem como barragem. "O Mapa Hídrico do Estado será crucial para segurança jurídica dos processos, pois hoje geram discussões técnicas entre as partes. Isso gera morosidade e, às vezes, custos maiores aos produtores para fazer o licenciamento ambiental", completa Paula.

História da irrigação
A prática da irrigação no mundo ocorre desde as antigas civilizações, notadamente nas que se desenvolveram em regiões secas como no Egito e na Mesopotâmia. Em territórios com características físico-climáticas mais favoráveis, a agricultura desenvolveu-se inicialmente em regiões onde a quantidade e a distribuição espacial e temporal das chuvas eram capazes de suprir a necessidade das culturas, de forma que a irrigação passou a emergir em períodos
mais recentes. Esse é o caso do Brasil, onde a irrigação teve início na década de 1900 para a produção de arroz no Rio Grande do Sul. A expressiva intensificação da atividade para outras regiões ocorreu a partir das décadas de 1970 e 1980. Com crescimento forte e persistente, novos polos surgiram nas últimas décadas.
Fonte: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA, 2020)

Principais culturas irrigadas no RS na safra 2022/23
  • Culturas/ Área Irrigada (ha)/ Percentual Irrigado (%)
- Arroz/ 839.972/ 99,9
- Soja/ 187.378/ 2,8
- Milho (grão)/ 113.553/ 13,7
- Feijão (2ª safra)/ 2.757/ 14,3
- Milho (silagem)/ 4.055 /1,0
- Tabaco/ 2.446/ 1,6
Com exceção do arroz com irrigação superficial por inundação, os demais percentuais de lavouras irrigadas ainda são baixos no RS.
Fontes: Atlas Irrigação/ANA (2021); SEAPI (2022); IRGA (2022); REAGRO/RS (2022).
Principais municípios irrigantes
- PIVÔ CENTRAL: 1º São Borja, 2º Itaqui, 3º São Luiz Gonzaga, 4º Cruz Alta, 5º São Miguel das Missões, 6º Dom Pedrito, 7º Palmeira das Missões, 8º Santo Antônio das Missões, 9º Joia e 10º Santa Bárbara do Sul
- CONVENCIONAL, AUTOPROPELIDO E LOCALIZADA: 1º Pelotas, 2º Canguçu, 3º São Lourenço do Sul, 4º Santa Rosa, 5º Campina das Missões, 6º Ibiraiaras, 7º Santo Cristo, 8º Ijuí, 9º Antônio Prado e 10º Entre-Ijuís
- SUPERFICIAL: 1º Santa Vitória do Palmar, 2º Uruguaiana, 3º Itaqui, 4º Alegrete, 5º Dom Pedrito, 6º Camaquã, 7º Mostardas, 8º São Gabriel, 9º Arroio Grande e 10º São Borja
Fontes: Atlas Irrigação/ANA (2021); SEAPI (2022); IRGA (2022); REAGRO/RS (2022).
Produtividade de lavouras irrigadas e sequeiro na safra 2022/23 em kg/ha
  • Culturas/ Irrigada (ha)/ Sequeiro/ Aumento de Produtividade (%)
- Arroz/ 8.790/ 2.383/ 268%
- Soja/ 3.118 /1.877 /66%
- Milho (grão) /9.914/ 4.022/ 146%
- Feijão (2ª safra) /1.930/ 1.369 /41%
- Tabaco/ 2.683/ 1.948 /38%
- Milho (silagem)/ 44.700 /23.270 /92%
Fontes: Atlas Irrigação/ANA (2021); SEAPI (2022); IRGA (2022); REAGRO/RS (2022).
Demandas de captação de água no Brasil em 2019
- Uso Animal - 8,4%
- Humano Rural -1,6%
- Humano Urbano - 24,3%
- Irrigação - 49,8%
- Mineração - 1,7%
- Termelétricas - 4,5%
- Indústria - 9,7%
TOTAL - 65 trilhões de litros ao ano
Fonte: adaptado de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil (ANA, 2020)

Desburocratização dos projetos passa por propostas de irrigação para pequenas áreas

Nunes diz que é preciso se preparar para manter o solo bem estruturado

Nunes diz que é preciso se preparar para manter o solo bem estruturado

Emater-RS/Divulgação/JC
Uma das saídas para desburocratizar e acelerar o processo de licenciamento ambiental seria iniciar com projetos de irrigação para pequenas áreas, especialmente dentro de grandes propriedades. É o que defende o extensionista rural e coordenador do Núcleo de Desenvolvimento Agropecuário da Emater/RS-Ascar, Carlos Gabriel Nunes. "O produtor vai poder irrigar, vai conseguir licenciamento, sem interferir no meio-ambiente se usar tecnologia de irrigação em 25% a 30% da área plantada. Se ele tem 500 hectares, conseguir irrigar 100, 150, se tem 1000 hectares, conseguir irrigar 250, 300 hectares", pondera.
Para Nunes, a questão envolvendo rios e áreas de preservação permanente é mais delicada de resolver e a solução para os produtores de grãos, soja e milho, seria destinar apenas parte das lavouras para irrigação. "É um processo lento, burocrático, tem um caminho tortuoso, mas é possível de fazer".
Segundo o extensionista da Emater, com uma área menor, o produtor contará com fontes de água suficientes, sem interferir na questão de recursos hídricos e, assim, consegue uma boa garantia da sua produção. Nunes acrescenta que, em muitos casos, há produtores que irrigam dentro desses percentuais, mas logo aumentam a área irrigada na propriedade, pois os ganhos tanto em produção quanto em qualidade são muito significativos.
Uma das culturas que mais responde à questão da irrigação é a do milho, tendo um considerável uso de tecnologia. Não tendo limitação de nutrientes, de adubação e acidez do solo, ele dobra a produção. "Se for com a lavoura irrigada, bem conduzida e com o manejo adequado, dobra a produção sem adicionar área física", comenta.
Nunes explica que o trabalho da Emater reside, entre outras coisas, em orientar os produtores sobre quais as melhoras alternativas de irrigação conforme a localidade em que ele vive, o tipo de propriedade e a disponibilidade de água no entorno.
"São muitas coisas que a gente considera na hora de planejar algum sistema para um determinado produtor. Varia conforme o tipo de reservação, para que será utilizada, além das características de cada região, como cultura e solos. No Oeste do Estado é uma característica, no Leste e na região metropolitana são outras. Na Serra é outra", diz Nunes.
O especialista diz que na Região de Santo Ângelo é onde tem a maior concentração de irrigação por pivôs no Estado, pois é onde tem a melhor condição de terreno, de solo e água para rodar esses equipamentos de maior abrangência. Além disso, é preciso levar em consideração a diversidade de culturas plantadas no Estado, da pytaia à oliveira. "O Rio Grande do Sul é muito dinâmico, é uma variedade bem grande e cada projeto tem que ser visualizado para determinada ideia e para o potencial de cada produtor', acrescenta.
Segundo o professor e pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio grande do Sul (IPH-UFRGS), Fernando Meirelles, na média do ano, o Estado tem 1.500 mm de chuva por ano, dos quais 600 mm vão para os rios e 900 mm vão para a produção agrícola, absorvidos pelas plantas.
"Num ano seco vai chover 1.000, 1.200 mm e fica faltando uma parcela de 300mm ou 500 mm que deveria vir daí. Então, eu teria que acumular essa água para poder fazer irrigação. Eu consigo acumular água para atender toda a área irrigada? Não consigo e nem é economicamente viável fazer esse processo", afirma. Para ele, o xis da questão é aumentar a conservação da água no solo através do Plantio Direto, o que, na prática, não vem acontecendo, pois "temos um solo muito mal manejado no Estado", avalia.
Sobre o uso do Plantio Direto, Nunes concorda que se trata de uma ótima alternativa para reter água no solo e evitar perdas expressivas, em tempo de estiagem severa. "Também defendemos essas técnicas, pois mantem o solo estruturado, resultado de um ano inteiro de de mobilização para um cultivo diferenciado do solo". Para Nunes, o Plantio Direto e a irrigação são técnicas consideradas complementares. "Você pode ter a questão de estruturação do solo, do plantio direto e, com certeza, se somar a tudo isso um sistema irrigado os ganhos vão em produtividade e qualidade vão além".
Meirelles lembra que, em 1969, o Brasil fez o primeiro plano nacional de irrigação, entre eles o projeto do Taim. Ele foi abandonado porque o solo não tinha condições e, por isso, virou unidade de conservação de um projeto de 100 mil hectares. Nos anos de 1980, foi elaborado o primeiro plano estadual de recursos hídricos, do qual se originou o Conselho de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul.
"Só em 1989 é que tivemos o primeiro plano para uma política nacional de irrigação, financiado com dinheiro do Banco Mundial. Nesse momento, foi criada uma tipologia de projetos no Brasil. E para agricultura do Rio Grande do Sul, o Banco Mundial entendeu que não era interessante fazer obras públicas e sim incentivar irrigação privada. No plano estadual de irrigação constavam obras públicas das barragens de Taquarembó e Jaguari". Para o estudioso, falta experiência do Estado em projetos de irrigação pública, já que a maioria é de origem privada.
 

'Não seria preciso irrigar se o produtor fizesse plantio direto'

Meirelles destaca que é preciso considerar a hidrologia completa

Meirelles destaca que é preciso considerar a hidrologia completa

Fernando Meirelles/Arquivo pessoal/JC
O tema da irrigação das lavouras de sequeiro no Estado nunca esteve tão em alta, depois de quatro períodos de estiagem severa, inclusive na safra de verão atual, a demanda dos produtores por solução está ainda mais acirrada. No entanto, para o engenheiro agrônomo Fernando Meirelles, doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-Ufrgs), existe outra saída mais barata e tão eficiente quanto irrigar as lavouras: implantar o sistema de plantio direto, prática que, segundo ele, está presente em apenas 5% da área plantada no Estado.
Empresas & Negócios - O senhor cita o sistema de plantio direto como solução para as épocas de estiagem, possibilitando abrir mão da tecnologia de irrigação. Como funcionaria?
Fernando Meirelles - O plantio direto envolve rotação de culturas, manejo contínuo do solo mesmo no inverno, uso de espécies que muitas vezes não têm nenhum valor econômico, mas devem entrar no rodízio, pois são importantes para estruturar o solo. É bem diferente do que se faz aqui no Estado, onde o plantio na palha é uma das técnicas do plantio direto. Quem faz o sistema do plantio direto não está sofrendo os efeitos da estiagem porque está com água armazenada no solo, pois antes do período de seca a água da chuva infiltrou e ficou guardada no solo. Quem não usa essa técnica está vendo a chuva cair e escorrer por cima. Então, eu diminuo a capacidade de armazenamento de água no solo e qualquer período de 20 dias é uma estiagem. O agricultor que faz o sistema do plantio direto não está com a mesma queixa de quem faz o solo plantio na palha.
E&N - Da área plantada no Estado qual o percentual que efetivamente utiliza o plantio direto?
Meirelles - Não deve chegar a 5% da área, porque é um sistema que exige um capricho do agricultor. Nós temos monitoramento em campo de infiltração de chuvas de 80 mm. No plantio convencional, se chove 10 milímetros já causa escorrimento de água por cima da lavoura, levando o solo, o fertilizante. Ou seja, causou degradação ambiental e não acumulou essa água. Fica muito difícil apoiar uma irrigação que seria um paliativo para um problema que não é a falta de água, é a falta de armazenamento correto da água no solo.
E&N - E por que o produtor gaúcho é tão resistente ao uso do plantio direto?
Meirelles - Tem uma série de culturas que fazem parte do elenco do plantio direto e que o agricultor talvez torça o nariz, pois não dá tanto dinheiro quanto a soja. Pode usar girassol, mas talvez não tenha mercado, mas para o sistema é importante. Tem a aveia, mas muitos não têm gado para comer, tenho que botar nabo forrageiro e por aí vai.
E&N - E migrar para o sistema de plantio direto seria mais barato do que investir em irrigação?
Meirelles - Ao longo do tempo, o sistema de plantio direto se mostra muito mais lucrativo do que o sistema de plantio na palha. Hoje seria mais fácil migrar para o plantio direto do que implantar um sistema de irrigação, seria mais barato e mais prático. Com o sistema de pivô o produtor vai gastar em torno de US$ 2,5 mil por hectare.
E&N - E como está a situação de bacias como a das Missões? Os rios têm capacidade de suporte?
Meirelles - Nas bacias das Missões são muitas áreas irrigadas, licenciadas, financiadas, outorgadas e que vão encarar problemas de falta de água, porque os rios, onde foram colocados, não têm capacidade de suporte. Se fosse pedida outorga hoje, dificilmente teríamos aquela quantidade de pivôs naquela região. Se podemos ter mais pivôs? Podemos, mas em bacias que têm capacidade de suporte, para evitar o caos e a falta d'água. Se o produtor for pedir outorga hoje, não tem como voltar aquele ao que estabelecia o "Mais água, mais renda". É preciso considerar a hidrologia completa, os dados das bacias.
E&N - E quais as melhores alternativas para irrigar sem que precise mexer em áreas de Preservação Permanentes (APPs)?
Meirelles - No governo Sartori, estabelecemos o que era a barragem e o que era a açude, a partir de critérios técnicos e lógicos. Os açudes são muito mais flexíveis, não precisam de Áreas de Preservação Permanente (APP). A ideia seria incentivar a açudagem e algumas barragens estratégicas, mas sem flexibilizar a legislação ambiental. Tem que entender como vai acumular água nas propriedades.
E&N - O uso de açudes também seria viável para grandes propriedades?
Meirelles - Sim, mas demanda um cálculo econômico: vale a pena perder terra e colocar água em cima para irrigar outras terras? Por isso que muitos produtores preferem alagar o curso d'água, pois perdem menos terra agrícola. A legislação ambiental não proíbe, ela tem restrições, mas dá para fazer licença ambiental, fazer o projeto. É uma obra de utilidade pública para irrigação, barrar o rio e fazer a compensação. Por isso que eu não vejo muita lógica em alterar a legislação ambiental. Tem que segui-la. Seria ruim flexibilizar e perder a lógica da legislação ambiental. Quem tem que analisar cada demanda é o analista ambiental, identificar o que está perdendo de mata, fragmentando o corredor de mata ciliar, e ver o que é possível compensar.
O que eu não posso fazer é dizer que as matas ciliares não são importantes, desprezá-las para botar irrigação. Temos espécies que migram de peixes. Eu tenho que respeitar essa migração, não posso fazer barramentos nessas áreas que tem a migração e eu tenho corredores que eu tenho que manter. Então não é flexibilizar. É seguir a legislação ambiental, porque ela não é tão restritiva quanto os agricultores falam.
E&N - Alguns produtores defendem a irrigação como tecnologia que colabora na conservação do meio-ambiente. O senhor concorda?
Meirelles - Alguns açudes liberam gases do efeito estufa. O armazenamento de água não é inócuo. Se aumentar muito a área úmida, vou ter maior geração de gás, então, as lavouras de arroz produzem gás, os banhados produzem gás, as lagoas produzem gás. Então, agora eu vou colocar mais área alagada. Pode ser um aumento pequeno, mas é diante dele que os produtores terão que compensar aumentando a captura de carbono, pelo aumento de área de floresta, seja plantada ou nativa.
 

Produtor tem incremento de 380% em produtividade nas áreas com pivô

Família Parmeggiani investe para enfrentar as frequentes estiagem que assolam os municípios do Noroeste gaúcho

Família Parmeggiani investe para enfrentar as frequentes estiagem que assolam os municípios do Noroeste gaúcho

Álvaro Parmiggiani/Arquivo Pessoal/JC
A irrigação já é realidade para uma pequena parcela dos produtores de grãos gaúchos, entre os quais há uma unanimidade: as técnicas proporcionaram incrementos extraordinários de produtividade. É o caso da propriedade familiar do sojicultor de Campinas do Sul, Álvaro Parmeggiani. Neste ano, mesmo com estiagem, a lavoura de soja irrigada teve um incremento de 380%.
"A soja tem potencial para chegar a 80 sacas por hectare, mas, na nossa área irrigada, estamos colhendo 96 sacas por hectare. Em contrapartida, na área não irrigada, não passamos de 20 sacas por hectare. Neste ano, a perda fora da irrigação foi muito grande, não cobriu nem a metade do custo de produção", afirma Parmeggiani.
O produtor, cuja área irrigada corresponde a 50% da propriedade, conta que a família começou a usar a tecnologia há 10 anos, inicialmente com a irrigação por aspersão, e há seis anos migrou para o pivô central, devido à praticidade e à possibilidade de atender uma área maior. "No início, tivemos muitos problemas com licenças ambientais, muita burocracia, mas depois que conseguimos a licença, valeu muito a pena. Tanto que o equipamento se pagou em questão de três anos com o lucro que tirei da área, porque a diferença de produtividade é muito grande", afirma Parmeggiani.
O produtor acrescenta que só não amplia a área irrigada devido à indisponibilidade de volume de água para a área pretendida, cuja captação ocorre a partir de uma barragem no rio Passo Fundo, permitindo a retirada de água apenas em pequena escala. Ele conta ainda com um açude de um hectare, utilizado durante quatro meses do ano. "Aqui no Noroeste do Estado temos sempre muita perda com estiagem. Neste ano, a seca foi terrível, muito severa por aqui. E, graças à irrigação, estamos conseguindo ter produtividade, manter a propriedade e nossos funcionários", comemora Parmeggiani.
Segundo ele, a irrigação também ajudou na questão do endividamento, pois, desde que adotou a técnica, não precisou mais contratar crédito para cobrir o déficit causado pela falta de chuvas. Além disso, o incremento de produtividade por hectare na soja e no milho, que são os carros-chefe da propriedade, tem "segurado as pontas", já que os grãos não tiveram reajuste compatível com os custos de produção. "Senão, eu teria que trocar de atividade", afirma.

Rossato destaca a importância de programas de crédito e subsídio para a compra de equipamentos de irrigação | Fernando Rossato/Arquivo Pessoal/JC
Rossato destaca a importância de programas de crédito e subsídio para a compra de equipamentos de irrigação Fernando Rossato/Arquivo Pessoal/JC

Na propriedade do engenheiro agrônomo Fernando Rossato, responsável técnico pela Sementes Rossato, de Cruz Alta, a lavoura de milho teve um incremento recorde por hectare depois da adoção da irrigação. "A diferença da minha área irrigada para a área que eu tinha de milho em sequeiro foi de mais de 150 sacas por hectare. Na soja, obviamente, a diferença em número de sacas não é tão grande quanto no milho, mas provavelmente na área irrigada da oleaginosa vamos produzir o dobro ou mais", afirma Rossato.
Ele conta que há três anos começou a instalar pivôs centrais na propriedade e, hoje, conta com quatro equipamentos, que totalizam 20% da área irrigada. Depois de enfrentar dois períodos de seca severa, ele decidiu investir em irrigação para minimizar as perdas. A propriedade dos Rossato conseguiu garantir áreas com umidade durante as estiagens de 2022 e 2023, quando foi registrada uma quebra recorde, e na seca atual. "Nas áreas irrigadas, o que a gente tem percebido é, obviamente, uma minimização desses riscos. Praticamente não temos perdas nessas áreas, pois podemos utilizar a irrigação nos momentos em que a umidade do solo começa a ficar mais baixa", explica.
O engenheiro agrônomo destaca que a quebra maior ocorre na soja, pois, a partir de janeiro, a cultura entra no período de floração e enchimento de grãos, época naturalmente mais quente, o que pode ser agravado pela falta de chuva. "Aqui na região de Cruz Alta, a Emater fala em perdas de 25%, mas as primeiras áreas colhidas facilmente estão chegando a 50% de perdas", avalia Rossato.
Um fenômeno observado durante a estiagem atual foi a grande oscilação no volume de chuvas dentro de um mesmo município, gerando um cenário com lavouras boas, quase normais, e outras com perdas acima de 50%.
Sobre os entraves para irrigar suas lavouras, Rossato destaca o custo do equipamento, por se tratar de uma tecnologia cara, e também a questão da outorga de uso da água. "São vários entraves que temos que superar para efetivamente instalar o equipamento de irrigação e ele começar a funcionar. Eu passei por falta de disponibilidade de energia, o que represou meus projetos durante um ano e meio", relata.
Além disso, Rossato cita o entrave ambiental e a necessidade de encaminhar os projetos com bastante antecedência devido à demora no processo. "Do momento em que encaminhei o pedido até estar com a licença foram oito meses de espera. Até que foi um tempo curto, pois não precisei pedir licenciamento dos pivôs e os trâmites foram todos municipais, sem depender da Fepam, em função do porte da minha barragem."
Rossato destaca a importância de programas de crédito e subsídio para a compra de equipamentos de irrigação, como o Supera Estiagem, lançado no ano passado pelo governo do Estado. Através dele, é paga uma subvenção de 20% do valor do projeto diretamente ao produtor, limitada a R$ 100 mil por beneficiário.
 

*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela Ufrgs.

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