O mercado de vinhos no Brasil está aquecido, principalmente quando se trata da valorização de rótulos nacionais. Segundo dados da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), em 2023, o consumo de vinhos no Brasil chegou a dois litros per capita. Nesse contexto, surge, em 2024, o Rota Rara, um evento que busca aproximar consumidores e produtores, incentivando o enoturismo em Porto Alegre. A iniciativa foi criada por Guilherme Balle e Gilberto Vives, que trazem na bagagem uma vivência forte no mercado de vinhos: Gilberto, ex-proprietário da Champanharia Natalício, tem uma conexão direta com vinícolas do Rio Grande do Sul, enquanto Guilherme atua com design de negócios para gastronomia e bebidas.
Empresas & Negócios - O que os levou a criarem o Rota Rara?
Gilberto Vives - Nossa relação começou através de uma consultoria. Eu era o proprietário da Champanharia Natalício, no Barra Shopping Sul, e o Guilherme prestou uma consultoria na época para remodelar o nosso negócio durante o período da pandemia. A partir dali, percebemos que havia uma conexão muito forte em termos de conhecimento do setor. Como grandes apreciadores de vinhos, sempre pensamos em fazer algo juntos. Depois que finalizei a operação da Champanharia, o Guilherme me procurou e propôs uma parceria. Então, decidimos desenvolver um projeto que valorizasse esse setor. Assim nasceu o modelo de negócio do Rota Rara. Nossa primeira edição aconteceu em outubro de 2023, com a participação de 54 vinícolas e 92 rótulos de vinhos. Para este ano, aumentaremos para 70 vinícolas e um total de 100 rótulos, permitindo a participação de vinícolas que não puderam ingressar na primeira edição.
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E&N - Além do Rota Rara, no que mais vocês investem?
Guilherme Balle - O Rota Rara é um evento anual e é o nosso carro-chefe no universo dos vinhos, mas também temos outras iniciativas ao longo do ano, como a "Vitrine de Vinhos", que é um formato pocket que levamos para eventos corporativos. Para nós, o vinho tem um grande poder de conexão entre pessoas e geração de negócios. Por isso, também temos experiências como treinamentos corporativos baseados no "Wine Building", que utiliza o vinho como ferramenta de integração e dinâmica de grupo. Para construir esse modelo, fizemos uma ampla pesquisa e benchmarking. Conversamos com participantes de eventos nacionais e internacionais. No Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, temos uma cultura produtora de vinho muito forte, mas até então não existia um evento em Porto Alegre com essa abordagem. O Rota Rara coloca o consumidor no centro da experiência. Oferecemos taças de cristal exclusivas e criamos um percurso estruturado por estações segmentadas, o que otimiza a experiência de degustação. Além disso, estamos investindo em um local novo aqui no Pontal Shopping, que proporcionará um ambiente ainda mais completo. A ideia é que o nosso evento se consolide como a grande cerimônia do vinho gaúcho, coroado pelo pôr do sol do Guaíba e uma trilha sonora de jazz.
E&N - Como é feita a curadoria das vinícolas e dos rótulos apresentados no evento?
Vives - No primeiro evento, foi mais desafiador, pois estávamos vendendo um projeto sem ter um produto consolidado. Entretanto, como já conhecíamos muitos produtores e já havíamos trabalhado juntos, conseguimos trazer 54 vinícolas. Agora, a situação mudou. Temos um evento para apresentar, o que facilita a adesão. Vinícolas que antes não se interessaram agora nos procuram. A curadoria ocorre em etapas: primeiro focamos na captação de patrocínios e na divulgação, para depois selecionar as vinícolas participantes. Nós não cobramos taxa de participação das vinícolas, garantindo imparcialidade na seleção. Além disso, não exigimos que as vinícolas enviem representantes para servir os vinhos. Temos uma equipe treinada que cuida de toda a apresentação e serviço, padronizando a experiência.
E&N - Qual o impacto da votação popular no mercado de vinhos?
Balle - Nosso evento difere de premiações tradicionais por ser aberto. A votação funciona como um "Top of Mind" do momento, captando a opinião real dos consumidores, independentemente do seu nível de conhecimento sobre vinhos. Muitas vinícolas têm dificuldades em entender o comportamento do consumidor, que mudou bastante nos últimos anos. Descobrimos, por exemplo, que algumas vinícolas focavam sua produção em segmentos específicos que consideravam relevantes, mas o público demandava outros estilos. O Rota Rara oferece essa leitura do mercado para o mercado, ajudando as vinícolas a ajustarem suas estratégias. A votação é democrática: enólogos, sommeliers ou apreciadores iniciantes, todos têm o mesmo peso na avaliação. Essa diversidade garante que as vinícolas recebam feedback real sobre suas produções.
E&N - Como o evento contribui para a valorização e visibilidade das vinícolas gaúchas?
Vives - Nosso foco é fortalecer o setor gaúcho. No entanto, com quase 500 produtores de vinhos finos no estado, é impossível incluir todos. Nossa seleção respeita critérios de participação e qualidade. Algumas vinícolas têm prioridade por terem embarcado conosco desde a primeira edição. Reunimos desde as maiores vinícolas do estado até pequenos produtores boutique e de vinhos naturais. Cada vinícola apresenta um ou dois rótulos, garantindo uma seleção refinada de 100 vinhos de altíssima qualidade. Todos os rótulos selecionados são relevantes, refletindo a riqueza e excelência do vinho gaúcho.
E&N - Como vocês buscam atrair um público mais jovem?
Balle - O paladar do vinho tende a evoluir com o tempo. Quanto mais a pessoa degusta e experimenta, mais ela descobre novos estilos e preferências. A ideia de fazer eventos como esses também vem de permitir que consumidores que sempre beberam um mesmo estilo de vinho possam explorar novas possibilidades. Trabalhamos na divulgação pelas redes sociais, pois sabemos que o público jovem tem crescido nesse segmento. E estratégias como parcerias com influenciadores e envio de press kits para gerar engajamento. Manter o ingresso acessível também é uma estratégia. A entrada cobre não somente a degustação dos 100 rótulos, mas também palestras, shows e gastronomia, é um bom custo-benefício. Também oferecemos cotas de ingressos para empresas e instituições de ensino.
E&N - Quais são os desafios na produção de um evento dessa magnitude?
Vives - Como já realizamos uma primeira edição, conseguimos identificar os pontos críticos da organização e execução. Aprendemos muito e, para este ano, estruturamos uma equipe altamente qualificada. Nossa produtora, por exemplo, já trabalhou conosco na edição anterior e conhece todas as particularidades do espaço. Isso nos dá segurança para mitigar riscos e garantir que tudo funcione da melhor forma possível. Sempre existem desafios logísticos e regulatórios, mas planejamos tudo detalhadamente para minimizar imprevistos. Investimos em design de negócios, gestão eficiente e escolha criteriosa da equipe. Isso nos permite prever problemas e reduzir impactos.
E&N - Como eventos como o Rota Rara contribuem para o enoturismo e a economia das regiões produtoras?
Balle - Realizar o evento na capital faz sentido porque grande parte do público está concentrado aqui. Muitas pessoas já viajam para a Serra Gaúcha, Bento Gonçalves, a Campanha e outras regiões produtoras, mas queremos facilitar esse primeiro contato com as vinícolas. Eventos assim criam pontes entre consumidores e produtores. Muitas vezes, após degustar um vinho e conversar com o proprietário da vinícola, o visitante se interessa em conhecê-la pessoalmente. Isso impulsiona o turismo, movimenta a hotelaria e a gastronomia dessas regiões. Já recebemos propostas para levar o evento para cidades produtoras dentro e fora do Estado. Mas a nossa missão é justamente conectar o público urbano ao universo do vinho, incentivando a valorização e o crescimento do setor vinícola gaúcho.